Em menos de dez anos, Tim Bernardes escalou montanhas dentro da música nacional. De um nome pouco conhecido e vocalista de uma banda também pouco conhecida, o cantor e compositor se tornou uma das maiores referências da nova geração de artistas brasileiros, enquanto O Terno se firmou como um dos principais grupos do cenário alternativo.
Após o lançamento de “Recomeçar”, seu primeiro projeto solo, em 2017, e uma indicação ao Grammy Latino, Tim chamou a atenção de novos públicos — entre eles, alguns de seus grandes ídolos. Nos anos seguintes, o artista teve a oportunidade de gravar e compor para gigantes da MPB, como Gal Costa, Maria Bethânia e Jards Macalé, consolidando seu nome e reforçando as expectativas sobre o que estaria por vir.
“Mil Coisas Invisíveis”, seu novo álbum de estúdio que será lançado nessa terça-feira (14), marca o início de uma nova fase não apenas em sua carreira, mas também em sua vida pessoal. “Teve uma coisa no ‘<atrás/além>’ de falar, de uma forma metafórica, sobre dar um salto no misterioso, essa reflexão que ele tinha sobre o fim de uma juventude e o início de uma vida adulta, o que vai vir depois. (…) Eu acho que essas músicas do ‘Mil Coisas Invisíveis’ são os primeiros relatos depois que eu caí no mundo do lado de lá”, reflete Tim sobre a transição entre as duas obras.
Em entrevista ao Tracklist, o cantor conversou sobre os significados e os detalhes por trás do disco e seus contrastes com seus demais trabalhos. “Eu queria fazer um disco que fosse de canções, mais eclético, sem ser necessariamente todos do mesmo clima, do mesmo jeito ou num mesmo tema”, disse. “Tem a minha sonoridade, o meu estilo que eu fui construindo, mas dá um passo pra frente com isso tudo. Eu acho que ele é um desenvolvimento, ele é um novo momento, uma fase nova e tudo… De amadurecer isso que eu já venho construindo há alguns discos.”
O álbum também simboliza uma expansão internacional para a sua carreira: além do disco ser lançado no Brasil pela Coala Records, selo do Coala Festival, ele também será distribuído globalmente pela Psychic Hotline. Tim também fará os shows de abertura da nova turnê do Fleet Foxes nos próximos meses, procurando levar sua música para os ouvidos de todo o mundo — incluindo seus outros projetos solo e com O Terno, que foram relançados recentemente no exterior.
“Eu não imaginava e nem pensava muito nisso há uns cinco anos atrás, mas acho que desde o ‘Recomeçar” e o ‘<atrás/além>’, a gente começou a reparar que tinha um interesse de públicos que não falavam português e que tavam gostando da música”, comentou sobre os projetos internacionais. “Tudo depende muito da resposta das pessoas e ver como elas vão receber, que espaço que a música brasileira pode ter lá. (…) Eu fico curioso pra entender como a minha música pode bater num público lá fora.”
Leia também: Os cinco anos de “Melhor do Que Parece”, um marco para O Terno
Confira a entrevista com Tim Bernardes na íntegra:
TRACKLIST: Bom dia, Tim! Primeiramente, parabéns pelo lançamento de “Mil Coisas Invisíveis”, nós já ouvimos o disco e amamos! Como você anda e como tem sido lidar com a expectativa?
TIM: Poxa, eu ando animado, ansioso e corrido, como é uma boa época de lançamento mesmo. Tô contente com a recepção dos singles e tudo, curioso e animado pras pessoas conhecerem as outras músicas. Vindo de um período mais encasulado por muito tempo, é um contraste assim. As coisas agora tão todas pra acontecer, é uma reabertura… Eu tô isolado, ensaiando pra turnê com o Fleet Foxes nos Estados Unidos depois de uma série de lançamentos aqui no segundo semestre, então é uma sensação de que as coisas estão prestes a voltarem a se mover com mais velocidade… Tem sempre uma apreensão, uma ansiedade e tudo, mas tô bem contente do disco finalmente ir pro mundo. Foi um processo interno muito grande, uma gravação longa e tudo, então dá uma sensação boa quando deixa de ser só meu e fica pra todo mundo.
TRACKLIST: Imagino! Pra começar, eu gostaria de perguntar quais são as principais diferenças que você sente entre o seu primeiro disco, o “Recomeçar”, e o “Mil Coisas Invisíveis” e o que você sente que mudou nos cinco anos que separam os dois lançamentos?
