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Entrevista: “Senti que o mundo esperava por eles”, diz Gordon Raphael, produtor do The Strokes

Gordon Raphael (à esquerda) e os Strokes no começo de carreira (à direita). Foto: Divulgação

O álbum de estreia do The Strokes, “Is This It”, completa 20 anos de vida nesta sexta-feira (30). Ao longo das últimas duas décadas, tem sido aclamado por crítica, público e considerado a “salvação” do rock, sobretudo no início do século XXI. E se você se rendeu aos encantos do quinteto nova-iorquino, pode agradecer ao produtor Gordon Raphael, responsável pela produção do disco que influenciou incontáveis bandas de rock lançadas posteriormente. 

Mas por pouco essa história não teria o final feliz que teve. Em entrevista ao Tracklist, Gordon revela que não se apaixonou pela banda quando os escutou pela primeira vez, durante um show em uma casa noturna em Nova York. “Achei-os muito estilosos, mas o que eles cantaram não era meu estilo musical favorito”, diz o produtor sobre sua primeira impressão de Julian Casablancas, Fabrizio Moretti, Albert Hammond Jr., Nick Valensi e Nikolai Fraiture. 

Gordon Raphael. Foto: Reprodução/Instagram/@hellawittenberg 

Na época, Gordon Raphael estava começando sua carreira como produtor de bandas de rock na metrópole estadunidense – sua origem é Seattle, Washignton. Apesar da primeira impressão, deu uma chance aos rapazes. Entregou seu cartão de visita, convidando-os a gravar uma demo em seu estúdio, Transporterraum, localizado no bairro de East Village, em Nova York. Mas a sua intenção era gravar com outro grupo que se apresentou naquela mesma noite.  “Perguntei para duas bandas que tocaram se elas queriam gravar comigo no meu estúdio. A primeira banda, que eu gostei muito, nunca me ligou.”

Já o segundo grupo, que Gordon achou “ok” (em suas próprias palavras), era o The Strokes. O guitarrista Albert Hammond Jr. ligou para o produtor no dia seguinte, e os meninos de vinte e poucos anos adentraram a pequena sala de Gordon com um desafio: queriam fazer algo completamente diferente do que a cena de rock nova-iorquina vinha fazendo. 

A partir de então, a primeira impressão do produtor foi desfeita. “Quando eles foram ao meu estúdio e pude ouvir o que faziam, achei-os maravilhosos.” Desde então, nasceu uma parceria que culminou no EP “The Modern Age”, no “Is This It” e no segundo disco do quinteto, “Room On Fire”. Ao total, os Strokes já lançaram seis álbuns de estúdio.

No bate-papo, Gordon Raphael também revela o impacto que “Is This It” teve em sua vida, como ocorreu o processo criativo do disco, gravado em sete semanas, e revela histórias de bastidores da gravação. O produtor também conta que só soube que a banda seria um grande sucesso após o lançamento do EP “The Modern Age”. “Quando começamos a gravar o ‘Is This It’, tive a sensação de que o mundo inteiro estava esperando por aquelas músicas serem lançadas”.

Gordon Raphael (à esquerda) e os Strokes no começo de carreira (à direita). Foto: Divulgação

Entrevista com Gordon Raphael

Tracklist: Como “Is This It” mudou sua vida? Como era sua vida antes e depois do lançamento? 
Gordon Raphael: Quando eu fiz “Is This It” com os Strokes, eu estava iniciando na carreira de produtor de outras bandas. Eu vinha trabalhando como produtor da minha própria música por toda minha vida, e só tinha dois anos como produtor em Nova York de outras bandas de rock. Então quando os Strokes lançaram “Is This It” e o mundo passou a amá-los, comecei a trabalhar ao redor do mundo, especialmente na Inglaterra. 

