Em 2017, ao lançar o álbum “MASSEDUCTION”, St. Vincent nos entregou o seu trabalho mais pop até então. No projeto, a cantora trabalhou ao máximo na divulgação e em suas várias facetas com turnês, clipes e novas versões, o que mais tarde até rendeu um Grammy em 2019. Quatro anos depois, St. Vincent lançou nessa última sexta-feira (14), o seu sexto álbum de estúdio, “Daddy’s Home”. Vamos falar um pouco mais sobre ele?
A Nova York de “Daddy’s Home”
O cenário é a Nova York dos anos 70. Em meio a uma grande crise econômica, que quase fez o estado decretar falência, por outro lado a efervescência cultural tomava conta das ruas da grande metrópole. As roupas coloridas e a disco music embalavam os ritmos das baladas na cidade, ao mesmo tempo em que a cena do hip-hop se fortalecia na cidade e futuramente iria influenciar a indústria fonográfica. Afinal, foram muitos movimentos culturais que borbulhavam ao mesmo tempo naquele período.
Nesse contexto, todo esse ambiente plural de Nova York culminou na criação de “Daddy’s Home”. Inspirado esteticamente em filmes do anos 70 do John Cassavetes, Gena Rowlands e Candy Darling, St. Vincent veste as roupas sofisticadas da moda da época ao mesmo tempo que faz um contraponto a realidade nem um pouco glamorosa da cidade. Evocando o soul de Stevie Wonder, a experimentação e glam rock de David Bowie e a psicodelia do Fleetwood Mac, conhecemos um pouco mais profundamente o que aconteceu com Annie nesses últimos quatro anos.
A narrativa de “Daddy’s Home”
Enquanto escutava o disco, uma frase que Annie me disse, em nossa conversa no mês passado, fez o maior sentido agora ouvindo a obra completa e que define muito bem todo o álbum. Ela me contou que a primeira composição para o álbum foi “…At the Holiday Party”, música que a fez definir um conceito ao projeto: “produzir um repertório com sons antigos para contar histórias modernas.”
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No decorrer das 14 faixas, a atmosfera orgânica na produção, com instrumentos reais sendo tocados juntos com momentos mais sintéticos e eletrônicos, contemplam essa narrativa sobre as vivências atuais de Annie. Especialmente sobre redescobrir e analisar novas situações da vida que antes eram uma grande certeza, mas que de uma hora para outra não são mais. O caminho de como lidar mentalmente com mudanças e todos os questionamentos e dúvidas que vem acompanhados dela. Como por exemplo, a libertação de seu pai da cadeia, a qual foi o motim de inspiração para a obra e a forma que ela encontrou de contar pela sua ótica o que pensa e sente sobre tudo isso.
Destaques de “Daddy’s Home”
Marcando mais uma vez a parceria na produção com o seu grande amigo Jack Antonoff, o processo de criação do disco se deu início no prestigiado estúdio de Nova York, o Electric Lady Studios. Entre os vários gêneros musicais que são referenciados no repertório, os mais evidentes são o rock, funk, blues e soul dos anos 70. A genialidade da produção é entregar o equilíbrio perfeito dessa sonoridade antiga, com um aspecto mais “torto” e “sujo”, ao mesmo tempo que valoriza os elementos modernos. É como se fossemos convidados a pensar: “como seria um disco psicodélico e de blues feito em 2021?”
Nos momentos mais efusivos de “Daddy’s Home”, como em “Down”, “Pay Your Way In Pain” e “Down And Downton”, fica explícita a homenagem a Stevie Wonder. A fusão da guitarra com o contrabaixo, que ditam o groove e o funk na produção, o uso das camadas de voz que funcionam como um instrumento que guia a música, remetem diretamente ao seu álbum de 1972, o clássico “Talking Book”. Porém, Annie consegue capturar toda esse essência e fundir com texturas mais industriais e modernas. As melodias únicas da cantora junto com aqueles ad-libs, com gritinhos e gemidos, compõe essa atmosfera mais sexy e provocativa que permeia em grande parte do álbum.
Já faixas como “Living in the Dream” e “The Melting of the Sun”, evocam elementos mais psicodélicos, desde a composição mais alucinógena até as reverberações das guitarras, sintetizadores e as várias camadas de voz, que remetem o repertório de Fleetwood Mac.
Annie consegue nos transportar para uma Nova York antiga, não só pela sonoridade mas pela forma imagética e ilustrativa que ela descreve as situações e os lugares das suas canções, dando forma aos seus sentimentos. É como se estivéssemos lendo um roteiro de um filme antigo, sabe? Tudo é muito bem descrito e ambientado, mas ainda com aquele dedo poético que envolve e encanta o ouvinte. A habilidade de compor canções que balanceiam a medida certa da poesia com um eu lírico que se esconde por trás de personagens, e ainda sim representam e captam os sentimentos de Annie Clark, destaca a habilidade brilhante de composição da cantora e é um dos grandes aspectos positivos do álbum.
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Considerações finais
“Daddy’s Home” se cerca de bons momentos mas sofre com o excesso de faixas, especificamente na parte final, com músicas que quebraram o ritmo do álbum e que poderiam facilmente ser descartadas. Mas no final, essas divergências não chegam a afetar a consistência geral do álbum. A sofisticada produção perpassa por gêneros como o funk, blues, soul, glam rock e muito mais. Com quase 15 anos de carreia, esse é um disco em que Annie olha para trás e presta homenagem a todos que a influenciaram em sua carreira e na vida pessoal. É uma narrativa que trata sobre ter uma nova perspectiva e a ressignificação de tantos momentos que já foram uma certeza na vida, mas não são mais. St. Vincent provou nesse novo capítulo que é uma das grandes compositoras e musicistas dessa nova geração e que sempre é possível se reinventar.
NOTA: 8.5
Em nosso podcast “E Vamos De…”, você pode conferir trechos da entrevista com St. Vincent a partir do minuto 17:03. Confira: