Crua, verdadeira e necessária. Esses foram os primeiro adjetivos que vieram na minha cabeça assim que escutei “Remédio Pra Racista É Bala”, novo single da rapper paraense Nic Dias, que compartilha a sua história e não esconde a indignação com o genocídio diário da população negra no Brasil. A música também ganhou um videoclipe dirigido por Vlad Cunha, que se baseou na estética dos filmes de grindhouse dos anos 70. Venha comigo conhecer um pouco mais dessa rapper que não veio pra brincadeira!
Cria das ruas de Icoraci, distrito suburbano de Belém, Nic Dias tem mostrado nos seus versos a potencialidade da sua voz em contar histórias que são muitas vezes silenciadas, em um país culturalmente racista como o Brasil. De cabeça erguida e trajada de confiança nas suas rimas, em cada música nova a rapper mostra porque veio para ficar: sem filtro, Nic está disposta a contar cada pensamento e poesia que estão entalados na garganta, a partir da sua visão e vivência como uma mulher negra, nortista e da periferia, sem se importar a quem possa, ocasionalmente, incomodar (é só olhar os comentários sobre o novo clipe no Youtube que você já encontra os “incomodados” rs).
Algo que sempre admirei na arte de Nic é toda essa atitude e a mensagem que ela passa nas músicas. Espanta-me ter pessoas ainda surpresas com o papo reto que ela manda. Afinal, é só pegar os seus primeiros trabalhos, como “Guilhotina”, onde ela extravasa toda a sua raiva e poder, em uma letra que mostra o melhor da sua poesia, empoderamento feminino e respeito a sua ancestralidade. É o que vemos no clipe da música, quando Nic bota fogo na foto do presidente da república. Então, por que o choque foi tão grande para as pessoas com esse novo trabalho?
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Por que Nic Dias incomoda muita gente?
Voltando para o novo single, “Remédio Pra Racista É Bala” antecede o lançamento do seu primeiro EP “1.9.9.9”, que deve sair no segundo semestre desse ano. Recentemente, a própria artista sobreviveu a um episódio de agressão, que com certeza impactou em suas composições.
Focando um pouco mais na produção, sabe aquela sensação e expectativa de que algo grandioso está chegando, que todo filme de ação tem? É mais ou menos assim que a produção cria o clima da música. Assinada por Navi Beatz, as batidas mais secas junto com aquele grave de arrepiar, desde os primeiros minutos a música já cria todo um mood para o que vem chegando: a letra.
“São vinte anos de história real, se não entende então ouça:
tanto boy que quer mudar o mundo, e não tem coragem de lavar uma louça
nega drama direto da lama subindo na vida pra tomar seu posto
com o pé na porta do império branco e não adianta ce virar o rosto”
E como esperado, assim que a música saiu, os “incomodados” alegaram que a música é muito “agressiva”, e que “não precisava de toda essa violência” ou que “Dialogar é melhor!”. Talvez não tenham entendido (ou não quiseram rs), mas todo o propósito e simbolismo da música é rebater o racismo vivenciado e denunciado pela cantora, e muito jovens do Brasil, na mesma moeda.
“Eu acredito que não há como ter justiça sem equidade, sem ter uma reação pro racismo que as pessoas cometem. ‘Remédio pra Racista’ é justamente essa reação. Tudo que a gente faz gera um efeito e violência gera violência. As pessoas se identificaram muito com as coisas que eu falo nela e acho que precisava de alguém pra falar sobre isso”, comentou a rapper.
Muito além de fazer algo “apenas pra chocar”, Nic Dias está mandando o papo reto, ao mesmo tempo que a música exalta toda a cultura a qual pertence. Afinal, se tem uma mensagem que o seu repertório sempre deixou claro é: não abaixa a cabeça! Imagine se Beyoncé, Kendrick Lamar ou Djonga tivessem ficado só jogando o jogo da indústria para agradar todo mundo?
O videoclipe dirigido pelo cineasta Vlad Cunha teve inspiração direta do movimento grindhouse. Para quem ainda não é familiarizado, esse é um movimento marcado pelo desencanto e a violência contada através de peças de baixo orçamento. No clipe, essa violência de gangues urbanas dos Estados Unidos, no período da Guerra do Vietnã, foi traduzida para o sentimento de revolta da população negra brasileira. Por isso, a narrativa do vídeo deixa ainda amais clara a mensagem da música: se a cada 23 minutos um jovem negro morre no brasil (Mapa da Violência, 2017), os jovens que aparecem no vídeo decidem denunciar todo esse racismo e violência na mesma moeda.
Antes de ir embora, veja isso aqui!
Não posso deixar de recomendar o ótimo single “Baby Prince$$”, que tem uma pegada mais do “rap lifestyle”.
E também deixo um gostinho de como é a presença de Nic Dias no ao vivo, com a participação da rapper no renomado programa Brasil Grime Show.
Guarde esse nome, porque ela vai longe!
Algumas pessoas podem sentir um desconforto. Mas afinal, o que é a arte sem gerar debates? Aos poucos, cada vez que Nic Dias aumenta o seu repertório, ela demonstra versatilidade e o poder afiado da sua voz. A artista vem conquistando mais espaço, inclusive sendo abençoada por Djonga em 2019, no Festival Psica, em Belém. Já aviso pra vocês: ela tem tudo para ser o novo grande nome do rap nacional. Então, não esqueçam esse nome, viu?