As mulheres na indústria musical enfrentam inúmeros problemas, essas dificuldades as impedem muitas das vezes de alcançar a igualdade entre os demais artistas masculinos em setores como números em premiações e charts. Além desses, cabem a elas um obstáculo maior no quesito reconhecimento não só da indústria e seus líderes, mas como também pelo público, que costumam estabelecer rivalidades, padrões de beleza e questionamentos acerca de suas artes.
Aviso de gatilho: a matéria aborda temas sensíveis como abuso sexual, verbal e psicológico.
Por: Mariana Alves e Soraia Joffely
A cantora Britney Spears é um exemplo digno para compreender o efeito que o assédio e o machismo têm sobre as mulheres, já que sua jornada musical pela indústria é vitima há décadas da misoginia protagonizada pela mídia e pelas grandes lacunas que operam a indústria musical.
Em virtude dessa problemática que atua na vida profissional e atinge diretamente o psicológico e emocional das mulheres, explica-se por meio de estudos o processo e o impacto que essas ações geram na carreira e na subjetividade de cada artista.
Estudo comprova que os problemas na indústria atingem as mulheres de maneira machista e sexista
A Annenberg Inclusion Initiative da USC publicou um estudo que destaca a falta de melhorias no ambiente musical para as mulheres de acordo com os últimos nove anos. Conforme o resultado, a pesquisa pontua que “as mulheres eram 21,6% de todos os artistas nas paradas de fim de ano da Billboard Hot 100 nos últimos nove anos e representavam apenas 20,2% dos artistas nas paradas em 2020.”
Tendo em vista esse preocupante e nenhum pouco significativo número para as cantoras da fonografia, surgem questionamentos a respeito dessa conclusão. Por que não há melhoria para essa comunidade mesmo com a eclosão do feminismo pop, o advento de movimentos como #MeToo e Time’s Up e o andamento de ações afirmativas que visam a equidade deste gênero nos espaços?
Dessa forma, a Be The Change: Women Making Music In 2021, um estudo realizado pela empresa de análise de mídia e tecnologia MIDiA, informa o resultado obtido através de uma pesquisa feita com 401 profissionais da música em todo o mundo e que chegou a conclusões importantes sobre esse percentual.
Ausência de reconhecimento e a objetificação do sexo feminino
Lançado na quinta-feira (25 de março), a primeira conclusão que se teve foi que “as expectativas de gênero distorceram o reconhecimento e a recompensa na indústria da música“, já que 81% das entrevistadas reportaram que o caminho para o reconhecimento é muito mais difícil do que para os homens na indústria. Bem como, quase dois terços terem declarado que o assédio sexual ou a objetificação é uma problemática pertinente.
Sendo assim, o estudo definiu esse caso como “de longe o problema mais citado”, pois ele afirma que essa objetificação e sexualização “são uma consequência (ou sintoma) da dinâmica de poder desequilibrada”, visto que se designa a partir do preconceito de idade (relatado por 38% das mulheres entrevistadas), falta de acesso a recursos da indústria dominada por homens (36% ) e menor remuneração (27%).
Entre outros fatores, a criação da competição entre artistas femininas e as ações de falas voltadas como soluções para o problema são pontuadas como questões-chave encaradas pelas mulheres na música. Isso levou a conclusão a crer que essas batalhas são “sintomáticos de questões mais profundas da dominação masculina sistêmica que permeiam as atitudes e comportamentos da indústria“, uma vez que 90% declaram vivenciar tal preconceito durante suas carreiras.
Logo, acredita-se também por 84% das mulheres entrevistadas que o papel principal nas tarefas parentais ainda é um cargo que a sociedade crê ser destinados às mulheres e que a indústria fonográfica privilegia as jovens artistas, o que é “em parte um sintoma da obsessão juvenil da indústria, mas também para que as mulheres se tornarem bem-sucedidas antes de se presumir que decidam assumir o papel da maternidade.”
A solução proposta pelas entrevistadas
O desfecho para beneficiar o gênero feminino na fonografia deve vir “de dentro das organizações e dos líderes da indústria da música por meio da diversidade, políticas e cultura“, segundo as expectativas estabelecidas pelas mulheres. Afinal, 42% declaram ser esse o melhor método para estimular as mulheres a ingressar na indústria. Enquanto isso, 38% das produtoras musicais afirmam querer ver essa modificação como solução na legislação e 35% alegam que a melhor e mais eficaz forma seria programas de mentoria em que as mulheres trabalham com outras mulheres.
Artistas que já falaram sobre os problemas na indústria
1. Britney Spears
Como já mencionada, a cantora pop, Britney Spears, é um modelo fundamental para que se possa entender a dominação do patriarcado na vida de uma artista ao longo dos anos em que serve a indústria. Assim, estreando ainda muito jovem no setor musical, Spears experimentou desde pequena o clima punitivista que sentencia as mulheres no âmbito profissional.
Diante do fatídico ano de 2007 em que se viu à beira de um surto potencializado pela imprensa e o entretenimento, a intérprete de “Toxic” vem vivenciando situações que tiraram dela o controle dos seus próprios bens e direitos. Atualmente, sobre a tutela de seu pai, James Spears, a vida da artista eleva a discussão do machismo na indústria musical a outro nível, já que James é totalmente responsável pelas decisões relacionadas à vida da filha.
