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Entrevista: Sebastianismos fala mais sobre álbum “Tóxico” e aprendizados

Há muitos anos na indústria musical, Sebastianismos se consagra mais uma vez em um novo projeto. “Tóxico” é o segundo álbum solo do também integrante da banda Francisco, El Hombre e fala muito sobre os sentimentos que a pandemia trouxe consigo, indo de um negativismo amargo até um positivismo sufocante.

Sempre usando a música como terapia, o cantor escreveu todas as dez faixas do álbum em um mês e extravasou o que sentiu ao perder pessoas próximas. Em entrevista ao Tracklist, Sebastianismos compartilhou mais sobre o processo de criação do projeto, os aprendizados por trás de suas letras e mais.

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Leia na íntegra a entrevista com Sebastianismos:

  • Desde o começo, “Tóxico” já tem um impacto muito grande a partir do próprio nome. O álbum leva o nome do lead single, mas queria saber o por que dessa palavra em específico?

Olha o mundo que a gente vive, olha o momento que a gente tá vivendo, sabe? É você acordar e ver que a gente tá completamente imersos em relações pessoas tóxicas, trabalhos tóxicos, sonhos tóxicos… Tá tudo errado nesse mundo, a gente vive num mundo que já vira de ponta cabeça. Então, querendo ou não, eu acredito que esse disco é muito pandêmico, é um disco que manifesta muitas emoções que todos nós sentimos na pandemia. Esse momento de insegurança com o resto do mundo, essa incerteza do que vai acontecer.

Nós que vivemos da cultura, faz dois anos que eu não subo no palco, que eu não trabalho de fato. Quer dizer, trabalho, mas trabalho o triplo pra receber metade. A pandemia tem aflorado muitos sentimentos negativos, a quantidade de pessoas com depressão aumentando, problemas dentro de casa e dentro de si… Ao mesmo tempo que a gente vê o mundo girando pela nossa telinha, um mundo tão tóxico, a esperança é a última que morre. A gente continua com o sentimento de esperança, aflorou a saudade dos amigos. É o momento que a gente começa a rever várias decisões da vida, é um processo de transformação e todos começam identificando o problema e, a partir daí, partindo para uma resolução.

Foto: Divulgação/Rodrigo Gianesi

Pra mim, “Tóxico” é isso. É ver que tá tudo errado, tá tudo tóxico, acho que “tóxico” é a palavra que define a minha sensação com o mundo, mas não é um disco pessimista. Não é um disco otimista, vou ser muito sincero, mas é um disco que identifica que tá tudo errado porque só identificando isso que a gente consegue ter base pra querer mudar isso tudo.

  • Você acha que ter um panorama do problema e identificá-lo em prol da resolução seja um dos grandes conselhos que o público pode levar adiante desse projeto?

Eu acho que, desse disco como um todo, as pessoas podem tirar várias conclusões. Quando eu falo que é um disco pandêmico, é porque eu acredito que as sensações que a pandemia trouxe pra gente não são uma ou duas, boas ou ruins, o ser humano é muito mais denso emocionalmente do que positivo-negativo. Dentro das sensações que a gente pode tirar, tem música sobre sensação de saudade dos amigos, saudades daquele calor humano que a gente depende, o ser humano é um ser afetivo.

Então, uma das conclusões é esse desejo de se conectar com os nossos, com a nossa família seja de sangue ou não, mas ao mesmo tempo tem muitas músicas que falam dessa necessidade de explodir contra esse positivismo tóxico. Não tá tudo bem e eu acho que quando a gente canta junto das pessoas que a gente ama que não tá tudo bem é uma sensação extremamente calorosa, positiva. Por outro lado, eu acho que tem músicas da sensação de se sentir completamente deslocado e a música “SOS” fala disso que eu sempre me senti deslocado. Inclusive, a letra fala “Peixe fora d’água em escala intergalática, que eu não sou daqui, devo ser de outro planeta” porque é isso, todo mundo nesse momento tão distante fisicamente um do outro acaba se sentindo sozinho, incompreendido, como se a gente não se encaixasse porque de fato o mundo é tão tóxico que não quer que a gente se encaixe nas nossas individualidades.

É um chamado para todos os esquisitos, os estranhos. Ao mesmo tempo, o disco termina com uma faixa que chama “Indestrutível”, que diz “o mundo tá uma m*rda, tá tudo tóxico, mas tamo aqui, sorriso no rosto porque a gente é indestrutível”. É um disco desequilibradamente equilibrado.

  • Sobre a composição, fiquei sabendo que você escreveu todo o álbum em cerca de um mês. Como foi esse processo?

Eu preciso escrever, tanto que nesses momentos de lançamento de disco eu costumo ficar mais emotivo porque a gente acaba não compondo tanto e isso me faz mal. Eu tô sempre com caneta e papel, algum instrumento disponível porque é minha terapia, eu preciso extravasar o que eu sinto quando eu vejo o mundo através de música, de arte, senão eu adoeço. Na pandemia, é impossível não tocar porque é um disco escrito na pandemia, frente a tantas emoções pesadas, quem de nós não surtou pelo menos uma vez? Quantas pessoas próximas a gente não perdeu?

Eu perdi uma prima muito próxima, uma prima-irmã e também perdi um amigo muito próximo, ambos da minha idade e foi da noite pro dia. Isso me afetou muito, criou um nó da garganta gigantesco de tudo que eu queria falar, entendendo que a vida é tão passageira, a gente tá aqui hoje, mas quem sabe se a gente vai tá aqui amanhã. Tem tanta coisa que eu preciso falar antes de ir embora e quando essa necessidade me contagia, não existe mais noite, não existe mais dia, só existe o agora e essa necessidade de expressar. Então, eu fiquei das seis da manhã até meia-noite escrevendo e fazendo poesia, que quando falada em voz alta precisava ser gritada. Quando gritada e lamentada, vira o que virou. Foi tudo realmente num processo bem vomitado, aquela figurinha do vômito, sabe?

  • Você lançou alguns singles e os fãs já puderam ter alguns spoilers do que estava por vir nesse novo álbum. O emo e o punk rock foram algumas coisas que você trouxe de volta na sonoridade. O que te motivou a isso?

Eu cresci no punk rock. Quando cheguei no Brasil eu me sentia muito não pertencente a nenhum lugar, não sabia nem falar a língua direito, não gostava das pessoas da minha escola, tinha muito essa questão do bullying, eu me sentia esquisito, aí eu descobri através de um vizinho meu o skate e o punk rock. O skate eu sempre amei, sempre fui horrível, eu gosto de falar que eu sou o melhor pior skatista. Eu ando sempre, sou horrível, mas acho que vai além da competitividade que o sistema quer que a gente seja, é um esporte pra se disfrutar.

Por outro lado, eu conheci o punk rock e descobri que tinha outros espaços de contra cultura, bares de paredes quebradas e pequenos que marcavam esse tipo de show. Então, comecei a frequentar bares no interior de São Paulo desde que eu tenho 14 anos de idade por algum motivo estranho porque a galera não pedia tanto RG antigamente. Eu fui acolhido nesse ambiente da contra cultura, dos moicanos, das tatuagens, das festas, daqueles pensamentos que não se enquadravam na sociedade conservadora tradicional do interior de São Paulo.

Então, eu cresci nesse meio. Eu sou do punk rock, eu sou desse movimento do “faça você mesmo”, do questionar a sociedade como ela é e o status quo. Porém, ao mesmo tempo, eu me distanciei brutalmente dessa cena porque eu fui muito acolhido, mas eu demorei muito tempo pra perceber o quão tóxica ela era nos anos 2000. Era uma cena extremamente acolhedora, as músicas chamavam os esquisitos e incompreendidos, propunham um questionamento, mas só acolhiam homens brancos cisgêneros. Era uma cena extremamente tóxica, racista, machista e eu como homem branco cis acabei me sentindo acolhido e demorei para perceber o quão tóxico era isso. A partir do momento que eu comecei a entender o quão nojenta e hipócrita era, eu virei a chavinha da noite pro dia e com a minha banda Francisco, El Hombre a gente decidiu: o rock é rebelde, mas a coisa mais rebelde que a gente podia fazer era deixar o rock de lado porque era muito conservador e sair desses espaços, começando a ir pra rua onde tá a população.

Apesar da Francisco, El Hombre não tocar punk rock, pra mim é a banda mais punk que eu já tive porque ela teve a coragem de rechaçar essa cena que crescemos. Depois de dar essa volta ao mundo metaforicamente, tocando e redescobrindo esse movimento geográfico que é análogo à transformação que tivemos dentro de nós, a gente chega no ponto de partida porque eu cresci no punk rock, eu sou essa cena e se ela tá tóxica, não é me procurando em outras cenas que eu vou me encontrar, eu tenho que lavar a louça da minha própria casa.

Então, apesar de ter largado o rock por achar extremamente tóxico, eu sou rockeiro e não adianta mudar o mundo sem mudar a própria casa. Se a cena tá tóxica, cabe a nós que identificamos isso e também a validade do movimento, das letras e dos sentimentos mudar isso. Eu decidi assumir publicamente que eu sou rockeiro, que a parada é tóxica e que cabe a nós mudar essa p*rra.

