Em 1977, o Fleetwood Mac estava próximo de completar uma década de carreira como uma das bandas de maior sucesso dos anos 70. O grupo britânico não desfrutava da mesma ambição ou apelo comercial de tantos outros artistas da época, mas reproduzia um estilo que não só representava uma válvula de escape para as vidas conturbadas dos cinco integrantes, mas também viria a definir o decorrer das décadas seguintes do pop e rock radiofônicos.
“Rumours”, o 11º álbum de estúdio do quinteto, foi o principal responsável por eternizar tamanha influência em um só trabalho. Seu lançamento elevou o Fleetwood Mac, até então uma banda sem grandes pretensões além das paradas comerciais, a um dos grandes marcos da música mundial, mantendo-se até hoje ativos com sua melhor formação.
Em toda a sua trajetória, a banda já teve 17 integrantes diferentes, estando apenas Mick Fleetwood e John McVie presentes em todos os seus ciclos. Ambos, ao lado de Christine McVie, Lindsey Buckingham e Stevie Nicks, compuseram a mais famosa e renomada formação do grupo, responsável por gravar “Rumours” em meio a tantas desavenças e conflitos, em suas vidas pessoais e entre si.
Os cinco integrantes passavam por términos de relacionamentos à época das gravações do álbum, experiências que eram levadas ao estúdio e refletiam diretamente nas composições e temas das faixas. Enquanto Fleetwood enfrentava um divórcio, os dois casais que completavam a banda também haviam acabado de se separar: Lindsey Buckingham e Stevie Nicks encerravam uma relação de oito anos e Christine e John McVie rompiam seu casamento durante a turnê do disco.
Tratam-se de das mais sentimentais canções escritas pelo grupo, que ganham ainda mais força através da sonoridade pegajosa e contagiante que emplaca alguns dos mais marcantes refrãos da banda. Mas “Rumours” é, sobretudo, muito mais do que a superação de um velho relacionamento, o remendo de um coração partido ou uma simples coletânea de hits: o disco é a obra-prima definitiva do Fleetwood Mac e um exemplo perfeito de como transformar as dores de uma má fase em música para a eternidade.
A jornada sentimental de “Rumours”
“Rumours” é um álbum formado por verdadeiros altos e baixos no decorrer de seus 40 minutos, incluindo canções agitadas e baladas sentimentais que destacam a agilidade da banda em pensar, escrever, gravar e produzir seus grandes sucessos — sejam aqueles para serem tocados nos clubes dos anos 70 ou para chorarmos ouvindo. Todas as músicas, contudo, são essenciais para compreender a história que cada um dos cinco deposita no papel e nos instrumentos.
As gravações no estúdio Record Plant, na cidade californiana de Sausalito, duraram seis meses e ajudaram a destacar não só o gênio coletivo do grupo, mas também os talentos individuais que cada integrante somava ao trabalho. A ideia por trás de “Dreams”, por exemplo, surgiu em minutos a partir de um devaneio da cantora Stevie Nicks que, desacreditada com a música, entregou-a ao ex-namorado e companheiro de banda Lindsey Buckingham, que renovou seu instrumental e a transformou no sucesso que conhecemos hoje.
Apesar do ritmo contagiante que a faixa carrega, a relação fraturada entre ambos serviu como o principal plano de fundo para o single, o que facilmente poderia ter gerado um clima pesado entre os integrantes em qualquer outro grupo, mas não aconteceu no Fleetwood Mac. “Nós tínhamos que passar por esse exercício elaborado de negação, deixando nossos sentimentos em um canto enquanto tentávamos ser profissionais no outro”, comentou Lindsey Buckingham em entrevista à revista Blender.
O cantor e guitarrista também conta suas próprias experiências por meio da caneta em “Rumours”. “Second Hand News”, faixa que dá início aos trabalhos, fala sobre a coragem necessária para romper sua relação com Stevie Nicks, enquanto a curta “Never Going Back Again” retrata um caso com uma mulher que conheceu na estrada.
“You Make Loving Fun” é outra canção que envolve um relacionamento dentro da banda. A música é escrita e interpretada por Christine McVie, inspirada por um caso com o técnico de iluminação dos shows da banda, Curry Grant, após seu término com John. A tecladista também é creditada pela composição de “Don’t Stop”, talvez a faixa mais animada do disco, e das baladas “Songbird” e “Oh Daddy”, ambas baseadas nas turbulências pessoais que o quinteto ultrapassava.
