Na última sexta-feira (10), o The Strokes lançou o seu sexto álbum de estúdio, “The New Abnormal”, produzido por Rick Rubin. É o primeiro lançamento em sete anos, após o controverso “Comedown Machine”. O disco de 2013 despertou críticas na mídia especializada e nos próprios fãs por ter um estilo muito peculiar, regado a sintetizadores.
Bom, vou começar com uma opinião polêmica: eu gostei de “Comedown Machine”. Talvez seja uma das únicas pessoas no mundo, já que nem a própria banda parece ter gostado.
Tocaram algumas faixas ao vivo (e que nem eram as melhores) por pouquíssimas vezes; não deram entrevistas sobre o álbum; e admitiram (com exceção do guitarrista Albert Hammond Jr.) que se esqueceram de algumas de suas faixas. Foi o caso da potente “50/50”, que não merecia ser esquecida. Mas esse álbum me deu “Chances” e “Call It Fate, Call It Karma”, que embalaram momentos específicos da minha vida.
Mas não estamos aqui para falar de “Comedown Machine” (nem de mim) e sim de “The New Abnormal”. O novo álbum, que era para ter sido lançado 5 dias após o show da banda no Lollapalooza Brasil, nasceu diante de um período angustiante para o mundo inteiro.
Talvez sim, talvez não, o lançamento em momento de pandemia serviu como um abraço para os fãs. Mas a reação mais surpreendente vem de grande parte da crítica que vinha massacrando a banda nos últimos anos. A novidade foi aprovada – pelo menos, até segunda ordem.
“The New Abnormal” é uma volta comedida ao passado
A questão é que não importa o que eles lancem. Os Strokes sempre serão comparados com o seu disco de estreia, o estrondoso “Is This It” (2001). O álbum foi o responsável por consagrá-los como a principal banda de rock alternativo do novo século. Além disso, grandes grupos atuais foram inspirados por Julian Casablancas e companhia, como o Arctic Monkeys (no qual o vocalista Alex Turner se declara um fã aberto do quinteto).
Depois, vieram “Room on Fire” (2003) e “First Impressions Of Earth” (2006). A banda entrou em uma pausa de cinco anos e, desde então, parecia outra. “Angles” (2011), “Comedown Machine” e o EP “Future Present Past” (2016) têm sonoridades bastante diferentes do passado.
E o motivo pelo qual as pessoas têm gostado de “The New Abnormal” e terem renegado “Comedown Machine”, por exemplo, é porque o álbum de 2020 lembra, de certa forma, os tempos primórdios da banda.
Um exemplo é “Bad Decisions”, quarta faixa do álbum que teve seu divertido clipe lançado em fevereiro. Ela poderia muito bem fazer parte do primeiro ou do segundo disco da banda.
Ter pelo menos uma faixa que remete aos velhos tempos já é de praxe nos últimos álbuns dos Strokes. Aconteceu em “Angles” (2011), com “Under Cover Of Darkness”; no “Comedown”, com “All The Time”; e no EP “Future Present Past” (2016), com “Threat Of Joy”.
Mas enquanto os últimos trabalhos realmente só concentram uma única faixa que lembra a década de 2000, “The New Abnormal” explora a sonoridade e o estilo dos velhos tempos, só que sem medo de assumir uma nova identidade.
Prova disso é o estilo mais “oitentista” que aparece em grande parte das 9 faixas. É o que Julian Casablancas tem adotado desde 2009, quando lançou o seu álbum solo, “Phrazes For the Young”, e formou uma nova banda, The Voidz, com dois discos recheados de sintetizadores.
Laços estreitos
Mas o resto dos Strokes parece ter comprado melhor a ideia de Casablancas só agora. A gravação de “Angles”, por exemplo, não foi das melhores. O vocalista gravou os vocais sozinho e não se encontrou com o restante da banda. Já o próprio “Comedown” não teve uma turnê exclusiva. Até mesmo nos shows, como no Lollapalooza Brasil de 2017, eles pareciam distantes uns dos outros (e do próprio público).
É um cenário bem diferente do que tem sido visto. A banda tem se mostrado bastante unida nos palcos, tanto em causas políticas (em fevereiro, eles fizeram um show para a campanha do ex-candidato à presidência dos Estados Unidos, Bernie Sanders), quanto no Réveillon de 2019 para 2020 (em um grande show em Nova York).
O ponto alto foi o lançamento de uma websérie para o YouTube, “5 guys talking about things they know nothing about”. É tipo um podcast, só que gravado pelo Zoom (em tempos de quarentena…). Nele, os 5 membros discutem as músicas do novo álbum, debatem crises existenciais e compartilham inspirações artísticas e musicais. Tem até quem deixe a câmera do celular cair por algumas vezes (alô, Julian), bem gente como a gente.
