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Opinião: Rebeca Andrade leva “Baile de Favela” às Olimpíadas; o que isso significa?

Não é de hoje que ouvimos que determinado artista ou movimento está sendo o grande propagador do funk pelo mundo. Dentre nomes como Anitta, Ludmilla, Kondzilla e semelhantes, chegou a vez das Olimpíadas ser a difusora do gênero musical. Em destaque, a ginasta Rebeca Andrade, que escolheu “Baile de Favela”, de MC João, como a música-tema de suas apresentações durante a competição em Tóquio.

A canção ficou ainda mais em evidência na quinta (29), quando Rebeca conquistou a consagrada medalha de prata na categoria individual geral. Rebeca só ficou atrás da norte-americana Sunisa Lee. E, para o orgulho do país que representa, a brasileira repetiu a fançanha e conseguiu o ouro nesse domingo (1º), ultrapassando sua principal adversária, Jade Carey, dos Estados Unidos, na categoria de saltos. Com isso, ela se torna a primeira mulher do Brasil a faturar dois pódios nessas Olimpíadas. Ela ainda pode ir uma terceira vez, na final da categoria solo, nesta segunda-feira (2).

No meio de todo o glamour de um dos maiores eventos do planeta, tanto o funk quanto Rebeca Andrade carregam algo em comum: uma origem humilde e difícil, numa constante de desafios, resistências e batalhas travadas diariamente para provar seu valor. 

Para nós, espectadores e torcedores, o resultado surge como algo quase desesperador e cheio de surpresas, seguindo a máxima de que “brasileiro nunca desiste”. Isso explica muito a nossa garra enquanto nação, que mesmo passando por um dos momentos mais difíceis do século, em plena pandemia, ainda exportamos grandes talentos como Rebeca. E como o funk, também.

E a jornada, realmente, vale ser glorificada. Rebeca Andrade já comentou que cogitou a desistência do esporte, que exige extrema disciplina em todos os aspectos com seus atletas. A maior referência do esporte no Brasil, Daiane do Santos, se emocionou com a sua história. Aqui, é válido refletir: enquanto Rebeca dava seus primeiros saltos, Daiane encantava o mundo com seu tema “Brasileirinho”, e era a primeira brasileira medalhista de ouro em uma competição mundial, tornando-se uma verdadeira inspiração e abrindo portas.

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Ginasta brasileira Rebeca Andrade se apresenta nas Olimpíadas de Tóquio com o funk “Baile de Favela” | Foto: Reprodução/Instagram/@cbginastica/Ricardo Bufolin

O “baile de favela” chega nos esportes e encara culturas conservadoras

A ginástica demanda horas de treino por dia, além de dietas rigorosas, concentração e uma dedicação quase exclusiva, um impeditivo para outras atividades. Esses motivos são mais do que suficientes para compreender o peso de uma responsabilidade sobre-humana (a mesma que fez Simone Biles retirar-se da competição para cuidar de sua saúde mental), e que, em um país como o Brasil, viver do esporte raramente é uma opção.

É importante ter em mente que, diferente de outros esportes (como o futebol e o vôlei), a ginástica não é tão acessível. Sequer é ensinado nas escolas, tornando-se uma realidade abstrata para crianças e jovens, que só acompanham pela televisão de quatro em quatro anos. É uma modalidade clubista, e, em pelo menos 90% dos casos, dominada por quem tem maior poder aquisitivo – assim como o tênis e o hipismo. 

A indústria musical segue quase a mesma premissa. Muitos dos nossos artistas favoritos surgiram de lugares inusitados, desde corais da igreja, até o baile funk. Esse gênero é diferente dos outros, justamente por criar um ambiente de inclusão para os marginalizados, e por demandar muito suor e trabalho independente. É, desde sempre, um movimento que explora a nossa necessidade de expressão corporal e sensualidade, que constantemente são abafados por uma cultura conservadora que repudia essa forma de empoderamento às claras, mas consome às escondidas – tanto em nosso país, quanto no próprio Japão. 

A expressão corporal é um dos pilares da ginástica, com coreografias bem marcadas e postura impecável. Sensualidade, nem tanto – a silhueta dos ginastas foge do típico “corpo violão” tão almejado, exigindo mais força que delicadeza. E é preciso ser forte para fazer funk e esporte no Brasil.

Ainda vivemos em um país que desvaloriza ambos, colocando-os em lugares de precariedade. Curiosamente, dentre os melhores atletas do mundo, existem vários brasileiros, assim como os nomes mais populares da música brasileira nesta década são oriundos do funk. Poderia ser mais um caso de “brasileiro não dá valor à própria cultura”, se tanto o esporte quanto o gênero musical não fossem verdadeiras formas de contravenção. Afinal, enquanto o país vive tempos sombrios, fazer arte e alegria são atos de resistência.

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