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Análise: Os diferentes personagens de The Weeknd ao longo dos anos

O cantor se tornou referência pela sua habilidade em transitar entre diversos ritmos a cada disco

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Foto: Divulgação

Em questão de pouco tempo, The Weeknd escalou a indústria musical e se tornou um dos mais brilhantes artistas de sua geração, sem deixar dúvidas sobre o seu talento e sua originalidade. O cantor vestiu várias roupagens dentro de sua música ao longo dos últimos anos, permitindo-se explorar entre diferentes influências e se reinventar artisticamente como poucos artistas ousam atualmente.

Desde o início de sua carreira, Abel Tesfaye se destacava por converter suas inspirações em diversos personagens, de diferentes visuais, estéticas e sons. Cada trabalho propõe uma experiência inédita para o ouvinte, uma preocupação única que poucos artistas carregam consigo no cenário mainstream com tanta força como o canadense.

Com o lançamento de seu mais recente álbum de estúdio, “Dawn FM”, e nos convidando a conhecer um novo universo de sua mente criativa, o Tracklist mergulhou nas eras musicais de The Weeknd para se aprofundar nas influências artísticas e pessoais por trás da discografia de um dos maiores e mais ecléticos nomes da indústria atual.

O início da carreira de The Weeknd

Antes de se tornar conhecido pelo mundo como The Weeknd, o jovem canadense Abel Makkonen Tesfaye já havia construído uma forte relação com a música. Filho de imigrantes etíopes, o cantor nasceu em um ambiente familiar conturbado, sem a presença do pai e convivendo com dramas cotidianos ao lado da mãe e da avó.

A música, entretanto, era uma de suas maiores distrações dentro e fora de casa. Abel cresceu ao som dos artistas preferidos de sua família, desde sucessos da Etiópia — com um destaque especial para Aster Aweke, quem diz ter inspirado sua forma de cantar — até alguns dos principais nomes do pop, do soul e do hip-hop dos anos 80.

As primeiras mixtapes como The Weeknd têm referências muito claras do R&B e do blues. Para gravar e compor as canções de “Trilogy”, de 2012, o canadense se inspirou em grupos de rock mais antigos, como Siouxsies and the Banshees e o Cocteau Twins, e também em nomes atuais, como o Deftones, o que refletiu diretamente no trabalho. O projeto se destacava pelo seu estilo extremamente denso e sombrio, com faixas que narram a vida de Abel em meio aos seus vícios pessoais, aprofundando-se em um mundo rodeado pelo sexo e pelas drogas.

Não levou muito tempo para que o cantor fizesse seu barulho. Várias músicas de suas mixtapes repercutiram pela internet, principalmente hits como “Wicked Games” e “The Morning”, que o ajudaram a consolidar seu nome e reforçaram as expectativas por um álbum de estreia. Porém, “Kiss Land”, lançado em 2013, não correspondeu exatamente à ansiedade dos fãs, sendo lembrado por muitos como um disco abaixo da média, sem grandes novidades em seu som.

A direção ao pop

A partir de seu segundo trabalho de estúdio, “Beauty Behind The Madness”, sua sonoridade ganhou contornos mais voltados ao pop, conquistando um espaço maior no mainstream depois de Abel assinar com a Republic Records. Com o enorme impacto de sucessos como “Can’t Feel My Face” e “The Hills”, The Weeknd deixou de ser uma mera revelação para se tornar uma verdadeira estrela nas rádios de todo o mundo.

O principal diferencial do disco em relação ao seu antecessor é seu apelo comercial, uma preocupação que não era tão nítida nos demais trabalhos. Trata-se de um álbum de diferentes nuances, com canções ousadas, baladas passionais e ritmos dançantes que deram origem a várias comparações com o estilo de Michael Jackson.

Em várias entrevistas, Abel afirma que foi Michael quem o inspirou a ser um cantor e foi “Dirty Diana” quem o inspirou a escrever. As semelhanças entre ambos são várias, da voz à música; “Can’t Feel My Face” é um exemplo nítido de tal influência, homenageando o rei do pop em cada timbre, a cada batida e em cada passo.

Ao longo dos anos, a inspiração se tornou cada vez mais evidente, conforme sua música caminhava em direção ao pop. Em 2016, The Weeknd assumiu um novo personagem em sua discografia com o lançamento de “Starboy”, passando por uma metamorfose completa para promover ao público seu projeto mais ambicioso até então.

Apesar de ter variado bastante durante os primeiros anos de sua carreira, Abel nunca havia transformado tanto seu estilo como em “Starboy”, tanto em sua sonoridade quanto em sua estética. Para a sua próxima fase, o cantor mergulhou em uma temática neon, muito distante do clima sombrio de seus antecessores, e mudou seu visual para apresentar ao mundo um novo alter ego.

Para o primeiro single do disco, The Weeknd contou com a produção de ninguém mais, ninguém menos que o Daft Punk, performando pela primeira vez sobre uma sonoridade mais eletrônica depois de se tornar conhecido pelo R&B. A tendência se manteve ao longo do álbum, e o cantor surpreendeu a todos por soar tão confortável em um ritmo que jamais havia experimentado antes — um som contagiante que se fez presente em faixas como “Rockin’”, “Secrets” e “Love To Lay” e seus sintetizadores, por exemplo.