Eu me mudei para Londres logo depois (do lançamento), comecei a morar em Londres porque eles amavam os Strokes mais do que todo mundo. Quando fui para lá… porque os Strokes colocaram a minha foto no encarte do álbum, e nenhuma banda fazia isso por um produtor. Eu tenho minha foto em “Is This It” e todo mundo me reconheceu. 

Fui chamado para ir a festas o tempo inteiro, e convidado para trabalhar em estúdios o tempo inteiro em Londres. Imediatamente, a minha vida mudou porque eu estava viajando, comecei a morar em Londres em vez de Nova York, e estava trabalhando o tempo todo como produtor. Essa é uma grande mudança. 

Encarte de “Is This It”, com foto de Gordon Raphael no canto inferior esquerdo. Foto: Divulgação

Quando você começou sua carreira como produtor?
Acho que eu tinha 22 ou 23 anos. Comecei a gravar minha própria música e aprendi a usar gravadores, microfones, sintetizadores, guitarras, e a cantar, e a fazer minhas próprias canções. Eu amava, era a coisa mais divertida a se fazer e comecei a fazer a isso o dia inteiro. 

Quando você conheceu os Strokes? Você se lembra do ano?
Sim. Conheci-os por volta de setembro de 2000. Eles fizeram um show em meu bairro em Nova York e eu perguntei para as bandas que tocaram naquele show se elas queriam gravar comigo no meu estúdio, porque era bem perto da casa noturna. O clube se chamava Luna Lounge e os Strokes foram ao meu estúdio para gravar uma demo, que veio depois a ser o EP de “The Modern Age”. Foi assim que os conheci e foi a primeira coisa que fizemos, muito rápido.

Você se lembra o que sentiu ou pensou quando os ouviu pela primeira vez?
Eu fui ao Luna Lounge porque eu tinha minha própria banda e queria ver como os promoters faziam as festas. Os Strokes estavam tocando lá, então os convidei para irem ao meu estúdio. 

Quando os ouvi pela primeira vez no show, não me apaixonei por sua música. Achei-os muito estilosos, mas aquele não era meu estilo musical favorito. Mas quando eles foram ao meu estúdio e eu pude ouvir o que eles faziam, achei-os maravilhosos. Era exatamente o tipo de música que eu ouvia. 

E como ocorreu esse convite? 
Eu tinha um cartão de visitas. Como eu era um produtor novo em Nova York, eu chegava em toda banda que eu achava “ok”, entregava meu cartão e falava: “tenho um estúdio perto desse clube e nós podemos gravar uma demo. Faço boas demos por um preço bem barato, e vocês provavelmente vão gostar do que eu faço”. 

Eu entreguei meu cartão para duas bandas que tocaram naquela noite. A primeira banda, que eu gostei muito, não foi ao estúdio e não me ligou. Mas a segunda banda, que eu achei “ok”, era o The Strokes. Albert me ligou no dia seguinte para conhecer meu estúdio e ver se eles podiam trabalhar lá.

É uma ótima história. Eu li em uma entrevista que você disse que o EP “The Modern Age” levou três dias para ficar pronto, mas que “Is This It” levou sete semanas. Qual foi a maior diferença entre esses dois processos de gravação? 
Eles foram ao meu estúdio pela primeira vez para gravar uma demo. Era apenas uma demo para mostrar a algumas casas noturnas de Nova York como a banda soava. Foram três músicas em três dias, então fizemos. Depois, tornou-se um álbum, algo mais “sério” do que uma demo. A banda queria passar mais tempo trabalhando em cada música. 

Como foi o processo criativo durante a produção do álbum? 
Foi bem divertido. Eram ótimas músicas e a banda tocou e cantou perfeitamente, era uma alegria vê-los tocar. Mas foi um trabalho muito, muito difícil, exigiu muita concentração. Às vezes, nós trabalhávamos até de manhã, então as horas eram muito longas. Todo mundo queria atenção o tempo inteiro. Não foi fácil, e às vezes era um pouco automático. Todos da equipe gastavam muita energia mental e física para trabalhar tão duro. 

