A Fresno está longe de ser a mesma de 20 anos atrás. Em seu nono álbum de estúdio, o grupo se encontra em uma nova fase em sua carreira, com uma liberdade inédita para explorar novas possibilidades em sua música e se conectar com diferentes públicos, o que tem conquistado cada vez mais fãs e levado a banda para outros patamares.
“Vou Ter Que Me Virar”, o mais novo trabalho do trio, é mais um reflexo das transformações que Lucas Silveira, Gustavo Mantovani e Thiago Guerra têm apresentado artisticamente e pessoalmente nos últimos anos. “Todo o crescimento que a gente tem, enquanto pessoas, ele vai sendo refletindo diretamente no que a gente faz de música, então não existe mais um jeito de contar a história da minha vida, ou da do Guerra, ou da do Gustavo, sem contar a história da banda”, declarou o vocalista.
Em entrevista ao Tracklist, os três integrantes contaram mais detalhes por trás da criação do disco e também sobre os seus próximos passos. O trabalho foi lançado nessa sexta-feira (5) e já está disponível na íntegra no YouTube e em todas as plataformas de streaming.
O álbum nasceu como uma edição deluxe de “Sua Alegria Foi Cancelada” no ano passado, mas ganhou vida como um trabalho próprio ao longo das gravações — tendo recebido, inclusive, 42 versões diferentes até ser finalizado. “Ele foi um processo que a gente aproveitou o tempo pra fazer do jeito que a gente queria. Eu acho que esse é o grande lance do disco, ele é um disco trabalhado e retrabalhado e revisitado algumas vezes”, comentou Guerra.
Para antecipar o lançamento da obra, a banda passou os últimos meses trabalhando nas canções do “Inventário”, um projeto experimental formado por várias faixas produzidas durante a pandemia, incluindo parcerias com nomes como Terno Rei, Nill, Jup do Bairro e Lio, da Tuyo. O mesmo tom se repete em algumas das músicas de “Vou Ter Que Me Virar”, com novas participações especiais de Lulu Santos, Scarypoolparty e Yvette Young.
Com o repertório renovado pelo lançamento do disco, a Fresno planeja retornar aos palcos nos próximos meses, em meio à retomada de shows ao vivo pelo país. “A gente ainda tá entendendo como tá esse mundo, mas tendo eventos grandes já confirmando no próximo ano, a gente vai fazer os shows mais cabulosos da história da Fresno, é isso que a gente vai fazer!”, disse Lucas. “A gente entende a galera que quer muito assim, e a gente tem que dar algo que faça jus à nossa expectativa e à expectativa da galera.”
Leia a entrevista com a Fresno na íntegra:
TRACKLIST: Boa tarde, como vão vocês? A gente amou ouvir o novo disco da Fresno, ficamos bem empolgados com a entrevista! Pra começar, gostaria de perguntar: como tá a ansiedade de vocês para o lançamento do “Vou Ter Que Me Virar”?
THIAGO: Cara, a ansiedade da gente é uma ansiedade muito “somada”. É uma ansiedade de estar tanto tempo parado, que é uma coisa que ninguém da nossa geração nunca viveu, e que se junta com um trabalho novo que a gente já tinha feito uma boa parte há um bom tempo, a ansiedade já tava no auge assim. E aí a gente veio com a história do “Inventário”, que também foi uma coisa que, pra gente, internamente, acho que também gerou uma ansiedadezinha a mais que é tipo “puts, a gente vai botar isso aqui na frente do disco”, sabe? Alguns achando que era disco, outros achando que não, isso mexeu com a nossa ansiedade também, além de tudo. Acho que é uma soma de ansiedades, acho que a gente tá bem a fim de soltar esse disco e de fazer o que a gente tem que fazer aí, tocar bastante…
GUSTAVO: E o Guerra nem é ansioso, né? Imagina! (risos) O Guerra é um cara super tranquilo assim, ficou dois anos na dele, esperando assim, deitado…
THIAGO: E isso é difícil, cara! Agora que tá começando a baixar, mas enfim…
GUSTAVO: É que nesse ano, tá acumulada a ansiedade do álbum, que é algo completamente natural, que é algo que a gente faz a cada dois anos aí na história da Fresno, mas tem a ansiedade dos shows, que é algo meio inédito, né? Nunca teve isso, a gente sempre, praticamente, emendou uma turnê na outra. Foram poucas as vezes que a gente parou entre uma turnê e outra por mais do que um ou dois meses, e agora vão ser, sei lá, dois anos sem show pelo menos!
