Hoje (30), completam 20 anos do estrondoso álbum “Is This It”, do The Strokes. O disco de estreia da banda norte-americana foi lançado primeiramente na Austrália – saiu no Japão em 22 de agosto, no Reino Unido em 27 de agosto e nos Estados Unidos, apenas em 9 de outubro de 2001.
Considerado a “salvação do rock” em um momento de “renovação” do gênero em um mundo pós-Nirvana, “Is This It” fez barulho, conquistou público e mídia – a revista NME, por exemplo, classificou-o como o melhor álbum da década de 2000 – e influenciou toda uma geração de bandas similares, como Arctic Monkeys, Franz Ferdinand, Kings Of Leon e The Libertines.
A explosão não veio do nada. Julian Casablancas, Fabrizio Moretti, Albert Hammond Jr., Nick Valensi e Nikolai Fraiture lançaram, em janeiro de 2001, o EP “The Modern Age”, com três músicas que seriam futuramente incluídas em “Is This It”: “The Modern Age”, “Last Nite” e “Barely Legal”.
O som sintetizador, estiloso e “sujinho” do quinteto, primeiramente inspirado em nomes como Bob Marley e Guide By Voices, chamou atenção de jornalistas e de toda uma geração antenada na cena musical ao redor do mundo. Explodiram primeiramente no Reino Unido, até os Estados Unidos repararem nas pratas da casa e no potencial que tinha ali. Seis meses depois, mais precisamente em sete semanas de gravação, nascia o disco de estreia da banda, que bebeu da fonte de ícones também nova-iorquinos, como The Velvet Underground.
O resto é história. O mundo caiu nas graças do conceito retrô, das guitarras distorcidas, dos potentes vocais rasgados de Casablancas e da inspiração oriunda do rock clássico, de garagem e das décadas de 1970 e 1980 do grupo. Hits como “Last Nite” bombavam nas casas de shows, nas rádios, na televisão e nos primórdios da internet. Era o começo de uma narrativa que hoje, 20 anos depois, continua viva e despertando paixões.
Finalmente chegamos onde eu queria: nos (incontáveis) amores que “Is This It” e que os The Strokes provocaram ao longo das últimas duas décadas.
Sim, o álbum impactou a indústria musical e a cultura pop, deixando o mundo apaixonado pela sonoridade underground do disco e da banda. Mas o quão apaixonado ficamos?
Alguns exemplos: teve gente que descobriu sua carreira e conseguiu o emprego dos sonhos graças aos Strokes. Já outros fizeram grandes amizades inspiradas pelo quinteto. Houve quem se inspirasse nos nomes dos membros para batizar integrante da família, ou que tivesse a vida virada da cabeça para baixo devido ao sucesso do grupo.
Não, essas situações não são imaginárias. Elas foram contadas ao Tracklist por pessoas diferentes, de vivências e histórias completamente diferentes, mas unidas pela mesma fonte.
Histórias inspiradas por The Strokes e por “Is This It”
“A minha vida mudou”: de Seattle para o mundo (literalmente)
Sem dúvidas, Gordon Raphael é uma das pessoas que mais teve a vida afetada pelo lançamento de “Is This It” e pelo sucesso dos Strokes. Afinal, Gordon é nada mais, nada menos, do que o produtor do álbum de estreia da banda.
Nascido em Seattle, Washington, inspirou-se a trabalhar com música ainda na adolescência. Entre os 22 e os 23 anos, começou a gravar as próprias canções e aprendeu a usar elementos como gravadores e sintetizadores.
Mudou-se para Nova York e passou dois anos trabalhando como produtor de bandas de rock na metrópole. Até que por volta de setembro de 2000, Gordon foi, despretensiosamente, para uma casa noturna chamada Luna Lounge, onde estavam se apresentando algumas bandas naquela noite; entre elas, os Strokes.
Mas não foi amor à primeira vista. “Quando os ouvi pela primeira vez no show, eu não fiquei apaixonado por sua música. Achei-os muito estilosos, mas o que eles cantaram não era meu estilo musical favorito”, diz.
