A última década marcou o início de uma nova era para a televisão. O surgimento do streaming e um investimento cada vez maior em produções audiovisuais não só revolucionou as formas dos fãs assistirem séries e dos criadores imaginá-las, como também estabeleceu um novo patamar com o lançamento de verdadeiros fenômenos de público e crítica.
Sucessos globais como “Breaking Bad” e “Game of Thrones” transformaram os padrões de qualidade em todos os sentidos, elevando as exigências para as demais séries em níveis altíssimos que, até hoje, parecem jamais terem sido alcançados novamente. Desde que ambas chegaram ao fim, nenhum outro lançamento teve a mesma comoção ou foi recebido com tamanha unanimidade, deixando um espaço vazio por muito tempo.
Em busca de roteiros tão complexos e produções tão perfeccionistas, tornou-se muito mais difícil criar novos universos para a televisão e conquistar o público com a mesma paixão. Entretanto, nos últimos anos, uma nova tendência tem se tornado cada vez mais clara: ao invés de imaginar mundos e histórias do zero, o plano tem sido reexplorar sagas já conhecidas.
Com a praticidade do streaming e maiores orçamentos, muitas séries derivadas ganharam espaço e têm ditado o que parece ser o caminho para as produtoras: dissecar histórias paralelas para se reaproximar dos fãs antigos. Somente nos últimos meses, “Breaking Bad” e “Game of Thrones” voltaram a ser discutidas nas redes sociais graças aos seus spin-offs, responsáveis por reacender o interesse do público e também apresentá-las para novas gerações.
O futuro das grandes sagas do cinema também não está muito distante dos spin-offs. Na semana que vem, será a vez de “O Senhor dos Anéis” ganhar a sua própria série derivada, com uma nova história e um orçamento multimilionário para recriar a Terra Média; a Disney, que tem construído um império com franquias como Marvel e Star Wars, também tem levado seus personagens para o streaming, permitindo explorá-los com maior cuidado e profundidade na televisão.
São tempos completamente novos para a indústria, com possibilidades ainda maiores para as produtoras contarem suas histórias e fomentarem seus produtos. O formato de spin-off tem se consolidado por meio de números expressivos de audiência, lucro e interesse, mas será que ele realmente veio para ficar?
O impacto do streaming na indústria
Há apenas alguns anos, seria inimaginável pensar na criação de obras derivadas com tamanho investimento e alcance. Não apenas a indústria cresceu comercialmente, como também se expandiu para novos meios, sobretudo o streaming, o que revolucionou a forma de se produzir, divulgar e consumir filmes e séries como um todo.
A popularização de plataformas como a Netflix, o Amazon Prime Video, o HBO Max e o Disney+ trouxe vários prós e contras para os consumidores e para as empresas. Ao mesmo tempo que assistir aos nossos conteúdos preferidos se tornou mais prático do que nunca, a pressa para produzi-los em massa e rapidamente também se intensificou por parte dos estúdios.
Porém, o mercado do streaming funciona de modo único: as produtoras não só precisam continuar trabalhando em novos projetos frequentemente, mas também devem seguir a qualidade de suas obras para manter sua base de assinantes sem interferir no preço dos planos.
Esse tem sido o principal desafio para a Netflix, por exemplo, que tem visto o número de usuários decair enquanto várias séries originais têm sido canceladas e os valores das assinaturas sobem. Em contrapartida, o Amazon Prime Video e o HBO Max têm oferecido planos mais acessíveis e investido milhões em produções exclusivas, o que tem atraído cada vez mais assinantes e aumentado sua visibilidade.
Após o fim de “Game of Thrones”, a HBO sofreu por anos para repor seu principal produto e atingir os mesmos números que alcançaram com a última temporada da série. Ainda que a emissora sempre tenha sido referência na produção de suas obras originais, faltava o apelo para o grande público retornar aos seus serviços — e a solução foi, justamente, voltar para Westeros.
A febre do spin-off
No último dia 21, “House of the Dragon”, que se passa um século antes de “Game of Thrones”, estreou na HBO com a maior audiência da televisão em 2022 até então e quebrou recordes pelo mundo. Nos Estados Unidos, a série registrou um pico de 2,6 milhões de espectadores simultâneos e também foi o maior lançamento de vários países no HBO Max, serviço de streaming da emissora.
Os números não só destacam a enorme popularidade de “Game of Thrones”, como também ressaltam um elemento em comum entre os fãs da saga: as saudades de mergulhar em seu universo. Trata-se de um sentimento recorrente entre os públicos de muitas outras séries já finalizadas, e que passou a representar uma grande oportunidade para as produtoras explorarem e lucrarem.
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Contudo, depois de um final tão controverso e decepcionante para muitos, o cuidado foi redobrado pela HBO para criar uma nova adaptação. A produção da série é liderada por Ryan Condol e Miguel Sapochnik, conhecido por ter dirigido alguns dos principais episódios de “Game of Thrones”, e também tem George R. R. Martin, escritor de “As Crônicas de Gelo e Fogo”, creditado como cocriador.
Mesmo após um final tão controverso e decepcionante para muitos, a grande maioria dos fãs se reuniram para assistir “House of the Dragon” e, sobretudo, voltaram a exaltar a obra de George R. R. Martin. O cuidado com a série foi redobrado pela HBO para atrair o público de volta, com o envolvimento direto do escritor em decisões sobre a história e o elenco, além de escalar Ryan Condol e Miguel Sapochnik, diretor de alguns dos principais episódios de “Game of Thrones”, como showrunners.
Os spin-offs podem representar uma segunda oportunidade para as produtoras reconquistarem o público, o que pode ser uma de suas maiores vantagens. As obras derivadas, porém, não têm apenas o objetivo de reparar estragos ou dar novas chances, mas também reviver sucessos e proporcionar reencontros. Em 2015, “Better Call Saul” foi ao ar na Netflix dois anos após o aclamado fim de “Breaking Bad” com esse objetivo, tendo como grande destaque o advogado Saul Goodman, um dos personagens mais populares entre o público.
A série foi criada por Vince Gilligan, o mesmo diretor responsável por “Breaking Bad”, e acabou por seguir o mesmo caminho. Nas primeiras temporadas, o spin-off não foi recebido com o mesmo fervor pela audiência, ainda que desse um fim à ressaca dos fãs; porém, a série melhorou progressivamente com o passar dos anos e chegou ao seu auge na reta final da trama.
Depois de cinco temporadas, “Better Call Saul” chegou ao fim na semana passada com enorme aprovação do público e da crítica, criando uma conexão própria com os fãs e, inclusive, sendo comparada à grandeza de “Breaking Bad”. A série é um excelente exemplo de como dar continuidade à uma história de sucesso e agregar ao seu universo, reforçando o seu legado e estabelecendo seu próprio espaço.
Como consequência, os números acompanharam o investimento. O último episódio da série se tornou o seu mais assistido em poucas horas, reunindo 1,8 milhão de espectadores apenas no dia de estreia — um dado impressionante, considerando que se trata de uma produção exclusiva da Netflix e não foi reproduzida em outras emissoras, como acontece com outras obras.
Mantendo-se por sete anos no ar, “Better Call Saul” pode ser vista como uma das primeiras experiências spin-off de sucesso, provando como histórias paralelas podem alcançar uma vida útil longeva e dar retorno às produtoras. Depois de apenas um capítulo, “House of the Dragon” também foi renovada para uma segunda temporada, o que pode marcar o início de mais uma longa história para a televisão.
O ressurgimento de grandes sagas
Além de obras mais recentes, os spin-offs também passaram a ser uma oportunidade para algumas das sagas mais conhecidas do cinema. Em 2017, a Amazon anunciou a produção de uma série derivada de “O Senhor dos Anéis”, com um orçamento milionário próximo ao de “Game of Thrones” e a promessa de reviver as grandes aventuras da Terra Média em uma nova era audiovisual.
