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Crítica: “The Batman” apresenta a versão mais sombria do herói nos cinemas

Longa foge da zona de conforto criada pelos filmes de heróis

Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures China

Por Fernando Marques e Gabriel Haguiô – Ao longo dos anos, o Batman se tornou um dos heróis mais queridos da memória popular pelas várias adaptações que recebeu na arte. Como um personagem tão complexo e simbólico, o vigilante ganhou releituras que não só marcaram a história do cinema, como também estabeleceram patamares muito altos para qualquer diretor que ousasse reimaginá-lo novamente.

Porém, acredite quando dizemos: o Batman de Matt Reeves é a sua versão mais profunda e digna já feita. “The Batman” não se propõe a refazer o caminho que Christopher Nolan, Tim Burton e tantos outros cineastas já trilharam, mas sim explorar um universo que jamais havia sido tão bem retratado, com uma atmosfera própria e muito próxima da realidade em que vivemos.

O filme não se dedica a contar a história de origem tão conhecida pelo público, tampouco busca repetir as tramas que o personagem já viveu. Trata-se de um suspense imersivo nos confins de Gotham que nos apresenta ao lado mais sombrio do Homem-Morcego, sob a atuação brilhante de Robert Pattinson e os cuidados perfeccionistas de uma produção que beira o impecável.

“The Batman” é uma experiência única para os fãs do herói, que há tanto tempo aguardavam para reviver os arrepios, a tensão e a euforia que somente o Batman poderia provocar. Matt Reeves desenvolve uma versão única de Gotham no decorrer de três rápidas horas, resgatando a essência do personagem ao mesmo tempo que dá luz a um verdadeiro espetáculo visual e cinematográfico.


O universo sombrio de “The Batman”

Os primeiros 15 minutos de “The Batman” são responsáveis pela melhor apresentação possível ao herói, com uma narração dramática sobre as suas motivações, seus conflitos e ao seu cotidiano, que se revela como um simples discurso escrito no próprio diário. O texto, entretanto, é uma introdução perfeita para a sua realidade, ao mesmo tempo que mergulha o público no universo sombrio de Gotham.

Robert Pattinson dá vida a um Bruce Wayne jovem e perturbado pelos mistérios que a morte de seus pais deixaram. Ainda no início de sua jornada como Batman, o filho órfão de uma das famílias mais ricas da cidade é consumido pela vida como vigilante como uma forma de escapar dos próprios traumas, que ganham uma atenção muito maior do que em qualquer outra adaptação.

Ao contrário do perfil maduro que Christian Bale, Michael Keaton e Ben Affleck tiveram que incorporar em seus papéis, Pattinson vive um personagem inexperiente debaixo da armadura, descobrindo como lidar com o legado que carrega como um Wayne e a importância que tem como uma figura pública como Bruce e como Batman de maneira reclusa, solitária e obsessiva.

A representação de Bruce Wayne, porém, torna-se secundária diante da representação do Batman. Acima dos seus conflitos pessoais, Matt Reeves procura dar ênfase ao que o herói simboliza para a cidade, tanto para os seus inimigos, quanto para a população (e também para nós). A nova versão do Homem-Morcego não herda a mesma figura heroica de outros filmes, mas busca refletir o medo que suas ações transmitem nos mínimos detalhes, desde os passos pausados ao entrar em uma sala até os combates mais duros.

Tudo é meticulosamente pensado para reproduzir a brutalidade do Batman da forma mais fiel aos quadrinhos, com cenas muito bem coreografadas e intensas. Contudo, Reeves também se concentra em destacar o lado investigativo do vigilante, assumindo o clima de produções noir enquanto o herói procura desvendar os enigmas de Charada, o grande vilão interpretado por Paul Dano. Em vários momentos, o longa se distancia da fórmula clássica dos blockbusters e assume o ritmo de um tradicional suspense, envolvendo o espectador junto ao mistério.

Crítica The Batman
The Batman | Divulgação: Warner Bros. Pictures

Apesar disso, o filme não se limita apenas à uma simples narrativa em busca do Charada, mas como o seu entorno o transformou, assim como os seus feitos afetam a cidade. Gotham é retratada da maneira mais rica já vista no cinema, com uma ambientação semelhante aos grandes centros urbanos de hoje, em vez de se caracterizar como um mundo à parte do nosso. As ruas estreitas, os engarrafamentos frequentes e a pouca iluminação dão vida própria à uma cidade com uma atmosfera única de hostilidade e solidão, o berço do crime que a inflige diariamente e, por consequência, do Batman.

Além dos cenários, a metrópole também ganha destaque a partir de outros personagens, aproximando o público da vida dos seus habitantes. A Mulher-Gato de Zoë Kravitz, por exemplo, não está presente apenas para ser um par para as ofensivas do Batman, mas também protagoniza seus dramas e oferece um olhar sobre as camadas mais pobres da sociedade, em que muitos acabam sucumbindo ao crime para sobreviverem.

