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Review: Clairo aposta em sonoridade dos anos 70 e sinceridade em “Sling”

2021 é aparentemente o ano de mudanças de sonoridades para artistas. Ed Sheeran, Lorde, e, agora Clairo, com o lançamento de seu segundo álbum “Sling”.

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Se comparado com a sonoridade dos seus primeiros EPs e as letras, é quase irreconhecível, o que mostra muito da evolução artística de Clairo. Já no campo pessoal, ela parece muito mais sensível e aberta. Coisas da vida: crescer e ganhar mais um problema psicológico ou emocional. 

Enquanto no EP “diary 001” cantava sobre amores bobinhos e temáticas mais adolescentes com suas próprias produções de quarto com muitos sintetizadores, evoluiu em 2019 com o “Immunity” falando sobre problemas como sua artrite reumatoide, sexualidade e depressão. O álbum contava com produção de Rostam (Vampire Weekend e HAIM) e encaixava bem na caixinha do alternativo, ali próximo de algo meio HAIM. Com “SLING”, Clairo foge um pouco das sonoridades familiares, trabalha com novo produtor e está muito mais vulnerável.

Em entrevista à Apple Music, ela diz que “muito do álbum é sobre se acomodar, ser “de casa” e morar perto da minha irmã. Pensamentos sobre o trabalho que preciso fazer para criar um lugar proativo para criar uma criança, ou apenas só um cachorro”. 

Jack Antonoff, produção e sonoridade

Dessa vez, a sonoridade é praticamente do início ao fim claramente inspirada nos anos 70. Ela fica por conta de Jack Antonoff (mais uma pro clube das mulheres que trabalham com ele!), o que é bastante curioso, uma vez que os trabalhos mais recentes de Jack com cantoras (St. Vincent e Lorde) também tem inspiração nesses anos e foge do pop usual e que você escuta e fica “isso é muito Jack Antonoff”.

Diferente da nova era da Lorde (que está de certa forma no álbum, já que ela aparece nos backing vocals de “Blouse”), por exemplo, o álbum da Clairo parece mais livre e experimental musicalmente. Diria que pega muito de álbuns como o “Yellow Submarine” dos Beatles e de muitas características da sonoridade dos Beach Boys. Os sentimentos que me passam de primeira são de melancolia, mas, ao mesmo tempo, conforto. É um álbum com letras bastante densas se comparadas ao álbum anterior. O piano e violão/guitarra são muito utilizados, chegando às vezes a lembrar um jazz.

Sinto que mesmo sendo mais desacelerado e com inspirações de décadas atrás, ainda tem relação com o dance de Dua Lipa do “Future Nostalgia”. É como se tivesse um gap entre o “Yellow Submarine” e o “Future Nostalgia” e o “Sling” se encaixasse nisso. É como um dance desacelerado em algumas faixas, com um quê de experimental e psicodélico.

Faixas e relações com sentimentos

“Bambi’ e “Amoeba” parecem falar sobre relacionamentos tóxicos. “Bambi” de certa forma me lembra “God Only Knows” dos Beach Boys, mas, melodicamente falando “Amoeba” me pega muito pela forma que o ritmo acelera e certos instrumentos são adicionados quase que imperceptivelmente e dão toda diferença. Fico um pouco com medo de soar ridícula no que vou dizer, mas me lembra muito algo meio Marina Lima em “Fullgas” ou Djavan com “Lilás”.


Uma parte de “Partridge” que acho genial em específico é que os vocais de Clairo desaceleram junto do instrumental e acabam se tornando algo meio arrastado, como se estivessem “derretendo”. Talvez aí comece a aparecer algo mais “Yellow Submarine” dos Beatles. Na parte que ela canta “Comfortable, unmotivated always / Seeking other stories other memories / I’m sorry I have to hold you longer than you expected /It’s only temporary (Confortável, desmotivada sempre / procurando outras histórias, outras memórias / Me desculpe ter que te segurar mais do que você esperava / é apenas temporário)”; que, se você parar pra pensar, faz bastante sentido ter sido colocada justamente nessa parte mais arrastada.