  • Você falou sobre essa volta ao mundo e eu acredito que a capa de “Tóxico” tenha a ver com isso. Qual é a ideia por trás da arte que estampa o projeto?

É isso, se trata das várias voltas ao mundo que a gente deu na pandemia dentro de casa. Eu acho a internet um tema que me chama muito a atenção, gosto muito de conversar sobre isso aqui em casa com a minha parceria no crime Malfeitona que, além de ser uma das melhores influencers que existem nesse planeta, é também mestra em Comunicação e especializada em redes sociais. Então, a gente conversa muito sobre esse universo, ao mesmo tempo que é possível a gente dar voltas ao mundo sem sair do nosso quarto, a toxicidade que existe disso e a espetacularização do eu é gigantesca.

Nesses dois últimos anos de pandemia, eu dei várias voltas ao mundo na linha surfando quase dando pegada cowboy em cima de um mouse. Então, eu acho que é uma referência a tudo isso, a volta ao mundo através da internet tóxica, mas “vamos lá, surfando essa onda tóxica”.

  • O álbum contém 10 faixas ao todo. Se você pudesse escolher uma favorita, qual seria e por que?

Ish, Maria! Eu não sei, cada uma é tão especial e tem uma motivação muito específica que é muito preciosa a mim, é como pensar nos dez dedos da nossa mão, cada um tem sua função e até mesmo o mindinho que parece ser o menos útil é tão esteticamente necessário. Eu vou dar um destaque para uma música que eu acho que é muito especial: “SOS” porque, quando eu era novinho, eu tava lendo um monólogo que comentava que quando ele se sentia só, ele uivava pela janela na esperança de que algum dia alguém uivasse de volta. Então, “SOS” é a minha forma de dar esse uivado, o chamado de Batman, a luz no holofote pra todo mundo que sente que não encaixa, é o chamado pros meus, pros nossos. É o chamado do disco, é a sinalização do “ei, se você sente que não encaixa, chega mais que quero propor um espaço confortável pra todo mundo, um espaço que todos os incompreendidos possam estar em paz consigo mesmo”.

  • Algumas das faixas presentes são feats com artistas como Fresno, Faustino Beats e muitos outros. Como foi essa troca nesse momento pandêmico e com restrições?

Eu acredito muito nas trocas orgânicas, eu não gosto de trabalhar com pessoas que eu não me sinto à vontade, isso é uma regra que eu tenho pra vida. Todas as minhas parcerias de trabalho que eu firmo são parcerias que eu acredito e que rola afinidade, então todos os trabalhos são extremamente prazerosos. Claro que artista é uma desgraça de responder no WhatsApp, então eu peço desculpas por isso porque eu sou horrível, mas assim como eu todo mundo é muito ruim. Então, eu devo ter mandado várias mensagens para as pessoas, recebi ontem uma mensagem de alguém respondendo que podia participar do disco sim, mas desses vários ‘alôs’ que eu fui dando, as pessoas que me responderam sempre foi uma resposta extremamente positiva e apoiadora porque se não fosse também, eu não faço questão de trabalhar com pessoas que não tão afim de somar, sabe?

A Fresno sempre fui muito apoiadora, o Guerrinha eu amo esse rapaz, o Lucas é um cara muito f*da, sempre me apoiou muito. O Dani Weksler, batera do NX, foi um fofo comigo, acreditou na música em todos os momentos. O Badaui muito parceiro, ele não se envolveu tanto com a música durante a produção, ele chegou mais na hora de gravar, mas quando chegou na hora de gravar… Ele é um cara muito ocupado, muito famoso, ele tinha falado que tava com pouquíssimo tempo, que ele só ia conseguir chegar, gravar e vai vazar. Foi muito carinhoso, mas falou que tava corrido. No final das contas, ele chegou, ouviu a música uma vez, duas vezes, pediu pra ouvir o disco, ouviu o disco inteiro uma vez, ouviu o disco uma segunda vez e acabou ficando até três ou quatro horas da manhã conversando comigo porque se identificou tanto com cada uma das letras que ele queria participar mais ainda.

Com minha parceira Malfeitona, foi muito gratificante poder fazer música junto e fazer essa relação que a gente cultiva de apoio alcançar novos níveis. Do jeito que ela sempre me apoiou tanto, eu pude apoiar ela em lançar sua carreira com rockstar. O Faustino talvez seja das participações que tenha menos visibilidade na internet por enquanto, mas eu acho que devia ter tanto quanto ou mais porque é um produtor daqui de Salvador e, além de ser uma pessoa excepcionalmente carinhosa e f*da, ele tem o trabalho de levantar toda uma cena aqui de Salvador que merece todo o destaque do mundo e todo o respeito.

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