TRACKLIST: Pra aproveitar esse assunto, enquanto a gente tá vivendo um momento de retomada, em que várias bandas têm marcado shows pros próximos meses: quais são os planos e as expectativas de vocês pra retornar aos palcos?
LUCAS: Ontem, eu tava gravando o programa do Mion, o “Caldeirola”, e aí ele me perguntou: “E os shows?”, e não sei o que… E aí, eu falei: “Cara, a gente tá há tanto tempo sem tocar que aí vira tântrico o negócio, tu quer que seja a melhor experiência possível”. Eu percebo que a partir do momento que se pôde começar a fazer shows, a galera já foi fazendo show no drive-in, e aí depois lives com a banda toda tocando juntos, e aí depois shows com capacidade reduzida… A gente super evitou esse tipo de show porque a gente não acredita que eles transmitam a totalidade do que a gente propõe quando a gente se junta pra tocar. O nosso show é muito especial, e é muito especial que seja todo mundo no mesmo lugar, e seja aquela catarse coletiva.
Dito isso, são shows grandes, então a gente costuma anunciar com bastante antecedência, e a gente ainda tá entendendo como tá esse mundo, mas tendo eventos grandes já confirmando no próximo ano, a gente vai fazer os shows mais cabulosos da história da Fresno, é isso que a gente vai fazer! E, por isso, tem que ter antecedência pra galera se esquematizar, porque o público tá enlouquecido pra ir a shows, e a gente também tá enlouquecido pra ir pra qualquer show. Tipo assim, se tiver show do Patati e Patatá a gente vai, foda-se! (risos) A gente entende a galera que quer muito assim, e a gente tem que dar algo que faça jus à nossa expectativa e à expectativa da galera, a gente tem que reaprender a tocar, a gente tem que lançar o disco, porque já vão ser shows do disco novo… É um momento que a gente meio que reestrutura tudo assim, e vai ser muita louca essa volta, vai ser quando a gente vai se sentir, de fato, de volta à ativa.
TRACKLIST: A gente tá bem ansioso! Em 2019, vocês lançaram um dos discos mais populares daquele ano, que foi o “Sua Alegria Foi Cancelada” e desde então, a pandemia aconteceu e vocês tiveram que gravar boa parte do novo disco confinados. Como esse período refletiu na música de vocês e, por consequência, nas formas de compor as canções do “Vou Ter Que Me Virar” e do “Inventário”?
LUCAS: Ah, teve isso… (risos) O momento refletiu no fato da gente se ver muito pouco e refletiu na gente ter muita calma pra fazer o álbum, né? Esse disco, a gente finalizou ele no final do ano passado, e aí a gente ficou olhando praquelas músicas, pensando nelas — tanto que, quando a gente lançou o “Inventário”, o disco mudou, porque a gente pensou: “Puts, tinha mais músicas, né?”, aí a gente fez uma troca ali! (risos) A gente já é uma banda que já era assim, pelo menos no “Sua Alegria Foi Cancelada”, com uma fórmula que a gente tentou até repetir e que deu certo: de se fazer um álbum como um projeto, e não necessariamente como se faziam clássicos álbuns de rock, que a banda se junta, faz as músicas, ensaia aquelas músicas e grava, porque aí aquele disco fica todo com o mesmo som.
Eu acho que a gente busca uma paleta mais variada de sons, então cada música surge de um experimento e aí a gente vai vendo o que aquela música precisa, e isso vai fazendo com que as músicas sejam bastante diferentes, e o “Sua Alegria Foi Cancelada” já foi meio assim. Nisso, meio que não mudou tanto. O Guerra tem estúdio na casa dele, saca? Teve coisas que a gente gravou a distância, e aí ele manda, e aí a gente volta… A gente ficou fazendo uma coisa que a gente meio que já fazia, e assim como foi o “Sua Alegria Foi Cancelada”, é um disco que a gente vai agora se juntar pra aprender a tocar ele, como a gente vai tocar, quem vai tocar o quê, porque a gente não pensa nisso quando a gente tá tocando todo mundo junto. Discos que fazem com todo mundo junto, todo mundo já sabe o que toca, e às vezes a pessoa até toca uma coisa que ela não precisaria, mas ela tá com o instrumento na mão, ela vai lá e toca, entendeu? É mais aberto assim, por isso que as músicas ficam bem diferentes entre si.