Mesmo assim, entregou seu cartão de visita aos rapazes – a eles e a outro grupo que se apresentou na mesma noite. “Perguntei para duas bandas que tocaram se elas queriam gravar comigo no meu estúdio. A primeira banda, que eu gostei muito, nunca me ligou. A segunda, que eu achei ‘ok’, eram os Strokes”, conta, sorrindo.
Logicamente, a primeira impressão foi desfeita. “Quando eles foram ao meu estúdio e pude ouvir o que faziam, achei-os maravilhosos.” A partir daí, nasceu uma parceria que culminou no EP “The Modern Age”, no “Is This It” e no segundo disco do quinteto, “Room On Fire”.
Gordon conta que no início, não imaginava que os Strokes fariam sucesso. A ficha só caiu após o lançamento de “The Modern Age”, que teve uma ótima recepção, sobretudo na Inglaterra. “Quando começamos a gravar o álbum, tive a sensação de que o mundo inteiro estava esperando por aquelas músicas serem lançadas”. Bingo: com o sucesso do disco de estreia, Raphael se mudou para Londres e passou a ser visto como estrela de cinema. E literalmente visto.
“Os Strokes colocaram a minha foto no álbum, e nenhuma banda fazia isso por um produtor. Eu tenho minha foto em ‘Is This It’ e todo mundo me reconheceu. Fui chamado para festas o tempo inteiro, e convidado para trabalhar em estúdios o tempo todo em Londres”, pontua, antes de acrescentar: “Imediatamente, a minha vida mudou”.
Leia a entrevista completa: “Senti que o mundo esperava por eles”, diz Gordon Raphael, produtor do The Strokes
“Percebi o que queria fazer para o resto da vida”: carreiras inspiradas pelo quinteto
Como você decidiu a sua profissão? No caso dos jornalistas Pedro Antunes e Tassia Costa, o pontapé que impulsionou suas carreiras foi a admiração pelos Strokes.
Pedro ouviu o “Is This It” pela primeira vez próximo à estreia do disco. Tinha entre 14 e 15 anos na época, e logo se sentiu inteiramente representado. “Eles me apresentaram um mundo muito interessante em que eu pude começar a formar o meu gosto musical. Nenhum outro artista tinha mexido com minha cabeça dessa forma”, diz.
Segundo o jornalista, o álbum e a banda o ajudaram a criar o seu gosto musical sem necessariamente se espelhar no que os demais jovens da época ouviam. A novidade o fez propagar o grupo para os amigos, e foi a partir de então que Pedro soube que queria seguir carreira no jornalismo musical e acompanhar as tendências do mercado. “Ao descobri-los e apresentá-los às pessoas ao meu redor, eu percebi que queria fazer isso para o resto da vida, e é isso que eu meio o que faço até hoje”, conta.
A história não para por aí. Em 2014, durante passagem de Julian Casablancas e de seu projeto solo The Voidz no Lollapalooza Brasil, Pedro trabalhava como repórter na Rolling Stone Brasil e passou uma tarde inteira com Casablancas nos bastidores do festival. Ali, teve a oportunidade de contar a influência da banda em sua vida. A reação do vocalista? “Ele ficou tímido”, diz. “Mas foi o momento de fechar o ciclo. (Estava com) O cara que mudou minha vida, eu cheguei e pude contar para ele que eu só estava ali porque ele me levou para aquele lugar”.
Quem também se descobriu no jornalismo graças aos Strokes foi Tassia. Fã da banda desde a adolescência, percebeu que teria a oportunidade de frequentar shows e de falar sobre música ao seguir carreira na área. Assim o fez, mas em dado momento se desiludiu com a profissão. Entretanto, há duas reviravoltas nesse relato, e ambas associadas aos nova-iorquinos.
