Até 2013, o mainstream do pop quase sempre apenas falava de temas inacessíveis para a juventude que a consumia. Mas as coisas mudaram naquele ano com o aparecimento de Lorde com “Royals” – cantando sobre como nunca viu um diamante ao vivo, estar contando moedas no metrô para a festa, não gostar da cidade interiorana que vive e não ligar pro “love affair” alheio. Era uma adolescente de 16 anos cantando sobre sua realidade. Lorde começava a abordar as fases da vida.
No mesmo ano, estreou o primeiro álbum “Pure Heroine”, e, em 2017, o “Melodrama”. Ambos falam sobre juventude, mas pontos bem específicos dela. Em agosto deste ano, ela lançará o “Solar Power”. Será que vem aí mais uma era pra se identificar com os pensamentos e sentimentos da atual fase da vida da cantora?
Pure Heroine e a adolescência
“Pure Heroine” é um álbum em que Lorde conta sobre suas primeiras experiências como adolescente no interior da Nova Zelândia. Apesar dessa diferença geográfica, muitos sentimentos acabam batendo. Com batidas que por si só já lembram a juventude (mescla de trap, às vezes com versos mais rápidos lembrando um rap), as letras trazem – às vezes explicitamente, às vezes por referências – sentimentos muito presentes nessa fase. Talvez até mais para o jovem que é deslocado e que se sente diferente dos outros.
Análise das faixas
“Ribs” é uma das músicas que mais me pega. Ela começa falando que seus pais lhe deixaram ficar em casa sozinha e que é muito assustador crescer. O ficar em casa sozinha como algo que mostra responsabilidade, a entrada em uma nova fase da vida. Mais para o final, canta sobre um certo desespero. Estar perdida na juventude, com muitas mudanças, e o querer voltar um pouco atrás para a inocência das coisas. Isso fica ainda mais claro em “você é o único amigo que preciso, compartilhando a cama como criancinhas. Vamos rir até perder o fôlego e nunca será o suficiente”. Como se apenas seu melhor amigo fosse um escape de toda a turbulência que é entrar na fase jovem e encarar descobertas, no qual compartilhar camas já tem segundas intenções e, às vezes, implica em relações vazias.
“Eu nunca me senti tão sozinha, é tão assustador envelhecer,” dando o sentimento que a maioria de nós passa; amigos, às vezes, já não fazem mais sentido, os interesses se tornam outros e nos resta a solidão para lidar com um novo mundo.
“A World Alone”, após falar que “talvez a internet nos criou” e nos deixou meio doidos ou que “talvez as pessoas só são idiotas”, Lorde finaliza o álbum com “deixem eles falarem”. Apesar de todo o caos da adolescência, ter alguém que te entenda anula um pouco o caos, como quando fala que “se sente adulta no carro” com alguém que gosta. Quando é assim, no final, quem se importa?
“Pure Heroine” fala sobre as primeiras experiências ao entrar na adolescência, o uso de entorpecentes, solidão ao crescer, se sentir de fora, não gostar de onde se está, passar perrengues, criar memórias, relações às vezes rasas e ser inconsequente.
Melodrama e o início da vida adulta
Já em “Melodrama”, seu segundo álbum, Lorde acaba abordando uma outra fase: o início da vida adulta – ainda uma juventude, convenhamos. É o acostumar com todas aquelas primeiras experiências da adolescência, se adentrar nelas e não pensar muito sobre. Aceitar que você está em outra fase, ainda ser irresponsável, mas um pouco menos. Perceber que tudo passa muito rápido.
Formas de relações modernas e amadurecimento
Começo passando rapidamente pela faixa “The Louvre”. Em um dos versos, ela canta: “eu analiso demais as suas pontuações”. Vai dizer que você nunca achou que a pessoa que você gosta estava esquisito com você só pela pontuação da mensagem? Chamo atenção para quatro faixas: “Liability”, “Hard Feelings/Loveless”, “Sober II” e “Perfect Places”.