TRACKLIST: Vocês comentaram que o “Vou Ter Que Me Virar” teve 42 versões até chegar na final…
LUCAS: Ah, acontece… (risos)
TRACKLIST: Pra vocês, como foi esse processo de escolher as 11 músicas e escolher exatamente o que vocês gostariam de transmitir com o disco?
GUSTAVO: Quando a gente lançou o “Sua Alegria Foi Cancelada”, a gente ia fazer algo parecido com o que a gente fez no “A Sinfonia de Tudo Que Há”, que era uma versão deluxe do álbum depois, com mais faixas extras, a gente chegou a ter selecionado todas essas músicas, a gente gravou vídeos pra essas músicas e alguns deles não vão ser lançados, né… (risos)
LUCAS: Só quando a gente morrer! (risos)
GUSTAVO: Vocês lembravam disso? Temos vídeos prontos que não vão ser lançados! E aí, lógico, a pandemia fez a gente mudar a sequência do trabalho e esse deluxe acabou caindo fora, não teria porque a gente lançar ele sem a possibilidade de trabalhar ele, principalmente por conta dos shows. Então, o “Vou Ter Que Me Virar” começou daí: as primeiras faixas do “Vou Ter Que Me Virar” eram faixas que estariam nessa versão deluxe do “Sua Alegria Foi Cancelada”…
LUCAS: Mas não existia a “Vou Ter Que Me Virar”! “Vou Ter Que Me Virar” foi a música que foi assim: “Bah! Esse aqui já é um disco novo!”, saca?
GUSTAVO: Teve um momento que virou a chave assim: “Tá, não é mais deluxe, agora é um disco novo!”.
THIAGO: Só que aí, vê só, ele teve essas três etapas, né? Ele era um deluxe, e deixou de ser isso pra virar um disco, e pra depois, ainda pegar e incrementar com coisas do “Inventário”! Ou seja, ele é que nem Lucas falou: ele foi um processo que a gente aproveitou o tempo pra fazer do jeito que a gente queria. Eu acho que esse é o grande lance do disco, ele é um disco trabalhado e retrabalhado e revisitado algumas vezes… Tipo assim, eu ficava ouvindo ele aqui, imagina, a gente tá com isso aí a pandemia inteira ouvindo e dizendo: “Ah, não é isso, acho que não, vai aquilo”, ou “Puts, tem essa música!”… Descobertas internas assim.
GUSTAVO: Pensa que, das 42 versões, lá pela 30 e poucos em diante, quando parecia que tavam todas as músicas definidas, a gente mudou. Se esse álbum tivesse sido lançado antes, seriam outras músicas em outra ordem!
LUCAS: Quando a gente fez o “Inventário”, tinham músicas que a gente tava fazendo nele que nos deu uma coisa que era mais atual pra gente do que músicas que estavam no “Vou Ter Que Me Virar”, de “Puts, isso aqui tem mais a cara, isso aqui combina!”, e elas preenchiam vagas ali que tinham no álbum, ele foi sendo incrementado assim. E é isso, é esse lance da calma, esse lance da gente ter mixado ele com vários mixadores diferentes pra chegar em sonoridades diferentes. Tem uma música que se chama “Caminho Não Tem Fim”, que eu falava: “Bah, essa música aqui é a gente querendo ser o Bon Iver, né? Então vamos mixar com o cara que mixa o Bon Iver! Vamo lá, manda pra ele”, tá ligado? Aí, quando ele devolveu a mix, a gente pensou: “Caramba, vamos mandar outra pra ele fazer!”. Teve várias pessoas diferentes trabalhando. Ele é muito dividido entre um lado A e um lado B, ele começa bem direto, patada, bem popão assim, do jeito que a gente não fazia desde, sei lá, o “Redenção”, só que com a nossa cara definitivamente, né? E o segundo lado é pra chorar! (risos)
TRACKLIST: Ao longo dos últimos meses, desde o “Inventário”, vocês têm trabalhado com nomes de diferentes estilos, como o Nill e o Terno Rei, por exemplo, e nesse disco vocês também gravaram com o Lulu Santos. Como é esse encontro frequente de gerações e como essa troca de experiências influencia no trabalho de vocês?
