in

Entrevista: Mu540 conversa sobre carreira e sucesso internacional do funk

O DJ e produtor da Baixada Santista se tornou um símbolo da música eletrônica brasileira e agora ganha as pistas pela Europa

MU540
Foto: Karl Berg

Por muito tempo como alvo de preconceitos e à margem de outros ritmos musicais, o funk se tornou protagonista de um novo expoente cultural no Brasil. As suas batidas encontraram espaço em muitos outros gêneros e têm conquistado cada vez mais o público internacional. Mu540, um dos principais representantes desse movimento, surfa na onda desse novo momento, enquanto leva a força da música eletrônica brasileira para o mundo.

Atualmente, o DJ da Baixada Santista se encontra em turnê pela Europa, onde tem 10 shows agendados ao todo entre festivais e eventos. O produtor se tornou conhecido por mesclar a energia do funk com outros estilos, como o drill, o grime e o house, o que o permitiu criar um toque único para a sua música.

Para Mu540, porém, a sua forma de produzir surgiu também como uma maneira de expressão pessoal. “Eu sempre curti considerar desde coisas principais, até mínimos detalhes de cada ritmo pra eu saber como se comunica com outros estilos — como se fosse uma linguagem”, disse em entrevista ao Tracklist. Hits como “Tang”, de Tasha & Tracie, e “Fantástico Mundo da Oakley”, parceria com Kyan, são apenas alguns exemplos de como a sua produção conquistou os ouvidos de milhões pelo país.

O sucesso de Mu540 acompanha também a fama crescente do funk, que agora ganha as pistas pelo mundo. “É gratificante estar trabalhando com arte em outro país, fazendo o que eu mais gosto ao lado de pessoas que eu gosto muito”, afirma. “Eles estão amando o funk e outros estilos latinos — como guaracha, que está vindo muito forte com a batida, o afro house… Isso tudo dialoga com facetas do funk, o que me deixa ainda mais confortável com esses estilos congruentes ao nosso funk”.

Em entrevista ao Tracklist, o DJ conversou sobre a nova fase de sua carreira e o atual cenário do funk no Brasil e no mundo, que além de dar visibilidade à música nacional, tem gerado debates sobre a garantia dos direitos autorais aos produtores brasileiros.

Entrevista com Mu540

Tracklist: Gostaria de perguntar sobre a sua atual turnê europeia. Como tem sido promover a sua música a nível internacional e qual tem sido a recepção do público?
MU540: Minha turnê tem sido surpreendente. Muito trabalho, muito cansaço, mas é gratificante estar trabalhando com arte em outro país, fazendo o que eu mais gosto ao lado de pessoas que eu gosto muito.

Essa leveza, misturada com a euforia da realização do projeto, me deixa despreocupado para ritmar qualquer pista. Uma vez que eu tô feliz, já era, vai ser o melhor set da minha vida. O público vê isso, se contagia e pronto, vira baile! Eles estão amando o funk e outros estilos latinos — como guaracha, que está vindo muito forte com a batida, o afro house… Isso tudo dialoga com facetas do funk, o que me deixa ainda mais confortável com esses estilos congruentes ao nosso funk.

Tracklist: O seu trabalho se tornou muito conhecido no Brasil e no mundo a partir da mistura do funk com muitas outras vertentes comuns à música eletrônica e ao hip-hop, como o drill, o grime e o house. Quão natural é para você, em seu processo criativo, combinar diferentes ritmos e influências musicais?
MU540: Eu sou uma pessoa que gosta de pensar sempre em várias possibilidades de cada coisa que acontece, então sempre imaginei umas realidades possíveis: como seria a música desse lugar, os animais, as plantas, as possibilidades dessas realidades, os ambientes dessas realidades… Mó brisa, sempre curti isso.

E por pensar tanto nisso, eu sempre curti considerar desde coisas principais, até mínimos detalhes de cada ritmo para eu saber como se comunica com outros estilos — como se fosse uma linguagem. E tem linguagens que se conversam o que eu faço, que é basicamente cruzar essas duas linguagens e mostrar essa semelhança.

