Quem está atento ao mundo da música, e de toda a indústria do entretenimento em geral, sabe que, quanto mais a vacinação contra a Covid-19 avança ao redor do mundo, mais surgem artistas que são radicalmente contra ou a favor da medida de prevenção à doença. A bola da vez está com o The Offspring, banda reconhecida no meio punk e underground, que expulsou Pete Parada, baterista do até então quarteto, por não aderir à vacina.
Parada, membro oficial do grupo desde 2007, revelou nas próprias redes sociais que tomou a decisão a partir de uma condição de saúde, e que devido ao seu “histórico médico pessoal e o perfil dos efeitos colaterais dessas vacinas”, seu médico não o recomendou a vacinação contra a Covid-19. Parada alega que, por já ter contraído o vírus uma vez, teria a “confiança de que poderia lidar com ele novamente”.
No texto, ele continua a explicação, citando a Síndrome de Guillain-Barré como sua condição pré-existente. A síndrome é um distúrbio neurológico autoimune no qual o sistema imunológico ataca as células nervosas e as defesas do organismo. Os sintomas costumam se apresentar com fraqueza muscular e paralisia nos membros, consequência dos ataques aos nervos. No entanto, possui tratamento e a maior parte das pessoas se recupera da condição.
Esse mesmo distúrbio foi incluído nas possíveis reações adversas na bula da vacina da Janssen, de dose única, mas especialistas afirmam que a ocorrência é rara. Sendo assim, a defesa é de que é muito mais arriscado desenvolver um quadro grave do coronavírus do que desenvolver efeitos colaterais.
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A versão do The Offspring x Pete Parada: como esse “boicote” nos serve de exemplo?
Segundo Parada, a banda alegou que estar próximo dele seria “inseguro, seja no estúdio ou em turnê”. De fato, não é uma mentira. A vacina, ainda que não seja obrigatória em boa parte do planeta, ainda é a forma mais eficaz de lidar com a doença, ao criar uma barreira de imunidade coletiva.
Ao contrário do imaginário popular, não existem medicamentos comprovadamente eficazes contra a reprodução do vírus, apenas para o controle de sintomas (como a febre, dor de garganta e pelo corpo). Aliado a isso, medidas não-farmacológicas, como o uso de máscaras, álcool em gel e o distanciamento social, são as maneiras mais adequadas de “driblar” o contágio enquanto a maioria das pessoas ainda não é vacinada.
Estima-se que, para a reabertura de comércios e da economia em geral, é necessário que, ao menos, 70% da população (de cada país) esteja vacinada. Essa mesma barreira de imunização é a que protege pessoas como Parada e tantas outras, com condições de saúde que as impedem de fazer o uso de determinados medicamentos ou, ainda, participar de planos de vacinação.
Além disso, o fato de existirem vários fabricantes diferentes para uma mesma doença é algo positivo. Afinal, se uma afirma efeitos colaterais, é possível buscar outra mais adequada. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Pfizer já é a vacina mais aplicada na população, com uma bula diferente da Janssen e recomendações específicas. No Brasil, a CoronaVac é a principal, mas há restrições para a Astrazeneca em grávidas. A ciência cresce e evolui disso: testes, acertos e evidências, que resultam em recomendações mais assertivas.
A vacinação é algo que, para nós, brasileiros, não é uma surpresa. Nas últimas duas décadas, o Brasil foi exemplo para o mundo com o seu bem embasado Plano Nacional de Imunização (PNI), organizado pelo Ministério da Saúde, coordenado em conjunto ao Governo Federal. E, com essa boa fama, erradicamos doenças como o sarampo, a varíola e a rubéola. Os nascidos na década de 90, muito provavelmente, têm suas carteiras de vacinação carimbadas e gabaritadas, uma vez que a vacina é apresentada a nós desde a primeira semana de vida.
Essas mesmas doenças, no entanto, estão voltando ao radar e preocupam autoridades médicas justamente por conta de pessoas que, desavisadas e mal informadas, acreditam que há mais riscos nos raros efeitos colaterais do que na própria doença. É válido lembrar, também, essa não é a nossa primeira pandemia. Entre os anos de 2009 e 2010, o mundo lidava com a H1N1, e nós só a superamos graças ao PNI, com dose de reforço todos os anos, sempre gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Movimento antivax cresce entre artistas
A desinformação a respeito de vacinas não é um fenômeno novo, e, sim, crescente ao longo dos últimos anos. Curiosamente, na mesma curva de ascensão da tomada de poder de governos mais conservadores e radicais.
Porém, a luta pela saúde e em defesa da vida vai além da esfera política: alguns artistas, classe social que está intrinsecamente ligada ao progressismo e a defesa da ciência e da arte, também vêm tomando posições contrárias a essa medida de prevenção já provada a mais eficaz.
Recentemente, quem fez barulho por não ser a favor das vacinas foi Eric Clapton. O guitarrista inglês, de 76 anos, reconhecidamente um dos maiores artistas de todos os tempos, alegou que as vacinas são prejudiciais para o sistema nervoso. Ele diz que poderia o fazer deixar de tocar caso fosse pego em alguma reação adversa.
Clapton afirma, ainda, ser contra medidas como o lockdown (o fechamento obrigatório das atividades em determinados locais, como forma de impedir aglomerações). Por conta disso, o guitarrista diz ter perdido amigos, percebendo o desprezo de colegas músicos por suas declarações um tanto confusas, compostas de argumentos falaciosos.
No Brasil, temos alguns nomes que acreditam que vacina no braço e comida no prato são “delírios comunistas”, e muitas pessoas que acreditam que chips foram implementados para um suposto controle da população. Não há qualquer argumento para isso, sendo um insulto à inteligência de seus seguidores. É ainda mais grave, péssimo em um país que perdeu mais de 550 mil pessoas (e contando…) para uma doença que já possui sua vacina. E, aqui, cabe autocrítica: realmente vale a pena dar voz e poder de influência (imputado por nós, seguidores, apoiadores, público pagante) para essas pessoas?
Resumo: quando chegar a sua vez, tome a vacina
Se você está aqui, muito provavelmente sente falta de shows, eventos, meet and greets com seus artistas favoritos. Tudo isso só será possível a partir do momento em que nosso país se tornar um lugar seguro para comportar tais eventos.
Isso só irá mudar por meio de duas atitudes. A primeira, é claro, tomar a vacina quando for a sua vez, sendo de suma importância ficar de olho no calendário da sua região. Acompanhe as redes sociais e os sites oficiais da prefeitura do seu município para acompanhar as datas. E atenção, também, à segunda dose: não perca o prazo indicado na sua carteira de vacinação.
A segunda é difundir ao máximo que a ciência funciona, independente de quem acredite nela ou não. Refutar com evidências e comprovações (tais quais agências de checagem fazem o tempo todo) é importante para criar um discurso uníssono pela vida.
O negacionismo precisa voltar para o lugar de vergonha no qual o pertence. Todos nós estamos cansados, mas é preciso lembrar que ainda estamos aqui, vivos. E queremos continuar assim.