Por que vocês queriam fazer algo diferente do que as outras bandas de rock estavam fazendo no momento? Foi como uma aposta, certo?
Na primeira vez que eles vieram ao meu estúdio, eu perguntei: “o que vocês querem fazer? O que vocês estão fazendo aqui, como posso ajudar vocês?”, e eles responderam: “o que todo mundo estiver fazendo em Nova York é o que não queremos fazer”. Então tive uma ideia a partir disso, de um som que seria diferente de todo o resto.

Todas as outras bandas estavam fazendo grandes produções, porque nós estávamos começando a usar computadores pela primeira vez na música aquela época. Então você poderia fazer uma grandiosa produção, com cinco bumbos ao mesmo tempo, adicionando vários vocais, sintetizadores e todas essas coisas. E eu disse: “bem, se vocês querem fazer o que ninguém está fazendo, venham para esta pequena sala e toquem suas músicas. Vou capturá-la em oito microfones e esse será nosso estilo de produção.” Quando eles ouviram como aquilo soou, eles deram um grande sorriso, porque eles queriam fazer exatamente aquilo. 

Vocês tiveram uma ideia disruptiva. Imaginava o que o “Is This It” iria se tornar? Acreditava que seria um grande sucesso? 
Quando gravamos as três primeiras músicas para a demo, eu nunca imaginei que aquilo seria um sucesso, porque ninguém gostava de guitarras em Nova York ou em Londres, era fora de moda. Mas quando o EP de “The Modern Age” foi lançado, todos na Inglaterra ficaram extremamente animados. Então quando começamos o álbum, tive a sensação de que o mundo inteiro estava esperando para aquelas músicas serem lançadas. Era um sentimento de excitação. Não era algo solitário, do tipo “talvez dê certo, a gente não sabe”. Era mais: “meu Deus, o público gostou dessas três músicas, então esperem ouvir as 11 faixas. O mundo vai à loucura”. 

E de fato, as pessoas foram à loucura, até hoje.
Sim!

A primeira capa de “Is This It” (à esquerda) e a versão lançada nos Estados Unidos (à direita). Foto: Divulgação

Você tem alguma história divertida ou curiosa de backstage que queira compartilhar? 
Enquanto estávamos gravando o álbum, a gravadora norte-americana que contratou os Strokes disse que eu era o pior produtor do mundo e queriam que eu fosse demitido. Eles realmente queriam que a banda se livrasse de mim e acharam que eu estava arruinando as chances de eles terem sucesso. 

Felizmente, os Strokes gostaram de trabalhar comigo, gostaram do som que eu fazia, então eu sobrevivi a esse ataque. (risos) Mas por um tempo eu pensei que ia perder meu emprego bem cedo, então foi bem assustador, mas depois deu tudo certo.

Quando isso aconteceu?
Foi bem no início do processo de gravação do “Is This It”. Gravamos algumas músicas, e quando a RCA ouviu, eles falaram: “esse é um produtor ruim fazendo um trabalho horrível. Não soa bem, devemos demiti-lo.” (risos) 

Vou te contar outra história bem interessante. Quando os Strokes tinham desentendimentos, eles não ficavam extremamente irritados uns com os outros. Eles apenas conversavam, e eram bem sérios quanto a isso. Então todos trabalhavam muito bem juntos, e eu fiquei muito impressionado em como eles falavam uns com os outros, mesmo quando estavam chateados ou quando havia tensão. Eles tinham uma comunicação muito avançada, mesmo na casa dos seus 20 anos. 

Bastante maduros, certo? Então não haviam gritos…
Não, não havia um cara triste sentado na esquina por dias com o coração partido. (risos) Eles conversavam sobre isso intensamente, e faziam um ótimo trabalho de comunicação. 

