O duo paulista Atalhos lançou recentemente o single “A Tentação do Fracasso”, que é a segunda faixa do seu próximo álbum, que será lançado em 2021.
Eles já estão no ramo musical há muito tempo. Porém, o novo álbum foi quase como um renascimento para a banda, que buscou inovar e procurar novas formas de criar música. Isso foi um passo importante para o seu amadurecimento musical e para o desenvolvimento de uma nova identidade.
O Tracklist teve a oportunidade de conversar com o Gabriel Soares, um dos membros da banda, sobre o novo single, o próximo álbum, sua jornada no ramo e um pouco mais sobre o seu processo criativo!
Entrevista com Atalhos
Por Julia Mantovani
Gostaria de saber um pouco da trajetória da Atalhos, dos trabalhos antigos e como vocês começaram no mundo da música.
Eu sou de Birigui, interior de São Paulo. No começo, a gente juntou os amigos e fazíamos covers de Nirvana. Eu tenho 35 anos, comecei a banda quando tinha mais ou menos 15 anos, então tenho mais de 20 anos tocando. A gente fazia covers, participava de festivais da cidade, ali era muito forte o sertanejo, o rock sempre foi algo mais alternativo no interior. Depois fomos tocando em festivais, ganhando experiências em palcos, festivais de rock. Tinha uma rádio rock na cidade, a Rádio Pirata, que nos instigou a fazer uma música mais diferente do que a gente ouvia nas rádios.
Eu lembro que o Ira! foi para Birigui e a gente tocou também. Tínhamos relação com essas bandas principalmente no festival Expo Araçatuba, que era de rock, e a gente pegou shows como o do Skank. Então tinha toda essa atmosfera longe das capitais, conhecendo as coisas por CDs e rádios.
Teve um momento que deixamos de fazer covers e fomos gravando nossas músicas. Gravamos fitas e gravações caseiras, e aí foi quando fomos para São Paulo para fazer faculdade em 2008. Eu e o Conrado (Passarelli) morávamos. A gente conheceu um estúdio perto de onde morávamos e gravamos o nosso primeiro EP, “Mocinho e Bandido”, e lançamos no MySpace na época.
Resolvemos fazer nosso primeiro disco em 2012, “Em Busca do Tempo Perdido”. Como era nosso primeiro álbum ,a gente não sabia muito de estúdio, era tudo muito novo em termos de produção. O legal é que o estúdio que acabamos conhecendo era de uma banda de trash metal, o que fez com a gente ganhasse muita experiência. O primeiro disco foi um aprendizado.
Eu mandei e-mail na época para o Marcelo Bonfá, da Legião Urbana, uma das bandas que a gente fazia covers, e acabamos ficando amigo. Fizemos um show de lançamento em Birigui e tocamos alguns shows.
O segundo disco que lançamos em 2014, o “Onde a Gente Morre”, quisemos romper com o que a gente tinha feito no primeiro álbum. A gente ainda não sabia muito bem sobre estúdio. Então fizemos músicas mais longas, mais tortas com estruturas mais doidas, mais viagens, músicas de nove minutos. Nosso primeiro single “José, Fiquei Sem Saída” tinha oito minutos. Foi bem legal, trabalhamos com o Mark Howard, produtor dos EUA, que já tinha trabalhado com Bob Dylan. Foi uma surpresa porque no primeiro álbum a gente quase não saiu em nenhuma mídia. Já com o segundo, a gente conseguiu bastante resposta da mídia especializada que foi bastante importante para a gente.
No final de 2014, a Atalhos foi a a capa do Estadão sobre as apostas do rock brasileira. Porém, mesmo assim, a gente acabou perdendo um pouco o timing, a gente não tinha muito conhecimento do que precisávamos fazer para poder divulgar.
Eu fui convidado, depois disso, para ser baterista do quarto negro e acabei deixando a Atalhos de lado para fazer uma turnê em 2016.
Quando eu voltei, eu continuei a dar atenção para a Atalhos e, em 2017, lançamos o álbum “Animais Feridos”. Mesmo assim, ainda estávamos tentando encontrar o nosso caminho.