Já a elite de Gotham é apresentada a partir das figuras políticas da cidade, como os candidatos à prefeitura e até mesmo os Wayne, mas também por meio das máfias, cujo poder é demonstrado no decorrer da trama. O Pinguim, um dos mais famosos vilões do Batman, é introduzido como o dono de um império dentro de sua boate, onde Carmine Falcone também conduz os seus negócios.

O universo sombrio de “The Batman” não se destaca apenas pelo seu visual ou pela lealdade aos quadrinhos, mas principalmente por seu realismo. Por várias vezes, o roteiro faz questão de escancarar a disparidade entre as camadas sociais de Gotham, como uma maneira sutil de compreender melhor a motivação dos vilões e as suas origens dentro da própria cidade. O filme não só apresenta uma trama convincente e coesa, como também conta uma história que poderia ser reproduzida de outras formas nos dias de hoje.

O elenco foi escolhido de maneira criteriosa e se destaca como um dos grandes pontos positivos do filme. Paul Dano como Charada e Colin Farrell como Pinguim cumprem extremamente bem o papel de antagonistas, enquanto Jeffrey Wright e Andy Serkis se mostram muito confortáveis em cena como Jim Gordon e Alfred, respectivamente. Já Zoë Kravitz é responsável pela melhor representação de Selina Kyle no cinema, interpretando uma peça fundamental para o desenvolvimento do enredo com uma química clara com o Batman.

Apesar das críticas iniciais nas redes sociais, Robert Pattinson entrega um trabalho à altura de sua responsabilidade como o Homem-Morcego. O ator diferencia muito bem os papéis como um desolado Bruce Wayne e como a figura intimidadora do Batman, transmitindo todas as inseguranças e temores de um personagem tão complexo — na maioria das vezes, somente com o olhar.

“The Batman” e seu ritmo ‘slow burn’

Com suas quase três horas de duração, “The Batman” adota um ritmo não tão comum nos filmes baseados em quadrinhos. O longa faz bom uso de um desenvolvimento lento, conhecido como “slow burn”, em que o caminho é percorrido sem pressa até suas consequências e conclusões. Uma vez que as descobertas também são feitas aos poucos, o ritmo desacelerado combina muito bem com a melancolia de Gotham City.

A ambientação e a forma com que o roteiro trabalha a revelação dos elementos merecem destaque. A grande questão que o filme enfrentou desde seu anúncio era qual caminho deveria seguir: mais uma história de origem, ou um “The Batman” completamente desenvolvido? A principal dúvida estava em torno de sua abordagem, visto que teríamos um novo ator utilizando a máscara e a capa de um personagem tão emblemático. 

E nesse quesito, Matt Reeves desenvolveu sua história com maestria. Pois ao mesmo tempo que já sabemos quem é o Batman, sua versão deixa o público intrigado, querendo saber mais sobre ele. Se o filme abdicou de contar a origem do personagem, o que foi ótimo para o seu desenrolar, ele guarda essas apresentações para outros elementos, como detalhes no traje e até mesmo o Bat-Móvel, com entradas triunfais.

Crítica The Batman
The Batman | Divulgação: Warner Bros. Pictures

Visualmente genial, “The Batman” acerta em todos os aspectos

A grande dificuldade nessa versão é encontrar erros grosseiros. Visualmente, toda a ambientação e criação de universo é impecável: Gotham está desagradável, extremamente não convidativa e incômoda. Tudo isso é um trabalho em conjunto da produção e fotografia do filme, que em conjunto trazem a versão mais fidedigna da cidade.

A fotografia, dirigida pelo australiano Greig Fraser, indicado ao Oscar em 2022 pelo trabalho em “Duna”, é de tirar o fôlego. O uso dos contrastes, planos abertos e sequências de ação são impressionantes; as cenas de combate, inclusive, são um dos maiores destaques do filme. Toda a direção artística do longa fez um trabalho excepcional, o que torna “The Batman” tão especial em meio a tantos lançamentos do gênero.

Michael Giacchino é o responsável pela trilha sonora que ambienta o filme. Gotham definitivamente não seria a mesma sem os órgãos estridentes anunciando a chegada do Homem-Morcego, antecipando e criando momentos de suspense, tensão e ação. 

Leia também: Robert Pattinson dá spoiler sobre o personagem.

Crítica The Batman
The Batman | Divulgação: Warner Bros. Pictures China

Grandioso, “The Batman” deixa o público com a sensação de querer mais

Emocionalmente carregado, “The Batman” foge da zona de conforto criada pelos filmes de heróis e vai na contramão do que sempre deu certo, trazendo novos ares e mostrando que não é preciso seguir sempre a mesma fórmula para ter sucesso. Ríspido e intrigante, o longa entrega a melhor reprodução do Homem-Morcego que já tivemos até o momento, ultrapassando níveis que pareciam irrealistas há apenas alguns anos. 

Robert Pattinson nunca esteve tão bem, fazendo com que os traumas de seu personagem consigam ser mostrados em tela de maneira crua e nítida. Roteiro, produção, fotografia e trilha sonora seguem a linha de qualidade e não só elevam o nível, como abrem as portas para novas abordagens aos filmes baseados em quadrinhos. 

Nota: 10/10

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