Em 2008, conheceu Natasha na finada rede social MySpace, e começaram a conversar sobre a banda. Tornaram-se muito amigas (“ela é como uma irmã para mim”, diz), mas moravam a quilômetros de distância: Tassia em Recife, e Natasha em Porto Alegre. Conheceram-se pessoalmente em 2011, no segundo show dos Strokes no Brasil, no festival Planeta Terra. Dois anos depois, Tassia foi visitar a amiga na capital do Rio Grande do Sul e ficou encantada pelo lugar. Voltou para o Recife sabendo que moraria em Porto Alegre um dia.
Corta para 2016. Tassia visitou Porto Alegre mais uma vez e passou a enviar currículos para empresas da região. Voltou ao Recife e recebeu um e-mail chamando-a para uma entrevista. “Acabei arriscando: comprei uma passagem só de ida, fiz a entrevista e consegui o emprego”, conta. E sabe o que, ou melhor, quem a ajudou? Sim, eles mesmos.
Tassia é integrante do fã-clube brasileiro The Strokes Brasil desde 2010 (falaremos sobre ele mais adiante). O que ela não imaginaria é que a prática fosse contar pontos durante a entrevista. “Eu não tinha praticamente nenhuma experiência com agência publicitária e com mídias sociais, mas a minha experiência com o The Strokes Brasil me ajudou muito a conseguir o emprego. Lembro que meu chefe pontuou isso na entrevista, que seria muito legal trazer esse conhecimento de fãs para o cliente, que era uma conta de música.”
O fim dessa história? Tássia se mudou de vez para Porto Alegre, foi promovida e mora pertinho da grande amiga. “Foi uma mudança de vida completamente radical que a banda acabou dando na minha vida”, pontua.
Quem também teve a carreira influenciada pelos Strokes foi Rafaela*, que viajou para diversas cidades ao redor do mundo para ver a banda. Um local foi particularmente especial e decisivo: Nova York. “Depois de um mês de shows diários, eventos e festivais, percebi que minha verdadeira paixão é aprender línguas e é isso que eu gostaria de fazer na vida. Portanto, agora posso dizer que aquelas canções que encheram (e ainda enchem) o meu coração de alegria, abriram o mundo para experiências únicas e foram também uma oportunidade de construir uma carreira profissional de sucesso”, afirma.
Leia também: Por que “The New Abnormal” foi a volta do The Strokes que conhecíamos?
“Viramos melhores amigos”: as amizades construídas graças à banda
A história acima de Tássia e Natasha poderia entrar aqui também, e esse vínculo não é o único. Assim como elas, vários outros casos de amizade nasceram da afinidade com os Strokes. Nos relatos a seguir, a vontade de conhecer o quinteto foi, em algum momento, objetivo em comum da relação.
A analista de banking clients Amanda Conde e a arquiteta Amanda Chaves se conheceram na porta do hotel em que os Strokes ficaram hospedados durante a passagem no Lollapalooza Brasil, em 2017. No dia, conseguiram tirar uma foto com Nick Valensi e Albert Hammond Jr.
A amizade, que nasceu no meio da euforia, sobrevive à distância física: Conde mora em São Paulo e Chaves, no Amazonas. Encontraram-se novamente em outubro do mesmo ano, em São Paulo, quando o The Voidz veio ao Brasil pela segunda vez. Agora, as duas planejam se rever após o fim da pandemia – quem sabe, em um possível show dos Strokes.
Outro caso é o da profissional de marketing Natasha Caminha (não, não é a mesma Natasha de cima), que rendeu uma viagem internacional. Em novembro de 2019, ela foi com o namorado, uma amiga e um casal de amigos para o festival “Vivo X El Rock”, em Lima, no Peru. Detalhe: ela conheceu todos, com exceção do namorado, devido à banda. “Criamos um grupo no WhatsApp e viramos melhores amigos”, diz.
Foi o primeiro show dos Strokes que Natasha assistiu, e a experiência foi ainda melhor por um detalhe. “Um dia depois da apresentação, fomos almoçar em um restaurante e encontramos o Julian Casablancas. Quando o vimos, ficamos super nervosos, mas conseguimos tirar uma foto”, relembra.