Depois disso, eu passei de 2017 até agora focado no novo álbum. Achamos que agora estamos mais maduros musicalmente, sabendo o que queremos na parte estética, de identidade visual, não só da música em si. Foi um período em que conseguimos trabalhar nas músicas, principalmente com a ajuda do Ives Sepulveda, da banda The Holydrug Couple do Chile. Eu mandei uma demo, ele gostou e ficamos amigos. Eu fiquei em Santiago e esse caminho novo da banda dependeu muito disso, o uso de camadas, sintetizadores e todo um universo diferente dos outros discos teve relação com a experimentação de coisas novas.
Você contou um pouco do processo de criação do álbum e dessa nova fase da Atalhos. Agora eu gostaria de saber qual foi a inspiração para a criação do single “Tentação do Fracasso” e para o próximo álbum, considerando que foi uma mudança bem significativa para vocês?
A gente sempre colocou muita coisa literária nas músicas, muitas referências, eu sou meio viciado em leitura, então tenho uma relação com a literatura. Então, nos outros discos, há músicas que são mais elaboradas com referências literárias. Como em José, Fiquei Sem Saída, onde faço uma brincadeira com o livro do Kafka.
Nesse novo álbum, a gente tem elementos de literatura. Mas eu quis fazer de um jeito que não ficasse muito complexo, algo mais direto, sem ficar muito focado em livros e pensar na música. Para esse disco, eu fiquei mais focado na parte de produção e de encontrar os timbres, um novo modo de tocar. Nos outros álbuns, eu sempre gravava bateria e violões. Neste, eu gravei a guitarra e compus a música, o que traz uma estética de guitarra, mais com o dream pop, mais onírica, mais sniffs e camadas na música. Então, fiquei focado na parte mais musical. Mas claro que sempre estive focado na parte da letra, fiz esse disco mais direto, com a mensagem mais direta e que chegasse de uma forma mais imediata para o público.
A música nova, Tentação do Fracasso, é baseada em um livro de um peruano que eu gosto muito, chamado Julio Ramón Ribeyro. Ele tem esse livro, “Tentação do Fracasso” que é quase um diário, autobiográfico, e é um livro que me marcou.
Fiquei com essa ideia de “tentação do fracasso” na cabeça, de seguir fazendo música, indo para o quarto disco sem ser uma banda de sucesso, sabe? Ainda estamos tentando encontrar nosso caminho. Por isso, eu fiz esse paralelo com o livro e até com o próprio Julio, que foi um autor que só foi reconhecido no final da vida. Então, o livro tem uma relação com a gente, porque estamos agora conseguindo o nosso espaço, mesmo com tanto tempo de banda. A música é também uma homenagem ao livro, assim como o nome do álbum, que é o mesmo. Mas é uma coisa mais solta, não é só quem leu o livro que vai entender a música.
Eu, quando vi o nome da música, como uma amante da literatura, também pensei em algumas referências, como a história de Brás Cubas e até sobre a própria vida do Van Gogh e achei muito legal, porque não sabendo das referências literárias. Logo pensei e associei ao título.
É bom saber, porque é isso mesmo. A tentação do fracasso faz você ficar seduzido, e na letra eu falo sobre essa sedução e que, de certa forma, existe uma obstinação no artista de não atingir o sucesso, ou o que ele quer dizer, e continuar produzindo e criando, independente de você fazer sucesso ou não, de ser reconhecido ou não. É mais um movimento interior e que eu sinto um pouco dessa vontade de continuar criando música. Para mim, o mais importante foi tentar criar uma coisa nova também. Por isso, eu quis fazer algo em outro universo, para não ficar naquela coisa mais parecida com os outros dois últimos álbuns.
E isso também me seduziu um pouco. Esse flerte com a novidade, de levar o som para outro patamar que eu não tinha levado, até na própria estética de capa. Antes era muito mais preto e branco e agora estamos com mais cor, trazendo essa ideia de sonhos.
A letra de“Tentação do Fracasso” é pesada, fala de suicídio, de um caso real de um cara que pulou ao lado do meu prédio, e tem outros singles que possuem uma relação com ela. Acho que todo disco tem uma relação com isso. Porém, eu tento trazer um lado mais afirmativo da vida, algo mais solar. Essa música é mais complexa, mas ela traz uma resposta mais afirmativa, mais alegre, podendo assim dizer.
