Quando “The Bear” foi ao ar pela primeira vez, poucas pessoas imaginariam que a série se tornaria um sucesso tão grande. O dinamismo, o bom humor e o drama frenético da obra formaram uma combinação única na televisão e impulsionaram o sucesso de sua estreia, que somente tem crescido entre público e crítica desde então.
Diante de tamanha repercussão, as expectativas sobre a terceira temporada de “The Bear”, finalmente lançada no Brasil nessa quarta-feira (17) no Disney+, não poderiam ser maiores. Porém, os novos episódios perdem a dosagem que consagrou a série como um fenômeno em seus dois primeiros anos, e podem deixar um gosto amargo entre aqueles que esperavam que a curva de crescimento da série continuasse a subir.
Ainda que alguns dos principais traços de “The Bear” continuem presentes em seus novos episódios e façam a obra assumir a sua melhor forma, o ritmo da temporada impede que a produção reencontre a consistência que marcou os anos anteriores.
Leia também: O que esperar da terceira temporada de “The Bear”?
Um freio no caos do The Bear
ATENÇÃO: O texto a seguir pode conter spoilers da terceira temporada de “The Bear”
Depois de uma temporada voltada à reforma do restaurante, a inauguração do The Bear pauta a nova fase da série. A equipe busca se adaptar à nova rotina, enquanto Carmy (Jeremy Allen White) procura soluções para alavancar os lucros do restaurante e aumentar a produtividade da cozinha. O chefe herda os métodos dos antigos lugares em que trabalhou com a implementação de novas regras que geram atritos entre os demais, sobretudo com Sydney (Ayo Edebiri) e Richie (Ebon Moss-Bachrach).
Com a pressão de liderar uma cozinha de alta gastronomia pela primeira vez, Carmy cede a traumas do passado ao mesmo tempo que se vê perdido com o fim precipitado de seu relacionamento com Claire (Molly Gordon). Ao seu lado à frente do restaurante, Sydney também é confrontada pelos seus próprios sonhos como chefe quando passa a ser requisitada entre outros profissionais da área.
A princípio, os ingredientes para a terceira temporada de “The Bear” eram mais do que suficientes para uma sequência promissora dos seus dois primeiros anos. Entretanto, as decisões do diretor e showrunner Christopher Storer nos novos episódios freiam o desenvolvimento que vinha sendo construído e resultam em uma temporada aquém das expectativas que cozinhou.
Quando “The Bear” estreou, uma de suas principais marcas foi o conflito de Carmy com seu passado e seu amadurecimento à frente do restaurante — algo que a segunda temporada voltou a trabalhar muito bem, conforme o chefe passa a repensar o seu comportamento. Os novos episódios, contudo, não dão muita continuidade ao desenvolvimento de seus protagonistas, e mesmo quando procuram dissecar as crises de cada um, a produção opta por caminhos pouco convincentes.
O ótimo primeiro episódio, “Tomorrow”, segue uma narrativa diferente do modelo habitual da série ao misturar flashbacks dos personagens com os tempos atuais, quase como um prelúdio para um enredo que, de fato, somente voltaria a andar a partir do segundo capítulo. A decisão de dedicar um dos episódios para uma introdução não seria um problema, mas ao compará-lo diretamente com o último, a sensação é de que a maioria das tramas não saiu do lugar, visto que não só os flashbacks continuam os mesmos, mas também as razões por trás deles.
De uma ponta à outra da temporada, a história pouquíssimo avança e o desenvolvimento de seus protagonistas é, em grande parte, deixado de lado. Pontos centrais para a trama, como a possível saída de Sydney, uma reaproximação entre Carmy e Claire e a preocupação financeira de Tio Jimmy (Oliver Platt) com a estabilidade do restaurante, são deixados sem resposta ao fim do último episódio, encaminhando as questões para o já confirmado quarto ano da série.
A dinâmica escolhida por Storer e sua equipe nos novos capítulos talvez reflita o fluxo das gravações da obra. De acordo com o próprio elenco, a ideia era que as terceira e quarta temporadas fossem gravadas juntas, o que pode sinalizar que foi uma decisão da FX em remanejar a trama para que ela rendesse 20 episódios ao todo — uma hipótese reforçada, inclusive, pela confirmação de seu retorno em 2025. Qualquer que seja a justificativa e suas motivações, sejam elas artísticas ou puramente comerciais, é inegável que o ritmo da série foi diretamente prejudicado.
