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#TBTRACK: “OK Computer”, o ponto de virada do Radiohead

O Radiohead surgiu na indústria musical misturando os novos sons que vieram junto com os anos 90, bebendo da fonte do grunge da qual cresceram bandas como Nirvana e Pearl Jam. Apesar de carregarem uma personalidade muito própria desde cedo, os britânicos se mantiveram à sombra de suas principais influências por um bom tempo, alimentando suas ambições por trás de trabalhos mais comerciais, como “Pablo Honey” (1992) e “The Bends” (1995).

“OK Computer”, lançado em maio de 1997 no Japão e um mês depois pelo resto do mundo, foi a primeira obra do grupo a escancarar sua criatividade artística ao público. O disco não apenas repaginou a sonoridade da banda, que teve liberdade para produzir seu próprio trabalho pela primeira vez, como também previu a pós-modernidade da maneira que a conhecemos hoje.

Em suas composições, Thom Yorke idealiza um futuro alienado pelo consumismo excessivo e uma sociedade tomada pela solidão, temas que guiam nosso cotidiano após 24 anos. A narrativa atemporal do álbum permitiu que o trabalho envelhecesse com uma comoção ainda maior para as gerações seguintes, tornando-se a trilha sonora perfeita para os tempos que vivemos.

Considerado por muitos a primeira obra-prima gravada pelo Radiohead, “OK Computer” retraçou os caminhos do rock e da própria banda na virada do século. De meros músicos, os ingleses passaram a ter uma das vozes mais ressonantes de sua época, consolidando-se entre os mais importantes nomes de sua geração.


O primeiro disco 100% Radiohead

“OK Computer” foi o primeiro projeto totalmente idealizado, gravado e produzido pelo Radiohead, com a ajuda do chamado “sexto membro” da banda, Nigel Godrich. Ao invés de mirar o sucesso pretendido pela gravadora, a EMI, a partir das influências óbvias da época, como o grunge e o britpop, o quinteto decidiu reinventar seu som a fim de experimentar novas possibilidades dentro de sua obra e torná-la uma experiência única para o ouvinte.

O seu antecessor, “The Bends”, já apontava para uma direção diferente em seu estilo, aproximando-se mais do rock tradicional do que o comercial “Pablo Honey” e mostrando um lado mais autêntico do grupo. Boa parte das músicas não só diziam mais por meio de suas letras, mas também se expressavam melhor através de sua sonoridade, dando vida a clássicos até hoje lembrados como “High And Dry”, “Fake Plastic Trees” e “Street Spirit (Fade Out)”.

Para dar o passo seguinte em sua reconstrução, a banda chamou Nigel de volta para o estúdio e mergulhou ainda mais fundo em seu novo estilo. O produtor, que também participou das gravações do “The Bends”, soube como potencializar as experimentações do quinteto e transformá-las em canções marcantes e épicas, transmitindo sua mensagem aos gritos ao invés dos sussurros, como ocorria nos outros trabalhos.


O clima lúgubre que conduz a maioria das faixas ajuda a criar uma atmosfera densa ao longo de todo o álbum, dramatizando ainda mais as urgências narradas de diferentes modos por Thom Yorke. É notável o contraste entre composições mais intimistas, uma especialidade do Radiohead, e as mais barulhentas, melhor aproveitadas pelo grupo do que em seus antecessores; ambos os estilos, entretanto, carregam o mesmo impacto dentro do conjunto da obra, que em muitos momentos propõe um encontro entre a revolta e a indiferença.

“Airbag” e “Paranoid Android”, as duas primeiras músicas do disco, são bons exemplos do lado enérgico da banda, que dá início ao trabalho em um ar de inquietação que volta a se fazer presente em “Electioneering”. Em contrapartida, várias das faixas seguintes soam mais contidas, mas exprimem a mesma angústia, como a explosiva “Exit Music (For A Film)” e a dramática “Climbing Up The Walls”.