TIM: Eu acho que tem uma coisa do “Recomeçar” ser um disco bem específico, uma obra fechada, quase como se fosse uma composição de uma peça só. É um disco muito conceitual, que uma música engata na outra, tem melodias que se costuram, tem quase um tema único, um disco todo mais no mesmo clima, alguns momentos mais melancólicos, mais densos, internos e coisa assim… E de lá pra cá, teve o “<atrás/além>”, que é um disco de canções minhas com O Terno e que também foi um aprendizado, um disco que eu tenho um carinho especial. Tem uma coisa de aprendizado: em cada disco, a gente aprende coisas de arranjo, coisas de cantar, como fazer as coisas, então nesses cinco anos, eu fui aprendendo muita coisa, assimilando ou deixando absorver esses aprendizados.
E a minha vontade, depois de dois discos mais conceituais (porque eu acho que o “<atrás/além>” também tem um tema único, um rito de passagem de geração), eu queria fazer um disco que fosse de canções, mais eclético, sem ser necessariamente todos do mesmo clima, do mesmo jeito ou num mesmo tema. Na minha cabeça, o segundo disco é um disco mais descompromissado, um disco mais solto, mais leve… Só que aí, quando eu comecei a ver as canções, eu comecei a entender que tinha sim, naquelas canções que eu tava fazendo de 2018 até 2020, coisas que se conversavam. E junto com isso, tudo que eu e todo mundo estávamos vivendo em 2020, de estar parado e começar a reparar nas coisas anteriores ao nosso modo automático do dia a dia, o nosso modo presente de ser e tudo… Canções que eu compus em 2020 reforçaram essa espécie de conceito que é o “Mil Coisas Invisíveis”.
Ele é um disco de canções mais ecléticas, mas eu acho que ele tem um espírito comum ali entre as músicas. E ele faz seus contrastes com o “Recomeçar” por ser um disco mais iluminado, enquanto o “Recomeçar” tinha uma reflexão mais sombria — “sombria” talvez não seja a melhor palavra, né? A capa eu acho que mostra muito: a capa do “Recomeçar” um pouco mais nas penumbras, no interno, e esse é um disco um pouco mais do amanhecer, do clarão, e mais fantástico, talvez, de algumas formas, das belezas da vida… Eu acho ele um disco mais astral, e isso é uma coisa que eu gostei que tivesse e reforcei um pouco, pra fazer um contraste com o “Recomeçar”.
Mas eu não acho que tenha uma ruptura no meu estilo, eu acho ele um desenvolvimento do meu estilo. Tem tipos de arranjos de corda que eu já fazia no “Recomeçar” e no “<atrás/além>”, só que agora explorando outros jeitos de fazer esses arranjos. Tem a minha sonoridade, o meu estilo que eu fui construindo, mas dá um passo pra frente com isso tudo. Eu acho que ele é um desenvolvimento, ele é um novo momento, uma fase nova e tudo… De amadurecer isso que eu já venho construindo há alguns discos.
TRACKLIST: Em outras entrevistas, você já comentou sobre organizar os seus discos, tanto em sua carreira solo quanto com o Terno, em uma linha do tempo, como se a história de cada um se complementasse. Como você enxerga o “Mil Coisas Invisíveis” dentro dessa linha e como você diria que ele reflete a fase atual da sua vida?
TIM: Pô, legal! Isso realmente é uma coisa que eu sinto, que tem uma linha de compositor que atravessa as duas carreiras. Eu acho que teve uma coisa no “<atrás/além>” de falar, de uma forma metafórica, sobre dar um salto no misterioso, essa reflexão que ele tinha sobre o fim de uma juventude e o início de uma vida adulta, o que vai vir depois… Tem uma música que fala que o menino solta pra lá do muro, o futuro, as coisas, a gente pular do barco… Tem uma série de sensações ali sobre se lançar novo, não saber o que vem depois mas dar esse salto. Parece que o “<atrás/além>” tá bem nessa divisória, e não à toa tem aquela barrinha. Eu acho que essas músicas do “Mil Coisas Invisíveis” são os primeiros relatos depois que eu caí no mundo do lado de lá. Eu acho que combina também com a virada da década, por agora estarmos nos anos 20, descobrir quais são as coisas que vêm agora, os 30 anos, no meu caso.
