Parte de uma família amante da música, Tássia Reis cresceu em contato com esse universo e, como diz a própria, acabou “levando isso muito a sério”. A cantora de 31 anos, que também tem um histórico com o mundo da moda, teve uma longa jornada até chegar ao posto de uma das grandes vozes nacionais do rap, passando por escola de samba até street dance.
Com uma carreira muito aclamada tanto pelo público quanto pela mídia, a jacareiense continua a conquistar novos espaços e usar seu instrumento para expor sua visão sobre a sociedade, seja boa ou ruim. Em entrevista ao Tracklist, Tássia Reis compartilhou mais sobre a cultura hip hop e como ela será ampliada com o Palco Ultra, festival virtual que terá sua apresentação hoje (31), além de nomes como Emicida, Clara Lima e mais.
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- Você usa muito a arte como um meio de se expressar sobre o mundo, seja uma visão positiva ou negativa. No momento atual, com todas as coisas que estamos passando, como você se vê no meio disso com esse instrumento?
Foi na cultura hip hop, pensando em todos os elementos e como eles confraternizavam, principalmente no elemento ‘conhecimento’, que eu soube coisas que não aprendi na escola. Lá, do jeito que me ensinaram, foi como se racismo tivesse sido um evento que aconteceu um dia nos Estados Unidos, bem distante da gente, tanto que até hoje muita gente acredita que racismo não existe. Então, politicamente falando, isso foi uma virada de chave na minha cabeça para um entendimento e também pra poder se enxergar porque a cultura hip hop foi onde eu me enxerguei como importante, vendo muitas pretas principalmente fazendo coisas incríveis. Eu acho que a gente ver e saber que pode fazer é muito importante, a identificação é muito importante.
Agora, sobre esse instrumento, esse poder, vamos dizer assim, que a música tem…Tem uma coisa que pra mim faz muito sentido, tem a ver também com a minha construção e com o que eu aprendi com a cultura hip hop, mas também com os artistas que eu gosto é não acreditar numa arte que não questiona. A arte vem de um questionamento, seja ele de várias formas possíveis, e quando a gente forma a política, eu sinto que as pessoas pensam que é um fato isolado, mas tudo é política. Nossa existência é política, como a gente tá vendo agora nas Olimpíadas até o fato de poder andar de skate já foi político porque já foi proibido no Brasil. Então, tudo é política, às vezes as pessoas falam “ah, mas política é chato!”, não, o que é chato é a gente não ter direitos.
Como diz a minha rainha, uma das minhas inspirações, Nina Simone: não acreditar numa arte que não questiona. Pra mim é uma lema e não quer dizer que a gente não pode fazer músicas leves, músicas sobre outros assuntos, não é isso, quer dizer que você tem que saber o momento onde você precisa se posicionar, onde é preciso que você reafirme os seus posicionamentos, as suas escolhas que também são posicionamentos: com quem você vai trabalhar, com quem você vai dividir e como você vai se apresentar pro público. Tudo isso são escolhas artísticas e são difíceis porque precisamos ser artísticos e responsáveis ao mesmo tempo. Acho que ser artista é surfar entre essas duas ondas: da responsabilidade de ser e da fluência de ser.
Tem uma outra coisa que eu ouvi a Assucena Assucena da As Bahias falando, que é “posicionamento não é nada sem a construção do posicionamento”. Sinto que às vezes as pessoas estão muito aflitas pra se posicionar, mas elas precisam chegar até a construção que leva ao posicionamento senão ele é vazio. Então, eu não estou me posicionando porque eu quero like, eu estou me posicionando porque é importante para a minha construção quanto pessoa e artista. Como uma mulher preta na sociedade, eu já tô posicionada de certo ponto, a minha existência é política e ela já diz um monte de coisa sozinha, mas eu faço questão de afirmar algumas e de tirar algumas outras construções que foram colocadas em cima de mim sem a minha permissão.
- O hip hop é a música do futuro, segundo o idealizador do Palco Ultra, festival que está acontecendo e que você irá participar. Na sua visão, qual é a importância de um evento desses atualmente?