Ver a banda falante (com exceção do tímido baixista Nikolai Fraiture) e brincalhona entre si confortou os corações dos fãs, após tantos anos de incertezas e até mesmo de crenças sobre o fim do grupo.
A química deu tão certo que, em pleno 2020 (quase 20 anos depois do seu disco de estreia), The Strokes virou trending topic do Twitter. Apesar do tempo, eles ainda estão dispostos a fazer um trabalho impecável e a se mostrarem relevantes no cenário do rock alternativo.
É mais um motivo para agradecer a “The New Abnormal”. O novo álbum resgatou os Strokes de antigamente, não só em termos técnicos, mas também em boa convivência, o que serve de alívio para o público.
Vamos falar de faixa por faixa?
Embora tenha um pé nos três primeiros álbuns, “The New Abnormal” também traz releituras de trabalhos que, em um universo paralelo, estariam facilmente presentes em “Angles” e “Comedown Machine”. Ou seja, “The New Abnormal” é um passeio pela discografia da banda, mas de forma madura, singular e até mesmo melancólica.
“The Adults Are Talking“, por exemplo, traz uma estrutura de riffs e de solos parecida com o que já foi utilizado lá atrás, como na canção “Hard To Explain”, de “Is This It”.
As guitarras também marcam presença na melódica “Selfless“, que poderia muito bem integrar (à sua maneira) as faixas de “First Impressions Of Earth”.
A terceira faixa, “Brooklyn Bridge To Chorus“, é uma viagem à década de 1980. A balada dançante (mas de letra melancólica) se mostra bem ao estilo do que foi apresentado em “Angles”.
Já “Bad Decisions” é a música mais “strokiana” do álbum e lembra, de certa forma, o que já foi visto em “Is This It” e em “Room On Fire”. E não estranhe se a melodia lembrar a música “Dancing With Myself”, de Billy Idol, já que o artista é creditado como co-autor da faixa.
E para quem queria ouvir Casablancas em sua melhor forma, “Eternal Summer” é um ótimo exemplo. Os falsetes se contrastam com a voz marcante e rasgada do vocalista, emoldurando uma melodia similar ao que foi visto em “Comedown Machine”.
Em seguida, vem “At The Door“, a mais diferentona do álbum – o que não é algo ruim, muito pelo contrário. Inclusive, há quem diga que a faixa tenha uma inspiração no duo Daft Punk (com quem Casablancas já colaborou em “Instant Crush”). Apesar de ser regada por sintetizadores, o que foi bastante visto em “Comedown Machine”, ela tem um quê de melancolia e carrega uma emoção digna de “Is This It”.
Se não foi possível definir o passado de “At The Door”, “Why Are Sunday’s So Depressing“, é um retrato fiel, mas repaginado, do que foi visto em “Is This It” e em “Room On Fire”. Não é segredo para ninguém que a maior inspiração dos Strokes é a banda Velvet Underground e o seu vocalista, Lou Reed. Nesta faixa, a homenagem fica bastante clara, especialmente por parte de Casablancas.
Curiosamente, a próxima faixa, “Not The Same Anymore” (em tradução livre, “Não é mais o mesmo”), é um compilado dos três primeiros discos em uma música só; mas com o toque “The New Abnormal“, é claro. Como o título sugere, ela traz uma certa melancolia, que lembra de longe “Someday” (“Is This It”) e “Under Control” (“Room On Fire”).
Por fim, a poderosa “Ode To The Mets” sustenta a melancolia do novo álbum, confirmando uma tese e afrontando outra que foram ditas neste texto:
1) quando a banda apresentou a faixa pela primeira vez ao vivo, em dado momento, Julian pediu ao baterista Fabrizio Moretti: “drums, please” (bateria, por favor). Não se sabe se já era parte da música ou se foi algo dito na hora, mas o pedido está incluso na versão de estúdio. Independentemente da razão, reforça a sintonia entre os membros da banda até na hora do “vamos ver”;
2) talvez, essa música pudesse servir como um contraponto às mais agressivas dos álbuns “Room On Fire” ou “First Impressions Of Earth”, por exemplo.
Mas “Ode To The Mets” é nada mais, nada menos, do que “The New Abnormal“, como todas as outras faixas aqui apresentadas. É o retrato do The Strokes de sempre, mas que renovou a sua identidade e, depois de alguns anos, encontrou o ponto certo de se comunicar. Bom para eles, bom para a gente.