in ,

Entrevista: Nick Cruz reflete sobre pessoas trans no meio artístico

“É muito importante que o mundo abrace a gente”, disse o cantor

Foto: Divulgação

Dono do hit “Sol no Peito”, Nick Cruz conquistou a todos com suas letras sinceras e batidas dançantes, além de trazer à tona sempre a pauta sobre sua comunidade. Em entrevista ao Tracklist, o cantor refletiu neste Dia da Visibilidade Trans (29/1) sobre mudanças que devem ser feitas em prol da diversidade, suas dificuldades no dia a dia e até revelou se novos projetos estão por vir!

Leia a entrevista com Nick Cruz na íntegra:

“Tudo ou Nada” foi o seu último trabalho lançado e a letra, assim como de suas outras músicas, é cheia de significado. O que você queria transmitir com esse projeto?

Eu quis transmitir em “Tudo ou Nada” uma mensagem de reflexão e também de mudanças de hábitos. No clipe, eu mostro um cara que é alcóolatra. Depois de toda m*rda que ele fez, mesmo a namorada dele falando, ele preferiu se entregar pra aquilo que não fazia bem. Quando ele percebe, já é tarde demais. Aquela pessoa que era a protagonista na vida dele não estava mais ali pra ele.

Isso é o que ocorre com muitas pessoas, inclusive jovens de hoje em dia que estão aí à beira e entregues ao uso de drogas, de álcool, de qualquer vício. Muito difícil hoje você achar um jovem sóbrio. Então, em “Tudo ou Nada” eu trago esse questionamento: Até quando você vai ficar nessa, sabe? Você precisa disso? Você tá no seu tudo ou tá no seu nada?

Da perspectiva do lugar que você está agora como artista e pessoa, o que gostaria de falar para o seu eu do passado?

Eu gostaria de falar pra ter mais paciência, ser mais calmo e respirar mais (risos) porque eu, como um bom ariano, sou bem afobado e às vezes a gente acaba estragando muita coisa por conta disso.

Recentemente, você lançou uma parceria com a Urias. Como foi trabalhar com ela?

Trabalhar com a Urias foi a realização de um sonho. Sempre fui muito fã dela e também acho que a nossa parceria foi um marco dentro da nossa bolha. Pretendo lançar muitos outros trabalhos com outros artistas trans também e fortalecer cada vez mais esses laços.

Qual artista você ainda planeja ou sonha trabalhar no ramo musical?

Um artista que eu admiro muito é o Daniel, vulgo Gloria Groove. Admiro muito o trabalho, a execução de tudo, a produção musical e audiovisual, do discurso, da entrega como artista. Também acredito que a gente tem as mesmas referências de som e que a gente trabalha numa mesma sintonia de gênero musical. Então, com certeza, Gloria Groove seria uma artista que eu gostaria muito de fazer um feat.

Quais são os seus projetos futuros? O que podemos esperar para este ano?

Eu tô numa fase de composição de repertório. Então, ainda não tenho data para um próximo lançamento, mas tenho certeza que daqui em diante eu vou seguir uma linha de som mais pop, mais cara do Brasil. É nesse repertório que estou trabalhando atualmente. Ainda não tenho datas, mas essa consistência de trabalho pop eu vou entregar.

View this post on Instagram

A post shared by Nick Cruz – Warner Music (@nickcruz)

Neste sábado (29/1), temos o Dia da Visibilidade Trans. Como você percebe a inserção e a divulgação de pessoas trans e travestis dentro do meio artístico? Como foi o seu caso?

Vejo essa inserção no mercado como fruto do nosso trabalho, do nosso suor, literalmente do nosso sangue. Acredito num mundo melhor pra gente nesse quesito de uma vida digna, de empregos dignos, educação digna, moradia digna. O meu caso hoje, como artista de uma gravadora grande [Warner Music Brasil], eu acredito que – além do talento – teve outras questões também, como privilégios mesmo, e tô nesse mercado disfrutando de tudo que é apresentado, que eu consigo me inserir e falar.

Tá sendo ótimo, tô conseguindo realizar o meu trabalho e fazer as coisas da forma que eu quero, tendo todo esse apoio que é muito importante. Eu espero que outras vidas trans também tenham a mesma oportunidade, que a gente possa cada vez mais exercer e colocar pra fora o que a gente tem de melhor. Todas as pessoas trans e travestis que eu conheço na vida são pessoas inteligentíssimas, de uma sensibilidade e alma enorme, de um profissionalismo maravilhoso. Então, é muito importante que o mundo abrace a gente.

Você enfrentou dificuldades por ser uma pessoa trans na carreira e na vida?

Na carreira nem tanto, talvez eu possa afirmar que o algoritmo é transfóbico sim, o algoritmo é racista. Então, eu vejo que pessoas trans sofrem nesse quesito no geral. Até mesmo a pessoa trans como eu, que tem todo o privilégio de estar na mídia, de ter uma grande gravadora, de ter recursos mesmo pra agregar no meu trabalho. Imagina de quem não tem…

Então, na minha vida, eu sempre enfrento todos os dias. Por mais até que ela não venha de uma forma externa, mas eu enfrento também de dentro pra fora: quando eu deixo de usar uma roupa porque eu sei que vou sofrer transfobia, que as pessoas vão me olhar errado, que eu posso até ser violentado na rua. A transfobia é uma coisa que infelizmente se naturalizou, eu acredito que em nossas vidas – posso falar em nome de todas as pessoas trans – isso é uma coisa que nós temos que lidar no dia a dia. Eu não enfrentei, eu continuo enfrentando até hoje.

Na sua visão, o que é necessário ser feito para incentivar a entrada de pessoas trans e travestis no meio artístico?

É bem simples. A sociedade como um todo precisa de fato enxergar que nós estamos aqui e que nós precisamos de emprego, de dinheiro pra viver, comer, se vestir, se locomover como qualquer outra pessoa. A gente precisa consumir, ouvir, indicar, empregar pessoas trans. Eu creio que é assim que a gente começa a fazer a diferença.

Eu hoje como artista pretendo com certeza quando tomar uma rédea maior da minha carreira empregar pessoas só de dentro da bolha. Eu vejo a classe cis-gênera como algo muito privilegiado, então não me sinto ignorante em falar que quero chegar ao ponto de ‘sim, só ter pessoas de dentro da bolha na minha equipe trabalhando comigo’. Então, essa introdução no meio artístico funciona dessa forma e não só aí, mas em qualquer outro ramo. A gente precisa estar ocupando esses espaços: estar nas escolas dando aula, nos hospitais fazendo consultas e cirurgias, enfim. Quanto mais espaço a gente preencher, melhor – não só no meio artístico.

Leia também: Entrevista: Urias fala sobre visibilidade trans, álbum e turnê

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *