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Opinião: As maratonas da Netflix estão com os dias contados?

O modelo de lançamento da empresa ajudou a popularizar suas séries, mas pode não ser mais a melhor forma de oferecê-las ao público

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Foto: Divulgação

A popularização dos serviços de streaming pelo mundo na última década chacoalhou o mercado de televisão e abriu diferentes possibilidades para as produtoras explorarem seu conteúdo. A Netflix, a maior sensação dessa nova era, foi a primeira a se tornar uma febre global e passou a investir em seus próprios lançamentos, o que a consolidou como a principal novidade dos últimos anos.

Além de oferecer uma forma mais dinâmica e fácil para assistir filmes e séries, as obras originais da plataforma, como “Stranger Things”, “Round 6”, “Bridgerton” e tantos outros sucessos de audiência, tornaram-se um atrativo à parte para os assinantes. Porém, ao invés de seguir o modelo de lançamentos semanais, a empresa decidiu optar por liberar suas séries na íntegra, com todos os episódios disponíveis para os usuários.

Por muito tempo, as maratonas da Netflix foram uma marca registrada do serviço e responsáveis por mobilizar milhares de usuários a acompanhar suas séries. Os lançamentos tomavam as discussões nas redes sociais e ajudavam a popularizá-los ainda mais, permitindo ao público a consumir histórias inteiras de uma só vez — um método também chamado de binge watching.

Entretanto, o formato ficou ultrapassado ao longo dos anos recentes — não apenas para os consumidores, mas também para os produtores. Ao mesmo tempo que as maratonas se tornaram mais exaustivas, a pressão por números imediatos tem ditado o rumo de muitas obras dentro da Netflix, o que tem feito o serviço ficar para trás e pode obrigar a empresa a se readequar dentro do mercado de streaming.

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O começo de uma crise para a Netflix

Em maio, a quarta temporada de “Stranger Things” foi ao ar com expectativas enormes por parte do público depois de dois anos. A ansiedade se traduziu em seus números: a série registrou o maior lançamento da história da Netflix, com mais de 287 milhões de horas assistidas mundialmente em seu primeiro fim de semana disponível no catálogo.

O sucesso gigantesco de “Stranger Things” é o melhor resultado que a Netflix já obteve com suas obras originais, não apenas pelas estatísticas avassaladoras, mas sobretudo pelo impacto que a série teve na cultura pop. Porém, a fama de seu principal produto hoje esconde alguns dos vários problemas que a empresa tem enfrentado com suas demais produções.

No início desse ano, o serviço registrou sua primeira queda no número de assinantes em uma década, o que parece ter impactado diretamente nas decisões da empresa sobre o seu próprio catálogo. Além do encarecimento dos planos de assinatura oferecidos nos últimos tempos, muitos projetos têm sido abandonados, o que tem gerado muitas dúvidas sobre o futuro de seus negócios.

Foram várias as obras originais da Netflix que foram canceladas antes de serem finalizadas. Ao todo, a empresa já descontinuou 81 de suas produções, e certamente você deve se lembrar de alguma delas: “Sense8”, “One Day At A Time”, “The OA”, “The Get Down” e “O Mundo Sombrio de Sabrina” foram apenas algumas das séries cortadas pela empresa, mesmo com uma base sólida de espectadores e com reconhecimento da crítica.

Um caso recente que ilustra bem a situação é a renovação de Sandman. Apesar de seu sucesso entre os fãs de Neil Gaiman, a série, cuja produção custou milhões de dólares à Netflix, ainda não teve uma segunda temporada confirmada porque os usuários não estão a assistindo tão rápido, como revelou o próprio escritor em suas redes sociais. 

Os cancelamentos têm acontecido por diferentes razões, seja pela falta de audiência ou de lucros. Esse quadro, porém, reforça a pressão sobre os diretores para criar obras que sejam consumidas rapidamente e gerem resultados imediatos para a empresa, o que afeta diretamente a liberdade criativa e, por consequência, o resultado final.

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Foto: Divulgação/Netflix

Por que abrir mão das maratonas?

Uma mudança no formato e na estratégia de lançamentos pode ser benéfica para ambos os lados por vários motivos. Ante à uma concorrência cada vez maior, é necessário que a Netflix saiba reinventar o modelo que ela mesma popularizou.

Por um lado, as maratonas ajudam a popularizar os lançamentos da plataforma de forma muito rápida. Séries como “Round 6” e “La Casa de Papel” se tornaram verdadeiras febres entre o público por serem assistidas, comentadas e espalhadas em poucos dias.

