Quase 30 anos desde o lançamento de “My Life” – o segundo disco de Mary J. Blige e um dos mais disruptivos da música -, a cantora, compositora e atriz decidiu mostrar todos os bastidores dessa grandiosa obra no documentário “Mary J. Blige: Minha Vida”, disponível na Amazon Prime Video.
Com participações de grandes nomes da indústria, como Diddy, Taraji P. Henson e Alicia Keys, o longa dirigido por Vanessa Roth tem uma narrativa bem articulada ao intercalar os depoimentos de Mary com os produtores do álbum, parte de sua família, relato de fãs e trechos de show. O filme capta uma visão de 360 graus sobre a vida de Mary, desde a sua difícil infância no Bronx, o início da fama ainda jovem até desaguar na criação de “My Life”.
Lançado em 1994, o álbum chamou atenção do público e mídia por ter letras sinceras e cruas, quando a cantora aborda traumas violentos da infância, relações abusivas, depressão, e no final, a única coisa que Mary J. Blige mais procurava: a sua própria felicidade e amor próprio. Indicado ao Grammy de 1996, o álbum conta com inúmeros hits como “Be Happy”, “My Life” e o clássico “I’m Going Down”.
Por não se limitar apenas aos bastidores do segundo disco, o documentário é um ótimo caminho para quem quer conhecer de fato a carreira de Mary, o seu impacto na indústria, e é claro, a construção de “My Life”. Além disso, uma grande seção do filme foca em contextualizar, a partir da visão de Mary, o que significava viver nos guetos de Nova York, no final dos anos 80. Ela não poupa em detalhes ao retratar a violência que ela e a família sofreram na época, o encontro com as drogas e bebidas, e a dificuldade de ter uma perspectiva de futuro, além da sobrevivência diária.
Ao mesmo tempo, a cantora também mostra o que a fez seguir em frente: a música. Como Mary mesmo definiu, ela literalmente cantava pela vida dela para, assim, dar condições melhores a sua família. Algo que também é bem interessante e funciona no filme são as animações que intercalam os depoimentos e ajudam a traduzir os sentimentos e cenários que Mary narrava.
O impacto de “My Life” na indústria
Se hoje a música R&B se intercala constantemente com o hip-hop, deve-se em grande parte pela carreira de Mary J. Blige. Em um dos melhores segmentos do documentário, é apresentado a relevância e o impacto que os primeiros passos da cantora na indústria geraram na época, e como é um disco revolucionário na indústria, até hoje.
“What’s The 411?”, o primeiro álbum da cantora, tornou-se um fenômeno nos Estados Unidos ao revolucionar o R&B e soul, misturando-os com produções e samples típicos do hip-hop; algo que também não se limitou a música, como também a moda e representatividade em seus videoclipes. “O boné para trás com o coturno, saia e tênis. Era como se ela fosse a nossa garota urbano modelo. Queríamos ser ela. Vi algo que nunca tínhamos visto antes, mas que sabíamos que existia”, comenta Taraji P. Henson em uma das declarações do documentário.
Com o seu pioneirismo, em “My Life”, produzido pelo seu grande amigo Diddy e Chcuky Thompson, Mary J. Blige se aprofunda ainda mais no soul, apresentando mais do que nunca a sua capacidade vocal. A faixa, que leva o título do álbum, conta com o sample de “Everybody Loves The Sunshine”, do Roy Ayers Ubiquit, e marca também um dos momentos mais tocantes do documentário. “Foi a primeira música que ouvi na minha infância que ficou comigo, porque me fazia esqueci onde vivíamos. Aquele som me tirava do sério. Aquela música me fez sentir que eu podia ter algo. Mas eu não sabia o que era. Mas eu podia ter algo. Uma vida na luz do sol era algo que eu queria”, comentou a cantora emocionada.
De Rihanna a Mariah Carey: as artistas inspiradas por Mary J. Blige
Se observamos um cenário do R&B e pop, que hoje está cada vez mais efervescente, e ver o sucesso de artistas como SZA, Kehlani, Aaliyah, Beyoncé e muitas outras, deve-se ao sucesso de Mary, que abriu portas para carreira de diversas mulheres que buscavam mais espaço nesse segmento.
Em 2019, Mary J. Blige performou um medley com seus principais hits, no BET Awards. Mais tarde, ela ganhou o prêmio de Lifetime Achievement Awards, que foi introduzido por Rihanna. A cantora entregou o prêmio à Mary com um discurso emocionante e contando como ela foi uma grande influência na sua própria carreira, e pavimentou o caminho para as mulheres na música.
A cantora e compositora Alicia Keys, que participa do documentário, notoriamente tem em sua carreira uma sonoridade e composição que remete diretamente ao repertório de Mary. Em uma das músicas do “Songs In A Minor”, Alicia presta homenagem na música “The Life”, ao samplear a canção de Mary, “My Life”. Sobre essa influência, a cantora também comenta no filme a importância do repertório de Mary, principalmente naquela época. “Comecei a me sentir bem comigo mesma, sobre ser um pouco imperfeita, sobre ter um ponto de vista forte. Eu poderia ser eu mesma, e isso era legal.”
Mariah Carey, que também popularizou a junção de R&B e hip-hop no mainstrem, já trocou grandes elogios com Mary J. Blige ao longo da carreira, confirmando ser um grande inspiração para sua música – o que culminou, em 2009, o dueto entre essas duas grandes vozes, em “It’s A Wrap”.
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Percepções finais de “Mary J. Blige: Minha Vida”
Toda a contextualização que o filme aborda faz sentido para entender o estado mental que a cantora estava, sem esconder os momentos mais pesados e difíceis. Mesmo que tenha muitas informações ao mesmo tempo, a narrativa do longa consegue costurar muito bem todos os segmentos, sem perder o ritmo.
O filme é um prato cheio para quem é amante da música, pela possibilidade de presenciar e observar essa relação de perto de uma grande artista, que preza tanto pela qualidade e sinceridade do seu próprio oficio. No final, o documentário mostra como a arte fez não só Mary J. Blige sobreviver, como também as pessoas que foram impactadas por sua música. Sem romantizar, a narrativa apresenta essa longa jornada de superação que a cantora enfrentou, mantendo a sua verdade sempre como prioridade, mesmo quando a vida fechava todas as portas de oportunidades para ela.
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