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Entrevista: Urias fala sobre trabalhos recentes e reflete próximos passos

Artista também fala sobre show com Pabllo Vittar no palco do Festival Sarará, em Belo Horizonte, em 27 de agosto

Foto: João Arraes

A cantora Urias é um dos nomes que mais estão em ascensão na música nacional nos últimos tempos. Só este ano, a artista lançou seu primeiro álbum, “FÚRIA“, em janeiro, e o EP “Her Mind, Pt. 1” em maio.

As novidades não param por aí: após retornar de turnê internacional e se apresentar em festivais pelo país, Urias foi convidada para participar do show de Pabllo Vittar no Festival Sarará, em Belo Horizonte, no final do mês.

Em conversa com o Tracklist, a cantora comenta, entre outros temas, o processo de produção de seus dois trabalhos, a inserção de artistas trans no mercado e planos internacionais para sua carreira. Confira!

Entrevista com Urias

TRACKLIST: Boa tarde, Urias! Tudo bem? Gostaria de agradecer pelo seu tempo e pela disposição! Esse tem sido um ano muito especial na sua carreira, em que você tem conquistado cada vez mais visibilidade e tem chegado a palcos cada vez maiores. Como você tem lidado com esse crescimento nesses últimos tempos?

URIAS: Eu não sei te dizer! Sabe quando você fala assim: “Nossa, não é possível que é comigo!”, eu não assimilei ainda! Mas tem sido muito louco realizar tantos sonhos que eu achava que era impossível, tem deixado meu olhar mais nítido, sabe? Tem sido muito revelador pra mim, ver o que é possível e o que não é mais impossível… Tudo mudou, entendeu? Tem sido mudanças muito boas.

TRACKLIST: Seu último disco, “Fúria”, tem sido bastante lembrado entre os melhores do ano no Brasil, e também é um dos nossos preferidos! Pra você, qual foi o principal desafio em produzir seu primeiro disco e como tem sido ver tantas pessoas se identificando com ele?

URIAS: Um dos maiores desafios pra mim foi meio que entender a estrutura do que eu ia fazer, sobre o que eu ia falar… Eu queria ter um álbum, mas eu não queria simplesmente juntar várias músicas, colocar juntas lá na plataforma e falar: “Esse é meu álbum”, sabe? Eu queria falar sobre alguma coisa, eu queria fazer com que as pessoas entendessem uma coisa que elas não entendem — por isso que eu decidi falar sobre a raiva, sobre a fúria. A partir de quando a gente decidiu isso, as coisas fluíram muito mais diretamente. Foi um desafio, mas foi muito revelador pra mim. Mas o mais difícil foi escolher o tema, entender como eu ia direcionar, o que eu ia falar, como eu ia passar a mensagem, que palavras eu ia usar… Eu sou uma compositora nova, e eu não sabia que eu sabia escrever até eu fazer um álbum! (risos)

TRACKLIST: E como você chegou à essa ideia de escrever sobre a fúria?

URIAS: Eu tava pensando sobre o que eu ia falar: eu ia lançar um álbum, mas eu ia falar sobre o que? Aí eu pensei: “Ah, eu vou falar sobre um sentimento”, porque falar sobre um sentimento é também me humanizar, entendeu? Me colocar num lugar de humana, de quem sente, e as pessoas esquecem que às vezes as pessoas do meu recorte sentem, elas não são tidas como humanas mesmo. E aí eu decidi falar sobre a raiva pras pessoas entenderem que as coisas que a gente passa sistematicamente nos causam raiva! Não é só uma coisa de força de vontade, de superação — e eu tava passando muito por isso na minha vida, tudo que chegava pra mim as pessoas falavam “Nossa, foi uma superação, você superou todo o preconceito!”. Hoje em dia não é mais assim, mas na época que eu tava escrevendo, tava sendo muito isso.

E eu tava pensando: poxa, pras pessoas me exaltarem elas tem que ter pena da minha história? Eu passava muita raiva com isso, porque isso não é culpa de ninguém, é uma coisa muito sistemática. E aí eu decidi falar sobre a raiva exatamente por isso, porque as pessoas não imaginam que a gente sinta raiva. As pessoas não imaginam como essas coisas nos afetam, em decisões diárias que moldam nossa personalidade, sabe? Na minha cabeça eu pensava em passar essa mensagem.

TRACKLIST: Esse também tem sido um ano muito marcado pelo retorno aos palcos. Como uma cantora que cresceu muito em números durante a pandemia, como tem sido voltar e se apresentar pra um público muito maior e mais diverso do que antes?

URIAS: Ai, tem sido muito gratificante, sabe? Quando a gente fala que o artista é pro palco e é do palco, não é mentira. Eu passei um bom tempo apresentando meu trabalho através de lives, e quando você tá num palco com pessoas ali na sua frente, que estão ali pra te ver ou estão conhecendo seu trabalho, e você vê no rosto delas que elas estão gostando, tudo muda! É muito gratificante poder estar me apresentando, me dá muito mais gás pra eu me provar cada vez melhor pra mim mesma, e saber que eu posso entregar mais e receber mais de volta também. Me coloco num lugar de prova, sabe? Ali que as pessoas têm que entender o que você quer falar, e que você quer ser levada a sério assim.