Você estava no processo de produção do álbum em um período difícil, por conta da pandemia. Por isso, vocês tiveram que mudar um pouco a forma de interagir e produzir. Como foi para vocês trabalhar nesse período?
Claro que a pandemia foi algo terrível, mas a gente não pode reclamar muito nesse sentido, porque ela foi até positiva. A gente já estava com o álbum da Atalhos pronto. Trabalhamos nele desde o final de 2017, e no ano passado ficamos mais focados em fazer a mixagem, fomos para Santiago e Buenos Aires. No começo do ano, eu estive em NYC e a gente conseguiu fazer a remasterização, que é o processo final do disco, com o Greg Calbique. O Greg é considerado uma lenda das remasterizações e ele era uma referência sonora muito forte. E como eu estava lá, conseguimos para eu estar junto.
No final de fevereiro, logo que eu voltei com o disco pronto, a gente tinha um show do Cine Joia no meio de março. Foi o último show que a gente fez e, logo depois, já começou a fechar tudo. Então a gente teve esse tempo para pensar melhor em como a gente lançar esse material. Planejamos melhor e fizemos um cronograma, começamos um trabalho com agência e tivemos sorte porque conseguimos ter mais tempo para pensar em como lançar melhor.
Queremos lançar o disco ano que vem, mas ainda não sabemos, porque queremos estar em um período em que a gente possa fazer shows e divulgar o álbum. A gente não quer perder o timing da música, porque ele é muito importante!
E a gente sabe que às vezes é melhor segurar e lançar na hora certa. Então, nesse sentido, a pandemia fez com que a gente tivesse mais calma e paciência. Aprendesmos como lançar e ter um plano a longo prazo, fazer contato com selos e tudo isso veio nesse meio-tempo de pandemia.
Que legal que a pandemia acabou sendo um momento que ajudou a dar uma pausa e repensar algumas coisas, acho que isso é bem importante. No mundo da música, é sempre importante ter um bom timing e pensar no lançamento.
É verdade, ainda mais hoje em dia que tem muito mais plataformas, como a Groover mesmo, que a gente não conhecia antes e pudemos explorar. E até mesmo o Spotify, que você tem que subir várias semanas antes e ter um esquema que antes não existia. Então, é um mercado que sempre se renova com rapidez e fomos aprendendo, fazendo novas coisas no digital.
Por fim, você comentou sobre várias colaborações ao longo da carreira. Então, gostaria de saber se o álbum tem alguma colaboração e se tem alguém que você gostaria um dia de colaborar?
Tem vários artistas que eu gostaria de colaborar, mas, para esse disco, a gente não tem nenhum artista convidado. Focamos no trabalho da Atalhos mesmo. A maior colaboração foi o Ives (The Holydrug Couple), que ficou junto o tempo inteiro. Ele gravou baixo e teclado. Mesmo eu chegando com as músicas prontas, ele ajudou muito com a produção. Por isso, assinamos juntos a produção do disco inteiro. Então considero essa a colaboração principal.
A Atalhos está fazendo um trabalho com o selo da Argentina. Até pela playlist que a gente tem no Spotify, vira e mexe, há artistas que a gente coloca lá. Há vários artistas latinos, e são artistas que a gente está abrindo contato com esse interesse de fazer essa troca, fazer feats colaborativos para criar um EP para o ano que vem só com latinos, cantando português e espanhol. Estou tentando fazer esse contato, reunir esse pessoal, porque tem muita banda legal que não chega pra gente.
Aqui no Brasil, a gente conhece muito pouco, até de cantores mais clássicos da Argentina, por exemplo. Então estamos tentando fazer essa ponte, conhecido gente legal e já tem algumas conversas avançadas que logo devem pintar, mas nada 100% confirmado ainda. Inclusive, vários desses artistas estão na playlist.
Playlist da banda
A Atalhos tem uma playlist no Spotify com algumas bandas latinas e outras bandas de rock e indie. Vale a pena conferir para encontrar novas músicas e conhecer novos artistas.
“Tentação do Fracasso“
O single já está disponível em todas as plataformas. O novo álbum com o mesmo nome ainda não tem data de lançamento, mas sairá em 2021.