Colaboração de Thiago Cyrino
Que 2017 foi um ano cheio de shows internacionais por aqui, todo mundo sabe. Recebemos gigantes do rock como Guns N’ Roses e The Who – este último, pela primeira vez – como aplaudimos grandes figuras do pop como Ed Sheeran e Bruno Mars em espaços lotados. Para fazer jus ao ano repleto de nomes de peso por aqui, uma das últimas apresentações internacionais de 2017 foi a da banda canadense Arcade Fire, que fez duas apresentações espetaculares no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos últimos dias 8 e 9 de dezembro, e é forte candidata a ter realizado um dos melhores shows do ano.
Antes de comentar do show em si, preciso frisar o porquê do “surpreendente” no título, e aqui vai uma historinha pessoal.
Eu gosto de Arcade Fire há uns anos, e algumas de suas músicas apareciam nas minhas playlists. Quando a banda veio para cá em 2014, na sua então última vinda ao país – com show solo no Rio e apresentação como headliner no Lollapalooza Brasil -, eu fiquei animada em ir, mas não dei muita bola, já que tinha pago uma pequena fortuna de ingresso, passagem e hotel para assistir somente à apresentação do Julian Casablancas + The Voidz no dia de sábado do Lolla (que muita gente criticou, mas isso não é importante nesta matéria). O show do Arcade foi no domingo; realmente eu não conseguiria assistir, mas ouvi dizer que foi um grande show.
Quando saiu o anúncio da turnê “Infinite Content”, baseada no álbum “Everything Now”, pensei: “Agora vou”. O disco não foi lá exatamente cultuado pela crítica e por uma leva de fãs, mas era um show do Arcade Fire, e podia superar minhas expectativas, que eram altas, mas não gigantescas. Pois bem: a apresentação de sexta (8), no Rio, superou todas e mais um pouco. E olha que ela gerou um pouco de medo nos fãs cariocas: em agosto, foi divulgado de que o show aconteceria na Jeunesse Arena, que possui capacidade para 18 mil pessoas. Em novembro, o local foi alterado para a Fundição Progresso, que comporta até 5 mil pessoas. Será que vai rolar?, perguntaram os apreensivos, com medo de que os ingressos encalhassem e a banda cancelasse o show. Mas rolou. Rolou, foi intimista, foi intenso e e foi incrível.
Vamos falar do que rolou no show do Rio?
Ringue de luta
O começo do show – pontualmente às 22h – foi recebido pela platéia com muito entusiasmo. Característica marcante de sua atual turnê, o Arcade Fire decidiu inovar em sua entrada com a temática das lutas que ocorrem nos ringues. Com uma edição que filmava a entrada no palco dos membros como se eles fossem lutadores e a disposição das três cordas que são características em envolver um ringue oficial na beira do palco, o momento se tornou muito especial para introduzir o show e um dos sucessos mais recentes da banda, “Everything Now”, faixa-título do novo disco.
Grande produção
Olhar para o palco durante qualquer música do show era como ver um ilusionista fazendo mágica, com uma das produções mais caprichadas dos shows que passaram por aqui neste ano. Além dos telões da casa de shows, dois painéis de LED próprios da turnê acentuavam os detalhes da apresentação, com muitas luzes, flashes do palco e do público, pedaços de clipes da banda e artes próprias. Um grande globo de discoteca se localizava no teto da Fundição Progresso, que girou e iluminou banda e platéia em músicas como “Sprawl II”.
Setlist mesclado
Apesar de “Everything Now” não ser o álbum favorito dos fãs da banda, a maioria das canções do álbum presentes no show foram bem aceitas. Para começar, a faixa-título que abriu a apresentação, assim como “Creature Comfort”, “Electric Blue” – com a belíssima voz de Régine Chassagne – e “Put Your Money On Me”. Mas canções consagradas, como “The Suburbs”, “Neon Bible” e “Rebellion (Lies)” ganharam um coro mais reforçado por parte da platéia. Destaque, também, para “Here Comes The Night Time”, “Reflektor” e “Neighborhood #3 (Power Out)”.
ENORME troca de energia entre banda e público
Vou me estender um pouco neste item, porque foi um dos pontos que mais me impressionou no show do Arcade Fire.
Para começar, via-se um público muito diversificado na Fundição Progresso. Homens, mulheres; jovens, idosos, meia-idade; sozinhos, em casais, em grupos. Quem estava ali realmente curtia o trabalho dos canadenses, já que era nítida a quantidade de pessoas que dançavam e cantavam em coro os sucessos da banda, dando um show à parte no quesito empolgação.
Se em outras apresentações a gente sempre percebe o carinho do público com o artista, na do Arcade Fire especificamente a gente observou um olhar diferenciado da banda perante os fãs. Não foi um olhar hierárquico, do tipo “eu aqui em cima e vocês aí embaixo”, e sim todo um cuidado e toda uma atenção especial para tornar aquela experiência especial para os presentes. É daquelas coisas que em texto, infelizmente, não se consegue explicar, mas a gente tenta listar alguns dos itens.
Para começar, o vocalista Win Butler acompanhou o show da banda de abertura Bomba Estéreo diretamente da platéia: bem gente como a gente. Depois de sua entrada no palco, ele anunciou, em uma boa tentativa de português, que um dólar de cada ingresso seria revertido para uma ONG. Fora os momentos em que a banda toda se sentia claramente à vontade e confortável para realizar suas performances, outros pontos se destacaram: o passeio de Win no meio do público em uma boa extensão da pista em “Afterlife”; a ascensão da bandeira LGBT em “We Exist”; a extensão da faixa final, “Wake Up”, em conjunto com um grupo de percussão, que se prolongou com toda a banda descendo do palco e caminhando até a saída de emergência; e aquele que foi, para mim, o momento mais emocionante do show, em “Neon Bible”, onde Win Butler pediu para o público acender as lanternas de seus celulares – a música sóbria combinou perfeitamente com a casa de shows iluminada, em um momento totalmente intimista. Não sei se o nome disso é intuição, mas ali especificamente me ficou muito transparente o tamanho da conexão entre o Arcade Fire e seu público, que, mesmo em tamanho reduzido, mostrou toda a sua alegria do início ao fim.
O show de São Paulo seguiu a mesma linha, somente com a retirada de “My Body Is A Cage” e a inclusão de “Chemistry”. O ponto é que o Arcade Fire, mesmo com pouco público, fez apresentações carinhosas e enérgicas, o que as tornaram marcantes por si só – e que com certeza vão voltar a desembarcar no Brasil em próximas turnês. Quem pode deixar isso claro são eles mesmos. Sorte a nossa.
Setlist:
Everything Now (Continued)
Everything Now
Rebellion (Lies)
Here Comes the Night Time
Haiti
Peter Pan
No Cars Go
Electric Blue
Put Your Money on Me
Neon Bible
My Body Is a Cage
Neighboorhood #1 (Tunnels)
The Suburbs
The Suburbs (Continued)
Ready To Start
Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)
It’s Never Over (Oh Orpheus)
Reflektor
Afterlife
We Exist
Creature Comfort
Neighboorhood #3 (Power Out)
Encore:
We Don’t Deserve Love
Everything Now (Continued)
Wake Up