Eu sou um criador, eu quero fazer arte, quero fazer música, eu sou a música. Essa é, provavelmente, uma das frases mais impactantes que Kanye West, ou apenas Ye, usa para se descrever enquanto artista. É o tipo de fala que, para muitos, é encarada como arrogante e narcisista. Porém, em “Jeen-Yuhs”, documentário sobre o rapper lançado na última quarta-feira (16) pela Netflix, se mostra como um relato desesperado de alguém que luta para ser ouvido e mostrar que pode fazer a diferença.
A sequência, dividida em três atos (disponibilizados por semana, o primeiro episódio intitulado “Vision”), é dirigida por Coodie, que seguiu Kanye West por mais de vinte anos ao longo da carreira do rapper e também da amizade de ambos. Diferente de documentários que mostram o glamour ou momentos engraçados dos artistas em questão, “Jeen-Yuhs” não tem o comprometimento de entreter ou servir como um gerenciamento de imagem, mas, sim, despir por completo esses momentos de “making-of”, mesmo que sejam tristes ou constrangedores.
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“Jeen-Yuhs”: Um relato intimista dos bloqueios de Kanye West
Além de dirigido por Coodie, “Jeen-Yuhs” também é todo narrado pelo diretor, que conversa com o público e relata suas próprias percepções de West ao longo do enredo. “O que mais me surpreendeu sobre Kanye era como ele sempre confiou em si mesmo”, diz o diretor, num ponto da trama em que o rapper lutava por um espaço na Roc-A-Fella Records, que posteriormente assinaria contrato para lançar seu primeiro álbum, “The College Dropout” (2004).
Esse é um ponto importante para entender que, enquanto o principal núcleo do rap, hip-hop e R&B não permitia “wannabes”, Kanye West estava disposto a se fazer ouvido. E isso no sentido literal: há momentos dele chegando no departamento de marketing e colocando sua demo no máximo volume, o que chega a ser constrangedor tanto para quem viveu o momento quanto para nós, assistindo.
No início dos anos 2000, onde boa parte da história se concentra nesse primeiro momento, West se muda para Nova York, principal fonte desse burburinho, para buscar quem acreditasse em seu trabalho. No entanto, sua imagem já era formada entre os principais estúdios: apenas um produtor.
A busca pelo novo Jay-Z
Se em 2022 as pessoas têm a impressão que Kanye West se sente acima do bem e do mal, a figura era outra no início dos anos 2000. Ao ser rejeitado pelas gravadoras, que não acreditavam em seu potencial como rapper, o artista começa a debater sobre como a indústria funcionava.
“Ninguém pode ser o Jay-Z. O cara é produtor, rapper, um magnata. Ele está no topo. Mas eu queria que as pessoas entendessem que é possível você ser muito bom, mesmo estando abaixo dele”, explica.
A questão é que, por anos, a indústria tinha receio de investir em novos talentos, justamente por uma alta expectativa causada após o lançamento de “The Blueprint”, onde Kanye West assina como um dos produtores e, a partir disso, começou a trabalhar o seu network entre os principais artistas da label.
Construindo o próprio nome
Se hoje Kanye West já está no campo empresarial e construindo sua própria marca, há vinte anos sua mentalidade estava focada em fazer seu nome sinônimo de algo. Íntimo, familiar para qualquer um.
O rapper briga para ser creditado como “Kanye West” em todo lugar que passa. Quer que repitam o seu nome e saibam identifica-lo na multidão – e fica indignado quando não o fazem. “Quem é Kanye? Que p**** é Kanye? Kanye de Chicago. Eu sou chamado assim em casa. Um dia as pessoas vão poder me reconhecer assim. Falar ‘Kanye’ e já saber que sou eu. Ou até mesmo Ye”, ele promete. Bom, nesse quesito, foi algo que se cumpriu.
Recepção e expectativas para “Jeen Yuhs”
Kanye West não tem vergonha nenhuma de dar o seu pitaco em qualquer assunto que seja. Ele não está interessado em apagar ou melhorar algum aspecto de sua carreira ou das polêmicas que participou ao longo dos anos. Muito pelo contrário: na própria semana de lançamento de seu documentário, ao invés de tentar manter-se calado ou divulgá-lo, ele coleciona mais buzz pela internet – com a família Kardashian, Drake, e até mesmo Billie Eilish.
Em “Jeen-Yuhs”, o fatídico momento em que ele interrompe Taylor Swift durante a premiação do VMA 2009, sua tentativa falha de candidatura à presidência dos Estados Unidos, seu apoio ao ex-presidente Donald Trump e seu casamento com Kim Kardashian estão entre os principais tópicos a serem abordados durante os três episódios.
Para quem o acompanha desde o início, consegue reconhecer que sua personalidade explosiva (e que em momentos beira o surrealismo e a distorção da realidade) sempre foram pontos-chave para entender sua obra e, principalmente, suas atitudes.
Conseguimos sentir sua tristeza ao ouvir tantos “não” e ter portas fechadas, sua indignação ao ter palavras distorcidas por jornalistas musicais, sua paixão nas falas grandiosas. Mas, também, seu lado mais vulnerável e com leveza: ao lado de sua mãe, Donda West.
Não à toa, “Jeen-Yuhs” recebeu uma aprovação de 83% dos críticos no Rotten Tomatoes, além de críticas favoráveis ao que foi mostrado até o momento. Afinal de contas, onde está esse Kanye West que dava risadas, falava de música, de suas origens?
Esse é um questionamento válido para quem se propõe a assistir o documentário. Se a ideia é criar uma linha do tempo, somos inseridos dentro da mente de Kanye West e entender o que o levou a ser, nesta década, uma das figuras mais polêmicas da indústria musical.
O primeiro ingrediente para essa receita já é declarada por ele mesmo: sua vontade em fazer coisas que todo mundo diz que não é o perfil dele, e conseguir sucesso a partir disso. Isso para música, política, relacionamentos, amizades. E, claramente, um documentário sobre sua vida.