TRACKLIST: E por falar em shows, você vai se apresentar no Festival Sarará neste mês com a Pabllo Vittar! Como anda a ansiedade pro festival e o que a gente pode esperar do show?

URIAS: Tá muito alta, porque todo mundo fica pedindo no Instagram: “e BH?”. E eu ainda não fui pra BH com meu show completo, no Sarará eu vou fazer uma participação com a Pabllo. Mas os ensaios já estão aí, a gente já tá ensaiando e fazendo as coisas, e eu tô muito animada porque eu sou de Minas Gerais! Eu sei muito bem como é você querer que as coisas cheguem lá, porque os festivais acontecem só no Rio e em São Paulo, né? Então eu sei muito bem como é ver um festival lá, e eu tô muito ansiosa pro Sarará chegar logo.

TRACKLIST: Gostaria de falar também sobre o seu novo EP, “Her Mind, Pt. 1”. Ele tem uma sonoridade bastante experimental, e também traz você cantando em vários idiomas. De onde veio a inspiração pra um trabalho que contrasta tanto com o “Fúria” e quais foram as principais diferenças nas gravações entre ambos?

URIAS: Muito obrigada por falar que contrasta bastante, porque é importante pra mim! (risos) O “Her Mind” surgiu na necessidade de parar de ter que falar só sobre o meu corpo, sabe? Queria falar sobre a minha mente, por exemplo, e como é a minha experiência, a vivência e a sobrevivência… Queria falar sobre a minha mulheridade através da minha mente, e não através do meu corpo mais. Eu já falei muito sobre o meu corpo — e não vou deixar de falar obviamente, eu entendo a minha posição sociocultural como indivídua também na sociedade — e “Her Mind” surgiu dessa necessidade, e também da necessidade de apresentar meu trabalho para além de territórios brasileiros. Mas eu também queria apresentar uma coisa nova pro Brasil também, sabe? No sentido de que eu queria que as pessoas lá fora ouvissem e entendessem que aquilo ali também era música brasileira, que existem muitos elementos de ritmos brasileiros na música e é possível fazer música daquele jeito no Brasil. E também queria passar essa mensagem pra galera daqui do Brasil: de que é possível fazer música desse jeito e ainda ser brasileira, sabe?

TRACKLIST: Você fez uma entrevista com a gente em janeiro também, e comentou que queria dar o próximo passo em direção a novos mercados. Além do “Her Mind”, você também tem conquistado novos espaços lá fora, com shows na Europa e inclusive nos telões da Times Square! Hoje, você tem planos mais concretos pra seguir a carreira a nível internacional?

URIAS: Depois de tudo isso que tem acontecido, eu não me vejo parando de tentar estar em um novo espaço que eu não estive, eu não me vejo parando de tentar coisas que eu ainda não conquistei, sabe? Depois que eu entendi que agora é possível, eu quero é mais! Eu quero tudo e eu quero agora! Se puder ir pra Marte, eu vou cantar em Marte também! (risos) Agora ninguém vai me parar mais, é o que eu sinto…

TRACKLIST: Você é uma das principais artistas trans da música nacional hoje, e muitos outros artistas têm conquistado visibilidade nos últimos anos, mas a gente sabe que ainda se trata de um espaço muito recluso não só na música, mas na cultura e na sociedade como um todo. Inclusive, você chegou a dizer em entrevista ao Tracklist que muitas pessoas falam sobre artistas trans porque hoje “se tornou impossível não falar sobre”. Como você enxerga esse cenário hoje?

URIAS: Quando eu disse que era impossível não nos incluir mais nas coisas, eu quis dizer socialmente mesmo, sabe? Estamos numa época que está cada vez mais difícil negar a nossa existência, que é o que vem sendo feito desde o início: a negação da nossa existência enquanto sociedade. Estão sempre nos empurrando pra margem e agora a gente tá conseguindo empurrar de volta. No mercado, eu ainda acho muito pouco, pra ser sincera. Não acho que deveríamos nos encaixar numa categoria pra artistas trans, entende? Nicham bastante a gente, e isso nos impede de alcançar muitas outras coisas – não num lugar de negação de existência, não faz nem sentido, mas num lugar de buscar novos horizontes e furar a bolha, pras pessoas nos escutarem pela nossa arte mesmo e foda-se o gênero, tanto musical quanto identitário. Acho que é um bom começo.

TRACKLIST: Para finalizar, quais você diria que são as principais diferenças pra Urias do início de sua carreira pra Urias de hoje?

URIAS: Ah, o rosto, né, que antes eu era feia pra caralho… (risos) Tô brincando! Mas eu diria mais a segurança e a coragem, pra ser sincera com você. No começo, eu não peitava e falava que sou cantora, que sou compositora, não era uma realidade que tinha se encaixado na minha mente ainda, sabe? Hoje em dia, depois de ouvir muito isso de muitas pessoas, eu entendi que realmente sou cantora, que sou compositora… Acho que é mais a segurança, e essa segurança se reflete em tudo na nossa vida: no nosso trabalho, na nossa presença de palco, na voz, no jeito que a gente escreve, nas letras… Tudo vai fazendo um update gradativamente.

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