THIAGO: Acho que influencia o Lucas pra caramba — ele vai falar melhor disso, mas acho que de uma forma geral, a gente é uma banda “galerosa”, a gente gosta de estar na galera. Acho que, pra gente, é importante a conexão das bandas e dos trabalhos, e o Lucas é um cara que me apresentou a Tuyo, por exemplo. Quando ele chamou a Tuyo pra cantar com a gente, eu nem conhecia eles. Ele é muito antenado e eu acho que isso mexe muito com a composição dele de uma forma geral, produzir com um monte de gente, acho que isso vem pra dentro da Fresno também.
LUCAS: É muito tempo acumulando contatos, saca? Conhecendo pessoas… Essa é a grande magia do negócio, a gente se comunicar musicalmente com artistas que não necessariamente são parecidos. Tu vai ouvir um Lulu Santos tradiça ali, dos 80 e poucos, bah, tem um negócio ali que é atemporal, e a gente busca muito a atemporalidade com a nossa música, a gente busca fazer álbuns que às vezes não sigam necessariamente a moda do momento, que envelheçam bem, e a gente sempre conseguiu isso, tanto que a gente tem um público da banda que nos ouve há 10, 20 anos. Então acho que esse é o grande lance, quando a internet, principalmente, possibilita ter esse tipo de contato, da gente trocar ideia com o Lulu ou até com artistas gringos, que seriam completamente inacessíveis. A gente super utiliza isso a favor da gente, a favor da música, a favor dessas pessoas também porque essa mistura sempre vai ser massa, sempre vai dar bom.
TRACKLIST: Vocês são uma banda que, como você disse, vocês têm um público de mais de 20 anos de carreira, e acredito que, desde o “Sua Alegria Foi Cancelada”, vocês passaram a se ressignificar pela sua música, e o “Vou Ter Que Me Virar” parece ser mais uma etapa desse processo. Depois de tanto tempo explorando novos caminhos em seu som, gostaria de perguntar, pra finalizar, em que pé vocês acreditam que a Fresno se encontra hoje em comparação à Fresno de 20 anos atrás?
LUCAS: Cara, é muita coisa. É difícil falar porque a gente já tem mais tempo de banda do que a gente tinha de vida antes de ter banda, então a maior parte da nossa vida a gente passou juntos tocando. Todo o crescimento que a gente tem, enquanto pessoas, ele vai sendo refletindo diretamente no que a gente faz de música, então não existe mais um jeito de contar a história da minha vida, ou da do Guerra, ou da do Gustavo, sem contar a história da banda, entendeu? Isso permeia todas as nossas fases, e o jeito da música que a gente faz é muito transparente, reflete muito isso. Se a gente fosse DJs ou fizéssemos música instrumental, sei lá, talvez isso não ficaria tão evidente, mas o discurso que a gente fala, o que a gente acredita, a maneira que a gente se comunica reflete sempre o nosso presente, é por isso que muda muito.
É por isso que, às vezes, uma pessoa ali quer procurar na Fresno um AC/DC, no sentido de ser uma banda que você sabe que vai chegar naquele som quando você vai ouvir, e ele não consegue encontrar porque a gente procura trazer toda essa amplitude pra música que a gente faz, e isso muda muito. Acho que, talvez, ao longo do tempo, a gente vá conseguindo fazer até o grande público entender isso, entender que é assim que a gente é, entender que a gente não é unifacetado, que a gente é multifacetado, e como todo mundo é. Às vezes, um artista só se permite mostrar um lado porque acha que vai confundir, quando, na verdade, ele tinha que estar confundindo mesmo. Eu acredito muito nisso, e essa é a história que a gente conta como banda: de não ter muitas amarras, de fazer o que a gente tá a fim, de fazer a música que a gente acredita e de seguir em frente.
THIAGO: É, o que a gente tá a fim e o que a gente tá sendo naquele momento, né? Porque a gente vai aprendendo também com a vida um monte de coisa, e é isso!
LUCAS: É, porque daqui um ano a gente pode não estar a fim mais também, e a gente tem que ser transparente em relação à isso.
GUSTAVO: Tem sempre aquele desafio, que é tentar fazer um álbum que as pessoas gostem mais do que os outros, só que quanto mais passa o tempo e quanto mais álbuns tu tem, mais concorrentes ele tem pra ser o melhor álbum, então mais esforço tu precisa fazer pra tentar fazer o fã da banda pensar: “Não, agora eu vou ouvir esse álbum novo, não vou ouvir os antigos que eu já conheço e já sei de cor e que eu já gosto”, entendeu? O esforço, com o tempo, acaba tendo que ser cada vez maior pra fazer esse álbum se tornar ali o preferido, pelo menos momentaneamente, na cabeça do povo.