Em contrapartida, o mesmo modelo também desperdiça o potencial que séries mais esperadas pelos espectadores têm de gerar conversas e serem discutidas. As últimas temporadas de “Stranger Things”, por exemplo, foram muito faladas em suas primeiras semanas disponível na Netflix, mas a repercussão decaiu com o passar dos dias.

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Foto: Divulgação/Netflix

A estratégia da empresa em dividir a quarta temporada em duas partes reflete essa preocupação com o impacto da série. Com uma duração maior que os demais, os dois últimos episódios foram lançados depois de mais de um mês, o que manteve o suspense do público sobre a trama e deu à obra um novo impulso na internet. Entretanto, a comoção poderia ter sido muito maior seguindo um modelo que aproveitasse melhor as expectativas da audiência.

Caso os episódios fossem lançados semanalmente, o que é normalmente feito em outros serviços, as pessoas não só conversariam sobre eles por um maior período de tempo, mas também digeririam melhor os acontecimentos de cada capítulo. Além disso, ao segurar os espectadores por mais semanas, a Netflix também os obrigaria a manter suas assinaturas até o fim da temporada, o que ajudaria a conter os cancelamentos.

Apesar das séries sempre terem sido lançadas dessa forma na televisão, o streaming mudou drasticamente as maneiras de assisti-las. Entretanto, na medida que as emissoras tradicionais de TV passaram a conquistar seu espaço como concorrentes da Netflix e se adaptado ao streaming, o “binge watching” tem perdido sua força aos poucos em meio a outros lançamentos.

House Of The Dragon”, série derivada de “Game Of Thrones” e principal fenômeno da internet no momento, é o exemplo ideal para retratar como os lançamentos semanais podem se sair melhor. Os episódios são liberados na HBO Max todo domingo, às 22h, e sempre são recebidos com uma repercussão enorme nas redes sociais, consolidando-se como um dos principais assuntos do fim de semana desde a sua estreia — e assim continuará sendo até o fim da temporada.

Estima-se que 10 milhões de pessoas assistiram simultaneamente, seja pelo canal da HBO ou pelo HBO Max, ao primeiro capítulo da série em todo o mundo logo após ir ao ar, o que a consagrou como a maior estreia da história da emissora. Além de reunir uma enorme audiência para acompanhar os capítulos ao mesmo tempo toda semana, o formato também permite que os espectadores tenham o prazer de dividir suas reações juntos, sem entrar em uma corrida para decidir quem termina uma série primeiro do que o outro.

As demais produções da HBO, como “Euphoria”, “Succession”, “Westworld” e várias outras, também seguem o mesmo modelo, assim como tem acontecido com as obras do Amazon Prime Video. “O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder”, nova série do serviço lançada em agosto, tem sido o seu principal produto nas últimas semanas; o episódio de estreia foi visto por 25 milhões de usuários pelo mundo nas primeiras 24 horas disponível.

Foto: Divulgação/Netflix

A Netflix vai desistir das maratonas?

Com um modelo de negócios em queda, tanto quanto aos seu assinantes quanto aos seus produtos, surgiram rumores sobre a Netflix estar cogitando mudar o seu formato de lançamento para se manter na liderança do mercado. Dessa forma, espera-se que a empresa passe a disponibilizar as suas principais séries semanalmente ao invés de liberá-las na íntegra.

Algumas das produções da Netflix, na verdade, já são lançadas de acordo com esse modelo. É o caso de alguns doramas coreanos e, principalmente, de “Better Call Saul”, spin-off de “Breaking Bad” que chegou ao fim esse ano com grandes audiências e enorme aprovação por parte do público. A decisão para seguir esse método, porém, partiu da AMC, emissora responsável pela série, e não somente da Netflix.

Fato é que, em algum momento, a Netflix será obrigada a promover mudanças caso queira seguir no topo. Hoje, os planos oferecidos são muito caros em relação às plataformas concorrentes, e suas produções originais, apesar de serem feitas para instigar os espectadores a assisti-las de uma só vez, podem não ser mais suficientes para justificar gastos que sejam tão maiores do que uma assinatura da HBO Max ou do Amazon Prime Video, por exemplo.

A experiência de se acompanhar uma série mudou muito nos últimos anos, e a empresa foi uma das principais responsáveis por isso com a popularização das maratonas. Porém, assisti-las exaustivamente pode não ser mais a melhor forma para os espectadores consumi-las, nem para as produtoras oferecê-las —  e, acima de tudo, para a Netflix se reeguer.

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