Se você foi uma criança nos anos noventa, certamente já se pegou dançando tal qual as dançarinas de auditório ou dando risada das videocassetadas. Em um mundo que ainda não tínhamos o entretenimento on demand, o Domingão do Faustão, da TV Globo, foi responsável por ser o carro-chefe da diversão em família ao final do fim de semana.
O programa, que estreou em 26 de março de 1989, permaneceu todo esse tempo no ar de forma ininterrupta, com pequenas trocas na dinâmica. Pautas educativas sobre ecologia, meio ambiente, dentre outras curiosidades eram mescladas com stand-ups improvisados de comediantes anônimos buscando uma chance no canal de maior audiência da TV aberta. E, ainda que no início dos anos 2000 tenha “tomado um calor” de programas dominicais que emergiram em outras emissoras, o “Domingão” se consolidou e assumiu a liderança do popular horário.
Considerando que mais da metade da população brasileira não tem acesso à internet, o Domingão foi uma das principais portas de entrada para abrir debates importantes na sociedade, mas com papos mais superficiais. E isso sempre foi importante, já que o universo da TV aberta ainda é a realidade de muita gente.
A verdade é que, nesses mais de 30 anos, Fausto Silva deu palco e oportunidade para muita gente e rendeu os melhores momentos da televisão brasileira (sinto muito se você não assistiu McFly se apresentando naquele palco). Mas na última década, isso se esvaiu com pouca criatividade e sem o engajamento que o boom da internet pedia – isso é, para a nova geração de telespectadores.
Ainda em 2019, durante o próprio programa, Fausto Silva deixou no ar que o Domingão “não estava muito longe” de acabar. Talvez fosse um projeto de longa data renovar a carreira, que já não era exatamente uma novidade. O “Domingão” estagnou, assim como semelhantes a ele, em ser mais um programa de auditório com belas dançarinas sincronizadas, entrevistas rápidas e interrompidas para a condução do tempo, e comédia pastelão que parou no tempo.
O jogo virou com a repaginação de alguns quadros, como a “Dança dos Famosos”. Mas, ainda assim, não parecia suficiente. Foi então quando surgiu o “Show dos Famosos” (inspirado no programa inglês Your Face Sounds Familiar), no qual os artistas mais conhecidos da Globo faziam interpretações inusitadas de artistas globais, como Madonna, Beyoncé, Bruno Mars e tantos outros. Era sempre uma surpresa, a cada semana, ver um ator ou atriz fazendo uma homenagem dessa e ser julgado por isso.
Pandemia, perda da audiência e trocas
Sem o mesmo brilho nos olhos de 30 anos atrás, a pandemia da Covid-19 fez não somente o Domingão, mas todos os programas de auditório brigarem com unhas e dentes para se manterem no ar. E com os auditórios virtuais (e que lembram muito os primeiros episódios de Black Mirror, pode checar), perdeu-se o ligamento entre audiência e apresentador.
A dissociação foi ainda maior quando outros programas, como o Big Brother Brasil, dispararam após mudanças na comunicação e na escolha do elenco, que miraram certeiramente o público da internet. Com isso, as duas últimas edições pareciam pautar absolutamente todos os outros programas, e o Domingão não ficou de fora disso. Mas já não fazia mais sentido.
Algumas movimentações nas redes sociais já indicavam que algo estava por vir. Primeiro, o próprio Fausto Silva já indicava a vontade de mudar e com o cenário da pandemia, a televisão exigiu isso. Mas algo parecia estar ruído por dentro, já que a única coisa que realmente mudou foi a inclusão da “Super Dança dos Famosos”.
A chave virou em abril deste ano, quando foi anunciado que Fausto Silva iria para a Band e encerraria as atividades na Globo no final do ano. Muito se especulou quem assumiria o posto do apresentador – e o nome de Luciano Huck, que era cotado, foi confirmado pelo próprio na quarta-feira (16) durante o programa Conversa com Bial, deixando de lado as especulações de uma possível candidatura à presidência em 2022.
Quanto a Fausto, a situação mudou de figura no último dia 10 de junho, quando o apresentador precisou ser internado para tratar uma infecção urinária. Na ocasião, quem assumiu o seu lugar foi Tiago Leifert. E o que era para ser algo pontual acabou se tornando algo recorrente.
Nós já comentamos aqui sobre a declaração emitida pela própria Rede Globo sobre a saída antecipada do Faustão, anunciada na quinta (17). O que era para acontecer no final do ano foi adiantado em praticamente um semestre. Segundo a emissora, a decisão foi em comum acordo antecipar algo que já estava em andamento, e em seu lugar, Tiago Leifert assumiria o antigo Domingão e as tarde de domingo.
Essa não é uma troca comum, como costuma ser feito com Ana Furtado, que vez ou outra realiza pontuais substituições em algum programa da emissora. Porém, é extremamente diferente de quando a substituição exige a saída permanente do apresentador principal. E, dessa forma, a Rede Globo abre mais questionamentos do que as responde (e, cá entre nós, o brasileiro está um pouco cansado de instabilidades, não é mesmo?).
Tiago Leifert no antigo Domingão: sem muita emoção, “com todo o respeito”
O primeiro programa sob comando de Tiago Leifert após o anúncio da saída antecipada de Faustão foi o que já era esperado: genérico. Sem despedidas, sem um revival, sem um apresentador passando o mastro (ou o microfone) para o outro. Foi isso, um corte rápido, indolor, e vida que segue. Mas chega a ser desrespeitoso com aqueles que, há 30 anos, acompanham o programa toda semana.
O nome, obviamente, já não é mais o momento. Agora, até a estreia do programa de Luciano Huck, as tardes de domingo vão receber o Super Dança dos Famosos – que antes era um quadro do Domingão.
Quase como pisando em ovos, é evidente que, pela primeira vez oficialmente sozinho na programação de domingo, Leifert faz de tudo para quebrar a expectativa da audiência e mantê-la neutralizada. Ele lembrou (e foi lembrado) de que todo o respeito vai para Fausto Silva, que nunca imaginaria estar naquela posição (que realmente deve ser desconfortável), e que essa é uma “experiência única” para escrever a nova página de sua carreira. E tomara que seja.
Nisso, as especulações começaram e já existe quem faça apostas sobre o futuro da programação do fim de semana. A ideia seria é que, com a saída de Faustão, Huck assume o domingo, Tiago Leifert sairia da sombra do antigo Domingão e assumiria um programa de sábado, e a ex-BBB Ana Clara (que já é o rostinho principal das esquetes da Globo sobre o reality show) seria a primeira mulher no comando da apresentação do Big Brother.
Essa não foi a primeira vez que Tiago Leifert, que assumiu o antigo Domingão, se encontra nessa posição. O caso mais emblemático foi sua entrada no BBB com a saída de Pedro Bial, que há quase 20 anos tinha o coração do público com seus discursos eliminatórios.
O que muitos chamam de falta de carisma por parte de Leifert pode ser considerado uma qualidade adaptativa. E isso não é algo ruim. Na verdade, é um dos aspectos mais inteligentes da sua personalidade. Nós o vemos constantemente em saias justas e ficamos ansiosos em saber como ele vai sair delas. Isso rende vídeos nas redes sociais, memes, tweets engraçados. Mas, honestamente, não dá para dizer que isso é suficiente para um dos horários mais caros da TV.
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