Eu sinto que, na verdade, está no presente, já esteve porque não é uma coisa tão nova apesar de ser jovem e eu espero que seja cada vez mais porque a cultura hip hop tem muito a oferecer pro mundo, resgatou muita gente e trouxa muita informação, aproximou muito as pessoas, sabe? Eu acho que uma das coisas que eu mais amo na cultura hip hop é poder estar em comunhão com essas pessoas, poder apreciar a correria e o trabalho de quem tá vivendo essa cultura: dos DJS, das DJS, de quem faz grafite, de quem faz rap e hoje em dia abrange também pra quem faz R&B ou pra quem tem influência dessas coisas, temos tantos outros subgêneros atualmente como o trap, que já tem subgêneros também…
Então, pode ser do futuro, mas acho que é do presente, já tá acontecendo. Eu sinto que o Brasil demorou um pouco pra entender que isso já tá acontecendo, o rap já é a música mais ouvida no mundo inteiro. Será que é do futuro? Porque parece que é agora que tá rolando, sabe, mas aí de repente eu reposiciono, acho que o futuro é a cultura periférica porque o funk é o futuro também. Sempre vai ser o futuro porque é de onde as coisas nascem, elas vão nascer de onde mais precisa nascer, de onde a expressão é mais genuína e não é atoa que as músicas mais ouvidas hoje têm influência de músicas periféricas. Pra mim, a periferia é o futuro.
- As apresentações do festival vão ser gravadas, não sei se você já gravou, mas queria saber mais sobre suas expectativas para o show. O que podemos esperar por lá?
Eu já gravei e é bem diferente do show com um público, mas eu tenho gostado de fazer essas experiências, principalmente com essa vibe de festival. Tá muito bonito visualmente falando e eu cantei geralmente uma música que eu não canto, mas acho que eu não posso entregar qual é (risos). Começa já com uma vibe bem ‘cheguei’, aí eu venho cantado as músicas do meu último trabalho “Próspera” que, inclusive, tá vindo aí a versão deluxe em setembro. Eu gosto de fazer shows com uma dinâmica de sobe e desce na vibe, não descer no sentido de tristeza, mas no de estar muito enérgico e depois cremoso, sabe? Tá essas nuances de vibe que eu gosto, mas começa bem ‘pé na porta’.
- Recentemente, você lançou alguns projetos novos em parceria, como São Jorge Guerreiro (Remix) e Girl from Bahia. Eles estarão inclusos no setlist?
Não, vai estar porque são colaborações que eu fiz e eu acho que, nesse caso, nós estamos num momento pandêmico, mas se não estivéssemos provavelmente estaria em show com as pessoas e os artistas. Nesses projetos, eu fui convidada, então eu não acho de bom tom eu trazer a faixa sem as pessoas, isso é besteira da minha cabeça porque um monte de gente faz isso, mas vamos guardar um pouquinho pra ter esses encontros pessoalmente. Pode até ser em live mesmo, mas que ambos artistas estejam. Eu fiz uma chuva de feats do ano passado pra cá, então vou ter que fazer um show só pra cantar feat (risos).
- Por agora os shows vão seguindo de maneira remota, talvez ano que vem voltem a ser presencial. Qual é a sua expectativa para esse momento?
Nossa, só de falar o meu olho já se encheu de lágrimas (risos)! Eu não tenho noção de como vai ser, mas eu espero que eu possa cantar tanto depois que eu parar de chorar. Acho que vai ser incrível, eu amo fazer show com público, eu gostei da experiência de fazer live, mas não comparo com a experiência do show, sinto que alguns artistas ficaram tentando compensar e não tem como compensar, é incompensável a ausência das pessoas presencialmente. É outra experiência que também é interessante, você tá ali tendo que criar uma vibe pra quem vai assistir conseguir acompanhar. É meio que jogar um artista numa parede branca e falar “vai, seja artista”, pra mim é meio isso e eu acho incrível porque eu amo ser artista.
São experiências diferentes e a experiência do show é a de troca com as pessoas que estão ali. Eu já fiz show pra muita gente que não tava afim e não foi legal, já fiz show pra pouca gente que tava muito afim e foi incrível, também fiz show pra muita gente que tava afim e foi ótimo… Então, o que a gente tira disso não é a quantidade de gente, é a qualidade da troca. Eu falo “gente, o show é nosso, estamos aqui trocando; se a gente não trocar, é só um ensaio”. Eu amo de paixão fazer show, falo isso de boca cheia, não vejo a hora, vai ser tudo quando voltar.