Agora, como isso se deu? Britney sempre fora alvos de comentários machistas culminados no sexismo e objetificação. Em frente as câmeras perguntas feitas a ela como “você é virgem?” eram comuns, e assim, aos 19 anos, muito da sua caminhada foi permeada pelas táticas engessadas na misoginia.
Então, como qualquer outro ser humano, a artista não suportou, e em meio a um divórcio conturbado, a perda da guarda do seus dois filhos e a massiva exposição da sua imagem financiada pela indústria e a mídia, a vida de Britney Spears se tornou completamente dependente do seu pai, que aproveitou da complexa situação para deter de poder sobre a própria filha.
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2. Kesha
Kesha é uma das artistas que há anos vem sofrendo com abuso sexual e as consequências dele. Em 2014, ela entrou com uma ação contra Dr. Luke, produtor musical com quem a cantora trabalhava desde os 18 anos. No processo, ela diz que foi abusada sexual, física, verbal e psicologicamente, para que pudesse ter total controle sobre ela e sua carreira.
Kesha sofreu com os abusos por 10 anos, desde que assinou o contrato aos 18. Ela conta ainda que ele a obrigava a ingerir álcool e outras substâncias, para ‘se soltar’. O produtor, por sua vez, alega que as acusações foram feitas apenas para que ela pudesse quebrar o contrato.
A história mobilizou muitas pessoas e artistas que mostraram apoio a Kesha. Porém, mesmo assim, muita gente ainda hoje não acredita na cantora, incluindo a própria justiça americana. Ela perdeu a primeira disputa e teve que continuar a cumprir o contrato com Lukasz Gottwald.
Após 5 anos de batalha judicial, em 2019 Kesha decidiu retirar as acusações do processo que tinha aberto na Califórnia. Entretanto, continua a lutar pelos seus direitos com um processo em Nova York.
Nas redes sociais, o movimento #FreeKesha é recorrente, com fãs e o público geral exigindo que a cantora consiga se livrar do contrato com Dr. Luke.
3. Taylor Swift
Taylor Swift também é um grande nome da indústria que usou sua voz para falar sobre os problemas enfrentados pelas mulheres na música.
A cantora foi vítima de abuso sexual durante um Meet & Greet em 2013, ao tirar uma foto com o DJ David Mueller. Ela decidiu processá-lo e, por algum tempo, o processo correu sob segredo. Porém, quando o juiz decidiu torná-lo público, a cantora decidiu falar sobre. No depoimento, Taylor disse que se sentiu atordoada e violentada pelo DJ, que ergueu seu vestido e a apalpou sem sua permissão.
Mais tarde, em entrevista a revista Time ela deixou também uma mensagem para as fãs e qualquer pessoa que já tenha sofrido qualquer tipo de abuso. “A sociedade faz com que essas coisas pareçam tão ocasionais. Meu conselho é que você não se culpe e não aceite a culpa que os outros tentarão colocar em você.”, ela disse.
Taylor ganhou o processo e o David Mueller foi condenado a pagar uma indenização simbólica de 1 dólar, para mostrar que a motivação não era financeira, e sim, usar sua voz para denunciar o ocorrido.
4. Lady Gaga
Lady Gaga é também uma voz ativa nessas questões. Aos 19 anos, ela foi abusada repetidas vezes por um produtor 20 anos mais velho que ela. Desde então, ela já falou sobre o assunto diversas vezes, para dar apoio a mulheres que também foram vítimas.
Em 2018, Gaga foi homenageada no evento “Women In Music”, da revista americana Elle. Em seu discurso, ela falou sobre como lidou com a situação: “Ninguém me guiou ou me estendeu a mão para me levar a um lugar que eu sentisse que houve justiça. Esses homens se esconderam porque eles estavam com medo de perder seus poderes. E por causa disso, eu comecei a me esconder”, ela desabafou.
Em entrevista a Oprah Winfrey ela contou sobre as consequências do abuso na vida dela. Ainda hoje, a cantora sofre com dores crônicas e estresse pós-traumático devido ao episódio.
Ela constantemente chama atenção para a importância do cuidado com a saúde mental e a necessidade de oferecer suporte para vítimas de abuso sexual.
Lady Gaga foi, inclusive, uma das artistas a sair em defesa de Kesha, testemunhando a favor da cantora.
5. Demi Lovato
Demi Lovato revelou recentemente, no seu novo documentário ‘Dancing With The Devil’ que foi abusada ainda muito jovem em sua carreira.
Quando tinha 15 anos, ela foi abusada sexualmente por um ator que contracenava com ela em um filme da Disney. Demi conta que disse a ele que não queria continuar, mas foi forçada.
Ela disse que conversou com o diretor do filme com o objetivo de incentivar que outras pessoas que estivessem sofrendo o mesmo pudessem falar sobre também. Entretanto, nada foi feito a respeito. O abusador não sofreu nenhum tipo de punição e nem mesmo foi afastado do filme.
Ela relatou ainda um novo abuso, no dia em que teve sua overdose em 2018. Assim, ela encoraja também outras mulheres da indústria a darem os seus relatos e falar abertamente sobre os diversos problemas enfrentados.