Uma das amigas que acompanhou Natasha em Lima foi a assistente de mídia Katherine Fioravante, que confirma que a viagem foi uma “loucura” feita em cima da hora. “Quando eles anunciaram que iam fazer um show no Peru e não divulgaram nenhuma outra data para a América do Sul, eu e meus amigos checamos as finanças e colocamos as malas nas costas. (…) Viver aqueles três dias que mais pareceram três semanas foi inesquecível”, afirma Katherine, que também destaca a importância do “Is This It” em sua trajetória. “O álbum fez nascer minha consciência política, minha escolha de curso da faculdade, meu gosto musical, minhas histórias e as pessoas que me acompanham na jornada da vida.”
E como estamos falando de fãs, nada melhor do que ilustrar as amizades que nasceram do fã-clube brasileiro, o The Strokes Brasil, criado por Annita Felix (que contou a história do site no podcast “PopCast”, do Popload). Dentre os membros, está a advogada Marina Carneiro, presente desde 2011. “Não só entrei para uma equipe maravilhosa de pessoas que se uniram por um único propósito, mas também fiz grandes amigos que eu quero levar para a vida toda”, afirma.
Para ela, um dos momentos mais inesquecíveis do fã-clube foi quando o time (incluindo a Tassia, de alguns relatos acima) conheceu os cinco integrantes nos bastidores do Lollapalooza Brasil, em 2017. De lembrança, Marina tem as fotos do dia, o encarte de seu “Is This It” autografado e as credenciais de acesso ao festival e ao backstage. “Estamos firmes até hoje, por mais de década, alcançando sonhos juntos e levando os trabalhos dos Strokes ao conhecimento dos demais fãs, e isso é o que nos move a cada dia continuar”, conta.
“Meu irmão se chama Fabrizio”: quando o amor à banda interfere em outras vidas
The Strokes sempre foi pauta na casa da curadora e programadora audiovisual Waleska Antunes. Ela conheceu a banda por meio do próprio pai, em 2002, que pediu de presente de aniversário uma cópia do “Is This It”. “Fui à loja com minha mãe, eu tinha uns nove anos na época, e eu fiquei horrorizada porque a capa do álbum era a do ‘bumbum’”, conta aos risos.
Mas após dar uma chance ao disco, conta que “abriu seus horizontes”. “A partir deles, conheci grandes amigos, aprendi inglês, conheci outras bandas e tudo isso ajudou a construir minha personalidade.”
Em 2011, uma semana antes de ir ao show do grupo no Planeta Terra, teve uma revelação: descobriu que a mãe estava grávida. Waleska, que na época tinha 18 anos, não pensou duas vezes: sugeriu o nome de seu integrante favorito dos Strokes, Fabrizio Moretti, para batizar o irmão. O que ela não esperava era que a brincadeira fosse se tornar realidade. “Quando meu pai foi escolher, ele disse: ‘o nome do seu irmão vai ser Fabrizio, porque é a ‘coisa’ que você mais fala dentro de casa, e vai ser especial’”, diz.
Hoje, Fabrizio tem nove anos e sabe de onde vem a inspiração para o seu nome. “Ele gosta da banda também”, diz Waleska, que confessa: “Acho que minha maior loucura (pela banda) seja essa”.
Ah, e Fabrizio não foi o único membro da família batizado em homenagem aos Strokes. Em setembro de 2020, Waleska e os pais adotaram um cachorrinho chamado… Julian.
Duas décadas depois, “Is This It” e os Strokes continuam rendendo relatos. O grupo, que já soma seis álbuns de estúdio, é headliner de importantes festivais mundo afora e leva multidões a ouvirem suas músicas e a se sentirem, de certa forma, na mesma Nova York de 2001.
“Eu fico muito feliz com isso, porque a gente nunca imagina que algo vai durar 20 anos e que ainda falaremos disso. (…) Isso ainda é importante ao redor do mundo”, diz Gordon Raphael. Prova de que os Strokes escreveram e continuam escrevendo sua marca na indústria musical e cultural.
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*Nome trocado a pedido da entrevistada