“OK Computer” se tornou um marco decisivo na carreira do Radiohead por ter sido o primeiro projeto pensado metodicamente a fundo pela banda, pela primeira vez livre para gravar um trabalho de estúdio nos seus conformes. Trazendo influências diversificadas para complementar a mesma mensagem, o grupo deu vida à uma obra única que reforçaria o seu sucesso e consagraria sua criatividade artística, que ainda resultaria em outros inovadores clássicos como “Kid A” (2000) e “In Rainbows” (2007).

Um retrato da atualidade, duas décadas atrás

O Radiohead conquistou seu espaço nas paradas dos anos 90 se aproveitando do clichê das músicas autodepreciativas, levando “Creep” às rádios de todo o mundo em 1993 junto à fama de “melancólica” que a banda construía para si. O grupo seguiu evoluindo nos anos seguintes e soube como transformar suas frustrações em canções melhor elaboradas, passando a enxergarem o mundo ao seu redor para falarem sobre si mesmos também.


As temáticas predominantes em “OK Computer” são pertinentes até os dias de hoje, desenhando um retrato da atualidade duas décadas antes de sequer a presenciarmos. Em vez de narrar suas próprias experiências em suas composições, Thom Yorke procura observar os conflitos internos da sociedade para enterrar a simplicidade lírica pela qual o Radiohead era tão julgado. O cantor ambienta o ouvinte em um universo futurístico, moldado a partir das melodias fantasiosas e dos arranjos pesados que conduzem as tragédias distópicas de “OK Computer”.

Thom assume uma escrita quase que abstrata para compor as canções do álbum, sem dar grande clareza às letras mas buscando sempre demonstrar o pessimismo à sua volta. No decorrer do disco, as músicas desenham um quadro de uma sociedade inconscientemente alienada e seus sintomas, como a desesperança expressa em “Subterranean Homesick Alien” e no anestesiante conformismo de “Let Down” e, principalmente, “No Surprises”. “Sem alarmes e sem surpresas, por favor”, implora o vocalista para um mundo cada vez mais movimentado e desordenado em uma de suas passagens mais emblemáticas.

“Karma Police”, um dos maiores sucessos da banda e o clímax da obra, retrata os sintomas do mundo pós-moderno entre as pessoas. Apesar da composição parecer satírica, Yorke busca expor a pressão causada pela opinião pública e pela cultura de massa, tema que tem sequência no interlúdio “Fitter Happier” com a idealização utópica de uma rotina perfeita. Várias outras faixas da tracklist representam outros efeitos da contemporaneidade, como a solidão em que as pessoas são largadas, contada em “Subterranean Homesick Alien” e “Lucky” — a primeira canção gravada para o trabalho.


O legado de “OK Computer”

Com 5 milhões de unidades vendidas pelo mundo até hoje, muitos questionam se “OK Computer” é o melhor disco do Radiohead, mas não restam dúvidas de que ele é o mais importante. Futuramente, o grupo ainda lançaria vários outros títulos que teriam grande impacto em toda a indústria, mas a banda apenas pôde firmar seu espaço no cenário graças ao seu terceiro álbum de estúdio, marcando definitivamente o ponto de virada em sua carreira.

Muitos consideram o trabalho como uma das últimas grandes obras da história do rock devido à sua enorme contribuição ao gênero na virada do século. O álbum deu fim à febre do britpop, que teve início no Reino Unido com Oasis e Blur, e serviu como uma das maiores influências para as demais gerações, incluindo grupos como Coldplay, Arcade Fire, Muse, Tame Impala e muitos outros.

O experimentalismo que o Radiohead trouxe à tona com o disco também guiaria o rumo para as demais obras do quinteto, tornando-se uma de suas características mais marcantes. O invencionismo que Thom Yorke e companhia introduziram em “OK Computer” inspirou a indústria a se reinventar, e segue sendo lembrado como um dos melhores exemplos de renovação e autenticidade na música.

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