Tracklist: Por falar em influências, quais você diria que são as suas principais referências artísticas para a construção de sua sonoridade?
MU540: O James Wan, mesmo que seja um diretor de cinema, consegue fazer drops com cena no cinema e eu gosto muito dos jump scares dele. Eu correlaciono com o meu jeito de construir beat, sempre surpreendendo em grande escala ou em microescala, sempre sendo diferente e com uma ambientação fúnebre e suja na maioria das vezes. Mas acho que quem me influenciou mais nisso foi o DJ R7, e hoje em dia eu sou muito influenciado pelo mestre DJ Tio Jota, DJ Douglinhas e Hamdi — amo o Hamdi.

TRACKLIST: O funk tem se popularizado cada vez mais mundialmente, tanto entre artistas mainstream, quanto no underground. Os casos mais recentes envolvem artistas como The Weeknd, Beyoncé, Kanye West e JPEGMAFIA, entre outros. Como você acompanha esse movimento?
MU540: Eu acho muito legal que eles estão curtindo a nossa levada aqui da América do Sul e considerando se arriscar. Com muita fé, às vezes pode ser a nossa ascensão e uma quebra de barreira linguística, né? O ritmo comunicando primeiro e o idioma depois.

TRACKLIST: Com os samples de funk se tornando uma tendência cada vez maior, também se abre um debate sobre a garantia dos direitos autorais aos produtores brasileiros. Como você se posiciona em relação a esse tema?
MU540: ⁠Como qualquer outra música, o funk tem que ser respeitado e os artistas também. Falta muito conhecimento para nós do funk sobre legislações, a gente não sabe nem o que cobrar porque não temos tempo, temos que estourar a música porque não temos apoio — pelo contrário, temos repressão e descaracterização do estilo. Assim como foi no samba, os caras tão nessa com a gente.

E os samples de funk estão sendo usados por qualquer pessoa e não sendo creditados muitas vezes. Esses produtores baixam um pack em algum lugar, só usam e não creditam o MC. E pela falta de informação, o MC nem sabe que a voz dele tá em pack de produção, porque ele tem que lançar a capella para estourar a música. Não sei nem como me posicionar, só sei que temos que ser pagos e considerados como artistas e trabalhadores também, primeiramente. Parece algo antigo de se dizer, mas nada mudou, ainda estamos na luta fortes.

TRACKLIST: Em contraste com o público internacional, que abraça cada vez mais o gênero em grandes festivais e em suas produções, o funk ainda é visto de forma bastante marginalizada e discriminada no Brasil. Qual a sua visão sobre esse cenário no país?
MU540: Estamos com um alvo na cara, simplesmente isso. E é por isso que nos admiram, nos odeiam e nos amam: somos algo que incomoda e impossível de não ser citado, assim como tudo que é marginalizado.

TRACKLIST: Ao longo dos últimos anos, seu nome tem se tornado cada vez mais conhecido entre o público nacional, com dois discos lançados em colaboração com Kyan e muitas parcerias com artistas do funk e do rap. Com o crescimento de sua popularidade tantos anos após seu primeiro disco, “Música Popular Favelada, Vol. 01”, o lançamento de um álbum ou EP solo está nos seus planos?
MU540: ⁠Eu vou lançar um álbum chamado “4×4”, que vai dizer pra todo mundo que funk é música eletrônica. Estou propondo esse debate: onde que podemos chegar?

TRACKLIST: Além dos vários artistas com quem você já colaborou, você poderia mencionar um nome nacional e um internacional com quem você gostaria de gravar uma parceria?
MU540: Do Brasil, quero muito colaborar com o DJ Marky, que é um DJ lendário da quebrada ali da [Zona] Leste. Foi um dos primeiros quebradas inteligentes e eu amo o trabalho dele, para mim é um patrimônio nacional. E daqui de fora do Brasil, acho que o DJ Lycox ou o Príncipe Ouro Negro (o Rei do Kuduro), porque o Brasil deve muito para o Kuduro.