A única música assinada pelos cinco integrantes é “The Chain”, um dos momentos arrebatadores do álbum. A canção começou com um só trecho gravado por Christine McVie e foi sendo moldada pelo restante dos músicos, culminando no verdadeiro ápice do disco: a reunião das mentes criativas e pessoais, descontando suas próprias frustrações em um dos maiores sucessos já gravados pelo grupo.
“Rumours” é o resultado da sintonia que Fleetwood, Buckingham, Nicks e os McVie sempre se encontravam no estúdio, independentemente da situação. As gravações aperfeiçoaram ainda mais o entrosamento entre os cinco, que somente dois anos antes se juntavam pela primeira vez para produzir o segundo disco homônimo da banda, com hits como “Landslide” e “Rhiannon”.
Juntos, os cinco se tornaram conhecidos por comporem a melhor e mais duradoura formação do Fleetwood Mac, que se manteve intacta até 1987, com a saída de Lindsey Buckingham após um desentendimento com a banda; quatro anos depois, seria a vez de Stevie Nicks pular do barco. Eles ainda se reuniriam por um breve momento em 1998 e em 2014, quando Christine McVie retornou ao grupo para gravar novas canções, embora nenhum trabalho com a assinatura da banda tenha sido lançado desde então.
Um disco atual como poucos
Qualquer obra clássica na história da música pode ser avaliada pela sua atemporalidade, e assim o Fleetwood Mac colhe os frutos deixados por “Rumours” em 44 anos de existência, completados no último dia 4 de fevereiro. Recentemente, “Dreams” voltou às paradas após se tornar trilha sonora de vários vídeos virais no TikTok, registrando um aumento de quase 200% em downloads e um crescimento de 54% em streams nos Estados Unidos desde outubro do ano passado.
Entretanto, o single está longe de ser o único a soar familiar aos ouvidos das atuais gerações. Em 2018, “The Chain” voltou a ser tocada nas televisões brasileiras como música-tema da novela “O Sétimo Guardião”, exibida pela Globo até maio de 2019. Pelo mundo, a canção também retornou à tona como parte da trilha sonora de “Guardiões da Galáxia, Vol. 2” e com covers de nomes populares como Harry Styles, Florence + The Machine e Evanescence, destacando como a influência da banda ecoa até as atuais gerações.
Todo o trabalho, aliás, pode ser ouvido hoje sem qualquer estranhamento. Em setembro, a Rolling Stone elegeu “Rumours” como o sétimo maior disco de todos os tempos, creditando-o pela sua “aura confessional” e pela “intrigante conversa criativa” entre os membros da banda.
O impacto é tamanho entre crítica e público que, até hoje, já foram vendidas 40 milhões de cópias do disco mundo afora, tornando-o o sexto álbum de estúdio mais vendido da história da música — o quinto nos Estados Unidos e o 11º no Reino Unido, além de ter conquistado certificados de diamante e platina em diferentes mercados.
Em 1978, “Rumours” conquistou o Grammy de “Álbum do Ano”, além de ter rendido indicações à “Melhor Performance Pop por um Grupo” e à “Melhor Arranjo de Vozes” por “Go Your Own Way”. Já em 2003, a obra entrou no Hall da Fama do Grammy ao lado de tantos outros clássicos da música e, em 2018, no Registro Nacional de Gravações, lista de trabalhos indicados por serem considerados “cultural, historica ou artisticamente relevantes” pela Biblioteca do Congresso estadunidense.
Um recomeço para o Fleetwood Mac
Nas palavras do próprio Mick Fleetwood, “Rumours” é “o álbum mais importante já feito pela banda” pois permitiu que o Fleetwood Mac seguisse existindo devido ao seu grande sucesso comercial. Ironicamente ou não, as barreiras levantadas entre os integrantes do grupo os uniram em sua melhor versão, encantadora o suficiente para resistir por décadas inteiras e marcar o nome da banda para muito além de seu tempo.
Ao fim dos 40 minutos, “Rumours” não é um álbum somente sobre as frustrações pessoais de Lindsey, Stevie, Christine, John e Mick, mas sim um disco sobre como expressá-las. São obras assim que nos lembram do real poder da música como instrumento de desafogo e descontração das mágoas mais profundas — no caso do Fleetwood Mac, aquelas que os acompanhavam até mesmo do estúdio aos palcos e os permitiram se reerguerem.
Trata-se de um dos registros mais inspiradores e marcantes já gravados na música, desde as histórias que as letras escondem até a harmonia que cada canção carrega. Poucos trabalhos são, ao mesmo tempo, tão tocantes e prazerosos quanto os rumores sobre o Fleetwood Mac, confessados e eternizados em um dos maiores discos já feitos.