A primeira fala sobre o enjoar rápido nos relacionamentos, o perder a graça e se sentir um fardo; que jovem nunca? Já “Hard Feelings/Loveless” são quase 2 em 1; é sobre a irresponsabilidade afetiva, rapidez de relacionamentos e o guardar rancor; a dualidade de sentimentos de um processo de término. Quem quer se comprometer tendo o Tinder em mãos?
“Sober II” traz uma conexão interessante com o “Pure Heroine” e uma possível maturidade: se em “Glory and Gore” Lorde cantava sobre “deixar os copos caírem apenas para vê-los quebrarem”, como uma metáfora para querer ver o caos acontecer, nessa ela canta “como a noite passa rápido limpando os copos de champanhe”, como se a consequência do caos chegasse e precisasse lidar com aquilo.
E finaliza o universo da juventude com “Perfect Places”; todas as noites, se morre e se vive um pouco, se fica bêbado pra parecer mais interessante, se encontra uma pessoa diferente pra matar vontades – e é só mais uma noite sem graça. Se continuarmos sendo ditos o que fazer, vamos enlouquecer; tentamos achar o lugar perfeito, mas o que é um lugar perfeito?
São questionamentos típicos de um jovem no limbo entre os millenials e geração Z. Muitos de nós abraçamos os dois álbuns da neozelandesa pelas semelhanças com nossas vidas nessas diferentes fases. Mas o que deveremos esperar do novo álbum “Solar Power”?
Futuro com seu terceiro álbum, “Solar Power”
Até agora, apenas “Solar Power” foi lançada oficialmente, e, surpreendentemente, é uma música bastante positiva. Algumas teorias baseadas no clipe apostam num lado mais escuro do álbum, ainda mais com a parte em que lixos aparecem na areia e ela tenta mudar a câmera pra algo positivo.
Já se fala em conexões com o “Melodrama”, já que em “Liability” ela diz que “vocês verão eu desaparecer no sol” e volta com a “força solar”. De spoiler, em uma das fotos de um encarte de uma versão do álbum, que será lançado em 20 de agosto, aparecem as letras de “The Path”:
“Agora, se você está procurando por um salvador, bem, essa não sou eu / Você precisa de alguém para tirar a sua dor? / Bem, essa não sou eu / Porque todos estamos partidos e tristes / Onde estão os sonhos que tínhamos?”
Realmente parecem confirmar a teoria de um lado obscuro do álbum.
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Opiniões e apostas para a nova fase de Lorde
Uma jornalista do The Guardian já escutou metade do álbum e diz que há inspirações tanto de Nelly Furtado quanto de Crosby, Stills & Nash. O que parece exatamente com uma confusão de alguém com 24 anos – talvez um pouco menos confusa que a gente, já que, afinal, mundos diferentes. Ainda segundo ele, em conversa com a cantora, diz que ele tem sua parte triste, cheia de inseguranças. Lorde rebate “Não acho que é triste. Esse tipo de busca, não ter certeza que escolhi o caminho certo e me sentir sozinha, eu não vejo isso como permanente ou ruim. (…) Talvez seja triste, mas eu estou muito confortável nos períodos de limbo, ou tempos que estou com medo ou vulnerável.“
É interessante ver essa tentativa de abraçar o desconfortável e fazer tudo isso longe de redes sociais. Acho que seria impossível ser um álbum completamente normie ou feliz com letras como em “The Path” ou uma faixa chamada “Stoned at the Nail Saloon”. Ou seja, se você tem a partir dos seus 20 anos, é bem provável que com pelo menos alguma música do novo álbum você vai se identificar.
Das opiniões e informações que temos até agora, Lorde parece continuar a nos abraçar nas atuais fases de nossas vidas. Com certa esperança de um futuro: estamos crescendo e virando adultos de fato, e deve haver uma estabilidade em algum lugar. Mas no fundo, no fundo, parece tudo estar perdido e haver tamanho descontentamento com as coisas que tem acontecido. Meio que aquela coisa: no fim de semana a vida parece ser linda e toda sob controle, mas, nos dias úteis, você não tem fé na humanidade. Ainda assim, há uma esperança de achar um mínimo conforto e felicidade no meio do caos.