Nas primeiras composições que eu fiz, têm músicas longas, de muita letra, de refletir, algumas mais angustiadas, algumas mais existencialistas, algumas canções de amor e coisas assim, nesse novo terreno. E músicas que eu compus em 2020 que tão no disco também, que são canções como “Nascer, Viver, Morrer”, “Fases”, “Mesmo Se Você Não Vê”, “Esse Ar”, que eu acho que revelam uma presença quase espiritual e metafísica que foi se revelando nesse novo terreno misterioso. Achar “Nossa, acabou tudo! Meu Deus, eu passei daquela fase”, e de repente, começar a reparar que tem uma coisa que se mantém independente da fase, que é o momento presente, ou a alma, ou alguma coisa assim, sabe? Eu acho que ele é um disco que se relaciona com o mistério e começa a reparar o que que tem pra lá do que a gente consegue entender mentalmente, racionalmente, do que a gente planeja. E eu acho que a pandemia também tem uma influência forte nisso, de ver o quanto a gente não controla as coisas, e o quanto a vida atravessa isso de alguma forma, então é um disco sobre a vida, sobre a beleza, acho que é uma coisa meio assim…
TRACKLIST: Entre todos os seus discos, o “Mil Coisas Invisíveis” foi o que mais levou tempo pra ser finalizado, depois de nove meses de gravação. Por que você diria que esse processo se estendeu por tanto tempo e como é, pra você, levar várias ideias sobre o seu som para o estúdio?
TIM: O “Recomeçar” é um disco no qual eu fiquei muito tempo pensando nele antes… Eu já tinha as músicas, eu já imaginava como os arranjos iam vir e tudo. Quando eu entrei no estúdio pra gravar, mesmo sendo um disco solo, eu tinha muita clareza de como cada música tinha que ser na minha cabeça, então foi um disco muito fluído de gravar, eu gravei ele em dois ou três meses. O “<atrás/além>” d’O Terno, por exemplo, já foi um disco mais longo… A gente gravou as bases, depois teve um tempo de arranjo, e foi tudo mais dilatado, por conta de turnês e tudo.
Mas acho que esse foi o mais longo e também mais penoso, porque eu tive que experimentar coisas no estúdio. Você ensaiar ou testar ideias musicais com banda é mais fácil, mas sozinho, eu gravava, via uma bateria, via o que não funcionava… Eu meio que girei mais lâmpadas, testei mais caminhos, e também por estar mais fechado, mais isolado. O difícil é você ter o discernimento do filtro, o que entra ou o que sai. Ele foi um processo mais longo porque ele precisou ser, ele levou mais tempo pra ficar pronto, eu tive que regravar várias músicas. Até o fim da mixagem, eu tava me esforçando em cada detalhe pra coisa encaixar do jeito que eu queria e parar em pé como eu imaginava. Acho que foi um processo mais intenso, um disco mais longo porque eu fui descobrindo ele ao longo da gravação, ele não tava claro na minha cabeça.
TRACKLIST: Uma coisa que é muito particular de cada um dos seus discos é como cada um tem uma forma única de explorar novos sons e novas formas de compor e contar histórias, e isso também é muito nítido em “Mil Coisas Invisíveis”. Como você procura renovar sua escrita e sua música a cada lançamento? É algo pelo qual você se cobra ou um processo que surge naturalmente?
TIM: Eu acho que, na maior parte, surge naturalmente e surge lentamente, aos poucos, às vezes sem eu nem perceber o que tá rolando. Eu acho que tem uma vontade, quando eu vou compor de novo, de talvez, sem perceber, não me ater aos caminhos que eu já fiz e me atrair mais por coisas que eu não fiz. De repente, quando eu comecei a chegar em letras mais longas, eu comecei a achar um caminho interessante, sabe? E uma coisa vai se relacionando com a outra, porque eu olho que tem letras longas e começo a ter vontade de escrever algumas letras mais concisas, que digam bastante essas coisas todas, mas em uma letra curta. Pode ter “Beleza Eterna”, “A Balada de Tim Bernardes”, “Meus 26”, músicas mais ensaísticas assim, que são quase como textos, livros ou coisas mais longas, filosóficas e tal… E aí eu rebato isso, de alguma forma inconsciente, com “Mesmo Se Você Não Vê”, ou então “Nascer, Viver, Morrer”… Se tem canções mais tristes, dá vontade de ter uma música de amor alegre. Acaba que o disco tem 15 músicas, ele é um LP duplo — também de propósito, porque é o tipo de coisa que eu sinto falta e que eu tenho vontade de consumir e ouvir com calma. E eu não conseguia tirar nenhuma das músicas ali porque eu sentia que cada uma tava realmente compondo um ponto nesse círculo. Essa é a sensação.
TRACKLIST: Desde o lançamento do “Recomeçar”, você tem recebido o prestígios de muitos artistas veteranos da nossa música, e você também pôde trabalhar com alguns deles, como é o caso da Gal Costa, da Maria Bethânia e do Jards Macalé, por exemplo. Pra você, como é ter o seu trabalho reconhecido por alguns dos seus ídolos e como é poder trabalhar ao lado deles?