Ao mesmo tempo que “Starboy” marcou a transformação definitiva de Abel em uma estrela do pop, o projeto não deixou de lado os temas sobre os quais o canadense sempre escreveu, consagrando-o como uma figura única no mainstream. Além do claro apelo comercial, o disco é fortemente influenciado pela cultura hip-hop, dando um tempero especial para músicas como “Reminder”, “Sidewalks”, “Six Feet Under” e tantas outras que abriram alas para o novo caminho de The Weeknd em sua trajetória.

Segundo o próprio artista, “Starboy” é um trabalho inspirado por alguns dos grandes astros da música, como Prince e David Bowie, referências que escancaram a ambição do álbum em ser grandioso. Além de ambos, o cantor também cita nomes como o The Smiths, o Talking Heads e o Bad Brains como influências determinantes para o projeto, sem esconder sua paixão pelos anos 80 e a vontade de alternar seu som entre diferentes épocas — o que, alguns anos depois, tornou-se realidade.

O resgate dos anos 80

The Weeknd se manteve em constante transformação pelos anos seguintes, aproveitando o hiato após 2017 para experimentar novas possibilidades. Com o EP “My Dear Melancholy”, lançado em 2018, o canadense voltou a flertar com o R&B e o soul de seus primeiros trabalhos, dando a entender que retomaria a sonoridade pela qual se tornou conhecido.

Porém, Abel seguiu a direção oposta. Depois de vários meses no estúdio, o cantor retornou à forma em novembro de 2019 com o lançamento de dois singles: “Heartless”, faixa que remete aos seus momentos mais voltados ao rap, e “Blinding Lights”, um clássico instantâneo que rapidamente se tornou o maior sucesso de toda a sua carreira em números.

A música foi a porta de entrada de The Weeknd para os anos 80, a maior inspiração para o seu próximo álbum de estúdio, “After Hours”, de 2020. O disco é um retrato da década que mais influenciou o cantor não apenas em sua sonoridade, mas principalmente em sua estética: todo o material visual do projeto tem o intuito de construir uma narrativa a partir de seu personagem, tecendo críticas contra a indústria e amarrando os temas das faixas através dos videoclipes.

O trabalho redefine o pop e o new wave da época em uma sonoridade mais atual, dando vida a canções mais enérgicas, como “In Your Eyes” e “Save Your Tears”, e também a momentos mais dramáticos e psicodélicos, como a faixa-título. Trata-se de um disco com maior atenção à experiência em comparação aos demais, imergindo o ouvinte em um universo à parte.

Enquanto nos antecessores, os personagens de The Weeknd serviam para antecipar as grandes transformações em sua sonoridade, em “After Hours”, o cantor o tornou parte das músicas, usando-o também para narrar as próprias vivências. Depois de lançamento tão diversos com um sucesso cada vez maior, a versatilidade se tornou uma marca registrada do artista, deixando as fórmulas de lado em nome da originalidade. 

À revista TMRW, em 2020, Abel comentou sobre se adaptar entre vários estilos desde cedo e como isso refletiu também em seu trabalho profissional. “Quanto mais velho eu ficava, eu ficava exposto para mais músicas, e minha voz me tornava um camaleão entre diferentes personagens para cada álbum”, disse. “Seguindo meu próprio caminho e quebrando as normas da indústria, parece que isso está influenciando aos outros”.


De fato, The Weeknd se transformou em uma referência absoluta para as novas gerações em poucos anos. Com um enorme talento artístico e uma das mentes mais criativas de seu tempo, o cantor aprendeu a misturar diversas épocas da música em um som autêntico e atual – uma habilidade que ficou ainda mais evidente em seu mais novo trabalho de estúdio, “Dawn FM”.

Lançado na semana passada, o disco mantém viva a influência de Abel nos anos 80, mas sob uma perspectiva diferente. O álbum tem fortes inspirações no disco e na música eletrônica da época, propondo aos fãs uma imersão completa entre canções apaixonadas, batidas dançantes e produções impecáveis que incorporam vários de seus ídolos em uma só narrativa.

“Dawn FM” também se destaca como uma experiência quase cinematográfica, lembrando uma estação de rádio para ser tocada “na passagem para a morte”, como o cantor diz imaginá-la. Os vários trechos e interlúdios que conectam as faixas do disco reforçam o olhar perfeccionista do cantor sobre a sua própria obra e a atenção para que cada projeto não seja vão em forma ou sentido.

Com tamanho talento e atenção aos detalhes, The Weeknd se firmou como uma das principais influências da indústria. Navegando entre as gerações que nos trouxeram até aqui, o cantor fez de sua música atemporal, e tornou seu nome uma referência que reverberará pelas tantas outras décadas que estão por vir – não apenas o de Abel, mas também de seus diferentes personagens influências e sons.

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