“O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder” tem a estreia agendada para o dia 2 de setembro e já tem sido cercada por enormes expectativas. Dar sequência à uma franquia de tamanha importância para o cinema e com uma história enorme na literatura será, talvez, o maior desafio que a Amazon já se comprometeu, mas pode representar um marco em diferentes aspectos.
Além de ter a chance de consolidar o Amazon Prime Video como uma referência na produção de filmes e séries, como se tornaram a Netflix e a HBO, a série pode ser o exemplo definitivo de sucesso dos spin-offs entre os grandes blockbusters — e, possivelmente, a porta de entrada para tantas outras sagas embarcarem nessa nova tendência.
Detentora de várias das maiores franquias do cinema, a Disney já tem migrado suas histórias para o streaming de maneira gradual. Após uma nova trilogia de “Star Wars”, encerrada em 2019, a empresa tem investido na criação de séries com o objetivo de expandir o universo da franquia e explorar alguns dos mais populares ícones dos filmes, como Obi-Wan Kenobi e Boba Fett, e também introduzir histórias inéditas, como fez tão bem “The Mandalorian”.
O universo cinematográfico da Marvel, talvez o maior império de bilheteria da história, também tem se aproveitado do streaming para introduzir novos personagens e reapresentar outros. Desde o ano passado, foram oito séries lançadas no Disney+, além de outros 14 projetos já anunciados para os próximos anos — descartando ainda as novas temporadas de algumas dessas produções, como “Loki” e “What If…?”.
O formato spin-off veio para ficar?
Os spin-offs são vistos com tanto carinho pelos fãs que também se tornaram um atrativo único para os serviços de streaming. Não à toa, vivemos em uma época de intensa disputa por direitos autorais para a produção de adaptações visuais entre as principais plataformas, já que a procura por séries derivadas tem gerado novas assinaturas somente para assisti-las.
Cada um dos spin-offs citados ao longo do texto é exclusivo de uma plataforma: “Better Call Saul” foi lançada na Netflix, “House of the Dragon” na HBO Max, “Os Anéis do Poder” no Amazon Prime Video e as séries da Marvel e de Star Wars no Disney+. A demanda por conteúdos exclusivos tem acelerado a corrida por marcas populares e, consequentemente, tem feito várias delas ressurgirem.
Não é possível dizer com certeza se essa febre pode prejudicar a popularização de novas histórias em um longo prazo, já que as séries derivadas certamente receberão uma atenção maior dos estúdios e um investimento maior em produção e divulgação. Trata-se de um planejamento que precisa ser feito com cautela pelos serviços, para valorizar os seus próprios conteúdos e não saturar o seu calendário de lançamentos.
Daqui pra frente, entretanto, os spin-offs serão cada vez mais comuns na televisão como um meio para atingir novos públicos e renovar a procura por sagas populares. Por outro lado, a produção de séries derivadas também tem seus riscos e, principalmente, segue várias exigências por parte dos fãs.
Diante de materiais tão queridos como base, é necessário que os estúdios saibam honrar o tamanho da marca e adaptá-la com cuidado quando criarem uma nova história. A responsabilidade de produzir um spin-off é proporcional à popularidade do filme ou série original, do mesmo modo que a repercussão, positiva ou negativa, será maior nas redes sociais e na internet.
“Better Call Saul” é um excelente exemplo de como se manter fiel à obra original, preservando a essência de “Breaking Bad” ao trabalhar com a mesma equipe e, naturalmente, sendo aclamada pelo mesmo público. “House of the Dragon” tem seguido o mesmo caminho, e ao que tudo indica, pode ser tão bem-sucedida em audiência e na crítica como foi “Game of Thrones”.
Como fãs, o que nos resta sempre será torcer para que as séries recebam esse cuidado para serem produzidas e correspondam às promessas. Com a popularização dos spin-offs no futuro, provavelmente vamos nos decepcionar com algumas obras e vibrar com outras como sempre foi, mas com expectativas ainda maiores e, por consequência, frustrações e alegrias igualmente mais fortes.