TIM: Pra mim, é muito legal, eu fico muito feliz! É difícil explicar a sensação, mas dá uma alegria, tanto do meu lado de fã, por nunca imaginar lá atrás que um dia isso poderia acontecer, quanto do meu lado de compositor, de sentir “Poxa, eu devo tá fazendo legal! Tem gente que eu gosto que também tá gostando!”. E a parte de poder trabalhar com eles é muito legal porque desmitifica de uma maneira legal, sem perder a mística deles… Me dá uma sensação de que eles criam uma música que nem eu, e dedicam a vida a isso, e eu sinto que estamos no mesmo mundo, sabe? Tem vários lados, mas a sensação é muito legal.
TRACKLIST: Esse também é um prestígio internacional, visto que você esteve no último disco do Fleet Foxes e vai abrir a turnê deles nos Estados Unidos e na Europa nos próximos meses. Com o lançamento internacional de “Mil Coisas Invisíveis” pela Psychic Hotline e podendo levar sua música pros palcos lá de fora, eu gostaria de saber se está nos seus planos se lançar pro exterior e tornar seu nome mais conhecido por lá também.
TIM: Eu não imaginava e nem pensava muito nisso há uns cinco anos atrás, mas acho que desde o “Recomeçar” e o “<atrás/além>”, a gente começou a reparar que tinha um interesse de públicos que não falavam português e que tavam gostando da música, da melodia, do tipo de arranjo, do tipo de som, e eu acho que converge com essa geração do indie americano e europeu estar olhando pra discos brasileiros dos anos 70 e enxergando, talvez, no meu tipo de som, uma linhagem desse tipo, sabe? Eu comecei a ficar contente, começou a ter relançamentos dos discos lá fora, então quando eu fui lançar esse disco, eu pensei em buscar e planejar isso ativamente, procurar um selo legal que goste do som e poderia lançar isso lá, ver como que eu faço pra também tocar lá, experimentar e mostrar esse som pra públicos de lá.
Tudo depende muito da resposta das pessoas e ver como elas vão receber, que espaço que a música brasileira pode ter lá. A gente tem um histórico muito bom com a música brasileira no mundo, com a bossa nova e com o tropicalismo… O Brasil, curiosamente, é visto como uma música meio que de vanguarda lá fora, ainda vindo de um país de terceiro mundo. Eu fico curioso pra entender como a minha música, como um indie contemporâneo e MPB dos anos 20, pode bater num público lá fora. Mas eu tenho vontade sim de trabalhar isso lá fora, divulgar as coisas. Tudo depende muito, na verdade, da reação das pessoas, deles gostarem ou não e ver o quanto isso vai avançando — tô curioso justamente com isso.
TRACKLIST: Eu achei interessante que, ao mesmo tempo que você lança o “Mil Coisas Invisíveis”, o seu pai, Maurício Pereira, também planeja o lançamento de um novo trabalho. Qual o tamanho da influência do seu pai na sua trajetória musical? Vocês têm planos de lançarem algo juntos no futuro?
TIM: Quanto à influência, eu acho que é uma influência muito mais profunda do que se poderia imaginar, no sentido de uma influência musical. O cara é meu pai, me criou! (risos) Eu acho que tudo que eu ouvi de música, novinho, foi ele que me mostrou, de Frank Zappa até John Coltrane, todo o tropicalismo, Tim Maia, Beatles, “Clube da Esquina”… Eu cresci ouvindo coisas que acho que me formaram musicalmente de uma maneira muito interessante. Ele tem um jeito de pensar filosoficamente a música, ele tem um jeito de ser muito autoral. A influência que eu tive dele nunca foi de querer reproduzir o estilo dele ou a sonoridade dele ou qualquer coisa assim; eu, admirando como ele era autoral, sempre tive essa influência de saber o que é a minha cara, o meu tipo de compor, o meu tipo de melodia, e descobrir qual é a minha autoria. E quanto a gravar junto, a gente tem essa vontade de, quando a gente tiver algum tempo vago juntos, registrar essas coisas, nem que seja pra guardar e entender quando que lança.
TRACKLIST: Pra finalizar, eu gostaria de perguntar o que você gostaria que as pessoas levassem do “Mil Coisas Invisíveis” pras suas próprias vidas depois de ouvir o disco.
TIM: Eu não sei o que levar, mas eu gostaria muito que as pessoas mergulhassem nele de cabo a rabo, sabe? A sensação de ouvir ele inteiro e alto no fone, sem fazer mais nada, ou ouvir no escuro. Poder deixar ele entrar e sentir as músicas mesmo, porque eu acho que essas músicas foram feitas assim: com muita entrega e de coração. E poder estarem abertas a ver a multiplicidade de sentidos que os detalhes desse disco podem ter, ouvirem de novo. Não sei… Acho que viajarem no disco mesmo, sabe? Eu acho que ele tem muitas camadas, e a pessoa poder sentir isso e se relacionar com isso é uma coisa que me deixa muito feliz.