Surpresas com o encaminhamento do álbum

Eu gosto muito da forma que as músicas vão te surpreendendo. Você começa escutando o álbum esperando que as músicas sejam apenas calmas, e aí elas aceleram e você fica “meu deus!!! SIM!!!! ISSO É LINDO”. Acho que a primeira música que tive essa sensação foi em “Zinneas”. A música é mais curtinha e simples, mas quando acelera tem uma guitarra tão linda e só o instrumental dela é de arrepiar.

“Blouse” entra certamente nas minhas favoritas do álbum. Basicamente só com violão e violino e é a música que tem os backing vocals da Lorde. Para além disso, Clairo fala sobre estar sentada em uma mesa cheia de pessoas que trabalham com ela falando sobre música e trabalho e um deles apenas meio que a olha de forma sexualizada. “If touch could make me hear, then touch me now (se o toque puder me fazer ser escutada, então me toque agora)”. Sobre ser mulher e não ter seu trabalho levado a sério. Gosto muito de como ela fala abertamente sobre isso, e junto de outra grande mulher da música.


Encaixes e fundos musicais que poderiam virar musical

Conforme o álbum vai crescendo, eu sinto que ele facilmente poderia se transformar em um musical. Talvez caísse pra fora do comercial de um musical da Broadway, mas seria uma forma bem bonita de representar esse momento específico e tão representável da vida de Clairo. Ainda mais com todos os instrumentos de sopro utilizados no álbum e o tom de voz de Clairo em quase todas as músicas.

Analogias e sinceridades

Em “Harbor”, ela faz muitas analogias e acho todas elas inteligentes e bonitas. “Carried you all the way upstairs / So you can sleep and I can think(te carreguei até o segundo andar, para que você pudesse dormir e eu pensar)“. Como uma forma de falar sobre carregar os problemas que alguém do relacionamento te causa, para que no final a pessoa fique confortável, mas, você que tentou lidar com aquilo, acabe carregando todos aquele peso sozinho. 

“Just For Today” é bem pesada, mas muito sincera. Se a Olivia Rodrigo fala sobre o quão mesquinha ela é e o quanto está triste com sua primeira relação amorosa com deboche, Clairo nessa faixa abre seu coração com uma crueza densa, falando sobre temas como pensamentos de suicídio, sobre estar perdendo tempo da vida com a própria vida e sobre como não pensava que fosse chegar onde chegou. É uma faixa em que lida de cara com sua depressão e pesa na gente, principalmente quando fala da relação mãe e filha e que espera lidar com as mesmas situações com a sua filha quando for mãe. De ter uma filha que também carregue esses sentimentos pesados.

Pausa para respiro

Depois de todo o fôlego que perdemos e o tanto que pensamos com “Just For Today”, somos agraciados com “Joanie”, faixa de pouco mais de quatro minutos puramente instrumental. É quase como um espaço para respiro e acalmar o coração. Não é uma instrumental que dá vontade de pular. Ela tem diferentes fases que te adentram e fazem prestar atenção em cada pequeno detalhe. Tem muitas camadas: guitarras, sintetizadores, vozes distorcidas, piano. Vale a pena escutar essa de fone e aumentar o volume e tentar entrar na viagem que ela é.

Final e reflexões sobre família

“Reaper” já aparece mais calma. É a primeira música que a artista realmente fala sobre o que imagina sobre ser mãe e ter uma família. Assim como as outras músicas finais, “Little Changes” e “Management”, em que despeja suas visões sobre o assunto e fala sobre como a depressão conversaria com tal situação. É meio que como se tentasse resolver e imaginasse em sua cabeça como seria o futuro que atualmente projeta para si, vivendo uma vida mais calma, com uma família e perto da sua irmã.

Conclusão

É um álbum muito bonito tanto nas letras como musicalmente. Te prende do início ao fim na narrativa, e, que talvez possa servir de guia para o que possa ser a vir o próximo álbum da Lorde em questões musicais inspirada nos anos 70. Na minha opinião, é o melhor trabalho de Clairo até hoje e que não se prende em caber em algum espaço ou se limitar; ela se arrisca em novos caminhos e não tem medo de ser vulnerável. Uma evolução muito perceptível e que te faz descobrir coisas bonitas e geniais a cada escutada. Merece todo o reconhecimento que venha a receber. Nota: 9.5/10

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