Além disso, alguns personagens parecem gastar um tempo desnecessariamente grande de tela em detrimento de outros. Os irmãos Fak, Neil (Matty Matheson) e Teddy (Ricky Staffieri), ganham mais minutos em destaque na nova temporada como o alívio cômico da produção — o que não é necessariamente negativo, mas acaba ocupando um espaço que poderia ser dedicado às tramas de Sydney, Richie ou Marcus (Lionel Boyce), por exemplo.
Ótimos pratos para um menu incompleto
É necessário, porém, ressaltar que o terceiro ano de “The Bear” está longe de ser um desastre. A série não perdeu a sua essência e continua se aproveitando da fórmula que a tornou um grande sucesso; o cotidiano frenético da cozinha ainda é um dos principais atrativos dos novos capítulos, bem como a dinâmica entre os personagens e como ela dita as suas relações em tela. O segundo episódio, “Next”, é um aperitivo perfeito de seu equilíbrio entre o humor e o conflito, ao retratar a discussão acalorada entre Carmy, Richie e toda a equipe após o chefe sugerir uma lista de novas regras do restaurante.
A química de seu elenco ajuda a reforçar a intensidade da série e incorpora a densidade que há em cada papel. As estrelas Jeremy Allen White e Ayo Edebiri continuam brilhantes e insubstituíveis, assim como os atores coadjuvantes (com uma ressalva merecida à Abby Elliott e Liza Colón-Zayas com seus melhores trabalhos na série até aqui). Algumas participações especiais também voltam para o terceiro ano, como a sempre excelente entrega de Jon Bernthal e de Jamie Lee Curtis em capítulos pontuais.
O trabalho de direção é igualmente formidável e essencial para o sucesso da obra. O foco nas relações e na constante discordância entre os personagens permite aos produtores se aprofundarem no cotidiano estressante de uma cozinha de forma única, mas também a explorar a vulnerabilidade que existe por trás de cada chefe. “The Bear” se destacou ao se mostrar capaz de captar muitos sentimentos em tela simultaneamente pelos dramas pessoais que envolvem cada arco, e a ansiedade permeia todos eles em seu terceiro ano.
Uma das principais qualidades da segunda temporada foram os episódios dedicados aos personagens secundários, como a viagem de Marcus à Copenhague para aprimorar as suas habilidades culinárias, ou o período de experiência de Richie em um restaurante de luxo em Nova Iorque. O padrão se mantém na terceira com seus dois melhores capítulos, voltados à Tina (Liza Colón-Zayas) e Natalie (Abby Elliott).
Dirigido pela própria Ayo Edebiri em sua primeira experiência por trás das câmeras, “Napkins” acompanha a busca de Tina por um novo emprego antes de se tornar cozinheira. O episódio recupera as melhores características de “The Bear” em sua trama, com diálogos profundos entre a cozinheira até então iniciante e Mike (Jon Bernthal) e um mergulho em sua vida íntima, que nos permite enxergar além da imagem ranzinza construída sobre a personagem na primeira temporada.
Já “Ice Chips” acompanha o trabalho de parto do primeiro filho de Natalie, que se vê obrigada a chamar a mãe, Donna (Jamie Lee Curtis), para acompanhá-la no hospital mesmo a contragosto. Durante o capítulo, ambas contornam a relação conturbada que têm e se aprofundam em um belíssimo diálogo sobre a sua família e o complexo vínculo entre mãe e filha, marcando um dos melhores momentos de toda a série.
Quando está em seu auge, “The Bear” segue sendo uma das melhores séries da atualidade e brilha o suficiente para continuar se destacando nas principais premiações. Entretanto, a inconsistência deixa um gosto amargo para uma terceira temporada que poderia representar a guinada de uma história que firmou o seu lugar na televisão. Grande parte dos novos episódios carecem de um foco claro, e deixam todas as principais narrativas que se propôs a contar em aberto para o ano que vem. Ao subir dos créditos finais, a sensação é a de que fomos servidos de um bom, mas incompleto prato de um menu recheado.
Nota: 7,5 / 10