Isso é muito interessante, porque há histórias de bandas que brigam uns com os outros o tempo inteiro, ainda mais quando os integrantes são mais novos. Acredito que essa maturidade ajudou-os a lidar com o sucesso.
Sim. E vou contar outra história de backstage.

Ótimo!
(O baterista) Fabrizio Moretti, o cara mais novo da banda, estava muito animado com tudo que estava acontecendo enquanto gravávamos o álbum. Quando ele saiu do estúdio, ele tinha uns adesivos dos Strokes e os grudou nas calçadas das ruas de Nova York, porque estava super empolgado em participar da banda. 

Muito legal. Não sei se eles imaginavam, naquela época, o que o “Is This It” e o que a banda se tornaria um dia. 
Exatamente.

Qual é a sua música favorita do “Is This It”?
Muda o tempo inteiro! Quando eu ouvi o disco, e ouvi “Take It Or Leave It”, eu fiquei fascinado. É uma música muito poderosa, tanto os vocais quanto os solos de guitarra de Albert. Era ótima. Foi minha música favorita por muitos anos. 

Depois, passei a amar “New York City Cops”, porque era super dura, um grande tema para os Strokes. E hoje eu gosto mais de “Trying Your Luck”, porque é muito bonita. Os ritmos são muito interessantes e complicados. 

Boas escolhas. A minha favorita é “Hard to Explain”, e amo “Is This It” também. 
Muitas pessoas amam “Hard to Explain”, muitas pessoas me dizem isso.

Como você se sente sabendo que o disco foi e é uma grande inspiração para outras bandas de rock que vieram depois? 
Eu me sinto abençoado. Fico muito feliz, porque para mim, ouvir música durante a adolescência me inspirou a ser músico, e tenho muita gratidão pela música que me fez querer ser artista. Agora, saber que algo que eu fiz parte fez outras pessoas quererem ser artistas, esse é um círculo completo, um karma… é muito bonito ouvir isso, é o maior elogio (que poderia receber). Quando as pessoas falam “eu fui inspirado a tocar um instrumento, ou a começar uma banda, ou a escrever uma música (por sua causa)”, o meu coração começa a bater muito forte. 

Imagino. Temos muitos exemplos de bandas que se inspiraram nos Strokes, como o próprio Arctic Monkeys, e vários outros grupos, inclusive brasileiros. Você já produziu bandas brasileiras, certo? 
Sim, três ou quatro bandas brasileiras, como a Atalhos, que foi a última com quem trabalhei. 

O que sentiu ao trabalhar com músicos brasileiros? 
São ótimas musicas. Eu remixei duas músicas durante a pandemia, são lindas canções. 

Nós estamos celebrando os 20 anos de um disco de rock. Na sua opinião, por que estamos fazendo isso hoje, duas décadas depois, em um mundo completamente diferente daquele de 2001?
Hoje, estou falando com você do Brasil. Há dois dias, falei com Israel, amanhã falarei com a Alemanha, falei com Nova York, Londres… ao redor do mundo, as pessoas ainda querem falar sobre esse álbum. Eu fico muito feliz com isso, porque a gente nunca imagina que algo vai durar 20 anos e que ainda falaremos disso. Isso é muito especial no mundo da música. (Há) Algo nas faixas, e na voz de Julian, e no momento da história que esse disco foi lançado e mudou as mentes e os corações das pessoas. Isso ainda é importante ao redor do mundo, mesmo que 20 anos depois, em 2021. 

Quais artistas você diria que foram grandes inspirações para a gravação de “Is This It”?
Tivemos uma reunião antes de começarmos as gravações e eles tocaram algumas músicas de Bob Marley, John Lennon e Guided By Voices. 

E quanto ao Velvet Underground?
Eles não mencionaram Velvet, mas claro, nós sentimos inspiração deles na música dos Strokes. No caso, Guided By Voices era uma das bandas favoritas dos rapazes naquela época, eles realmente amavam. 


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