O Grammy é sem dúvida o maior evento do ano tanto para quem é um amante de música ou mesmo um artista da indústria. É sempre uma mistura de sentimentos: torcidas pelos artistas favoritos, apostas, êxtase com performances, etc.
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No entanto, assim como outras grandes premiações norte-americanas, não é inclusiva quando se trata de diversidade.
Podemos começar falando do primeiro caso que foi exposto no início de 2020. A ex-presidente da Recording Academy, Deborah Dugan, a primeira mulher eleita, foi demitida ainda em 2019 por alegações de má conduta. Com o acontecimento, expôs que a causa de sua demissão seria por ter exposto casos de assédio, estupro, fraudes na votação e ter sido barrada ao tentar ampliar a diversidade.
Até hoje não se sabe se tais alegações (elas renderam um processo com 46 páginas) são reais, mas, se tratando da indústria do entretenimento, é bem possível.
Para além disso, artistas negros como Tyler The Creator e Kendrick Lamar têm maior parte de suas indicações e vitórias nas categorias de Urban, que engloba rap e R&B. Já as principais categorias, quase sempre premiam artistas brancos e do pop.
Não é apenas nos artistas que o racismo e a exclusão racial é vista. Tanto que em setores do audiovisual, alguns artistas acabam solicitando a inclusion rider. E o Grammy acaba de adotar tal cláusula para tentar ser mais inclusivo em sua produção.
O que é a inclusion rider?
Inclusion rider, ou equity clause, funciona como uma “cláusula de inclusão”. No cinema, alguns atores colocam em seus contratos pedidos para que a equipe do projeto atinja determinado nível de diversidade. Isto é, adição de mulheres, negros e/ou pessoas LGBTQIA+ tanto na equipe de atores, quanto na equipe de produção.
“O Inclusion Rider permite que gigantes da indústria utilizem seu poder para definir requisitos fixos e efetuar mudanças imediatas. Também torna a diversidade um processo legal incorporado, em vez de uma ação voluntária e muitas vezes para inglês ver,” diz Rosa Miranda, mestranda em cinema na UFF, produtora e associada da Associação de Profissionais do Audiovisual Negros APAN.
Tal cláusula tornou ainda mais força quando Frances McDormand citou em seu discurso no Oscar de 2019.
O barulho desde então foi tanto que em 2020 a academia resolveu promover mudanças a partir de 2024, tentando ser mais equitativa e inclusiva.
#ChangeMusic e inclusion rider no Grammy
No final de 2020, foi anunciado pela Recording Academy do Grammy a #ChangeMusic, que possui 5 pilares. São eles: investimento em talento e carreiras de pessoas negras, se alinhar e fazer parcerias com a comunidade negra, comprometimento na transparência sobre relatórios de representatividade negra, promover advocacia civil e participação e investimento na segurança de pessoas negras.
Tais pontos foram divulgados em dezembro de 2020, e, até o mês de julho, maiores detalhes sobre como se desenvolveriam não foram dados. Em agosto, uma das primeiras informações apareceu, sendo sobre a adoção da inclusion rider.
O próprio Grammy divulgou pelo seu site, que, como parte da #ChangeMusic, a inclusion rider seria adotada e valeria para a cerimônia do próximo ano. Até agora, dá a entender que tal apenas funcionará para a produção da cerimônia – ou seja, para os trabalhadores que estão por trás das câmeras.
O Grammy se torna dessa forma a primeira premiação a ter uma inclusion rider, principalmente se tratando de equipe de produção do evento. Será que é mesmo o suficiente, sabendo que artistas negros são injustiçados nas categorias que são indicados e que ganham?
Produtores brasileiros negros e suas opiniões sobre a inclusion rider
Opinião da Rosa Miranda
“Mais do que necessário, é fundamental, visto que o Grammy, assim como o Oscar, têm muito a se redimir com os artistas negros. Temos diversos exemplos de racismo normalizado pela Academia e diversas respostas potentes dos artistas que se recusam a enviar seus álbuns para avaliação. Ainda é muito pouco, mas é um início,” diz Rosa Miranda. Ela ainda completa: “É preciso ficarmos atentos a como será realizado esse processo, pois pode acontecer de ser muito subjetivo o processo de curadoria da obra. Quem sabe dessa vez uma pessoa negra ganhe um Grammy que não seja na categoria música urbana?”
Opinião de produtores da Perifacon
Segundo produtores da Perifacon, primeira convenção de cultura pop, geek e nerd das favelas, a cláusula é bastante necessária, levando em conta a escassez da presença de pessoas negras no evento. Mas, ainda não é o suficiente.
“O Grammy vem há 64 edições construindo sua notoriedade como maior premiação musical do mundo, premiando os maiores artistas há gerações, mas desses, somente 10 artistas negros venceram na categoria principal de Álbum do Ano até os dias atuais.” Os dez artistas até hoje a levarem a categoria foram Stevie Wonder, Michael Jackson, Lionel Richie, Quincy Jones, Natalie Cole, Whitney Houston, Lauryn Hill, Outkast, Ray Charles e Herbie Hancok. O último artista foi o último negro premiado na categoria, tendo assim 13 anos desde o último prêmio.
“O parâmetro estabelecido há décadas é desigual e faz com que ações e iniciativas de inclusão e protagonismo sejam necessárias para reparar anos de exclusão racial,” dizem os produtores.
“Assinar o termo inclusion rider é puro reflexo de muita luta popular espalhada pelo mundo. Cada vez mais as instituições estão sendo pressionadas para esse caminho de mudança,” dizem eles. “O engajamento das pessoas sobre a urgência pela igualdade racial está sendo muito importante para vermos esperança nesse assunto. Um exemplo disso, se deu a partir da morte do americano George Floyd, em Minneapolis, pressionando muitas empresas de vários segmentos a se posicionar cada vez mais.”
Apenas o mínimo está sendo feito
Para o pessoal da Perifacon, é inegável a necessidade da adoção da rider, mas, ainda é o mínimo. “O Grammy historicamente vem excluindo a comunidade negra dos bastidores aos holofotes há décadas, assinar um termo não pode ser encarado como a única forma de reparação, pois a instituição é enorme e poderia fazer muito mais pela luta racial. Depois de tanto estrago, o Grammy nos deve anos e anos de ações que nos protagonize, nos premie e amplie as nossas vozes notavelmente talentosas.”
Nada ainda foi dito sobre a inclusion rider nos juris ou na indicação em categorias, mas maiores detalhes serão reveladas no dia 16 de setembro, data em que será revelada a cláusula completa.
Como acontece nos eventos no Brasil?
Como de se esperar, a indústria do entretenimento do Brasil e quem a faz é também muito desigual. Por trás dela, a maior parte dos poderes são homens brancos. No entanto, caminha com a nova geração a tentativa de diversificar para mulheres, LGBTQIA+ e negros.
“Estamos sempre apontando a necessidade da construção dos bastidores serem cada vez mais composto por diversidade. Para que haja mudanças reais nas estruturas sociais, as regras e vigas que as sustentam precisam mudar”, dizem os produtores da Perifacon.
O Grammy adotar a inclusion rider é um começo para o desenvolvimento dos cinco pilares da #ChangeMusic, que busca abrir caminhos para pessoas negras. No entanto, cabe realmente a se observar o quanto isso vai ser adotado e poderá mudar a experiência tanto na produção da cerimônia, quanto para os artistas.