Por Fernando Marques, Giovana Bonfim e Lucas Ribeiro.
Há quase 7 anos chegava ao mercado o “Pure Heroine“, primeiro álbum da neozelandesa Lorde, que viria a revolucionar a indústria da música e abrir portas para artistas como Billie Eilish, Melanie Martinez e Troye Sivan.
A obra que tem estética minimalista, com o lírico atemporal e marcante, foi responsável por catapultar a carreira de Ella ao mainstream. ‘Royals’, que foi a principal canção nesta tarefa, viria mais tarde se revelar parte de um conjunto muito maior, de uma obra completa e complexa, mesmo que sonoramente simples.
Para comemorar a obra, abordaremos três tópicos principais que transformam a obra de Lorde em um divisor de águas. A estrutura do disco e sua atemporalidade, o impacto na indústria e sua conexão com o ‘Melodrama’, o irmão mais velho.
A estrutura do disco
Sintetizadores, batidas marcantes, voz. Como fazer um disco com tão pouco? Como fazer um disco de sucesso, que atingiu o topo do mainstream, com tão pouco?
O que para muitos, a primeiro momento, soou como um estilo preguiçoso de produção, para outros, foi se provando ser uma obra de genialidade ímpar. O simples não é fácil de fazer, e isso foi mostrado com maestria dentro do “Pure Heroine”.
Uma comparação básica, e que parecerá até cômica: o funk brasileiro. Quando escutamos, parece ser algo extremamente simples de ser produzido. Porém, quando os produtores internacionais escutam, ficam fascinados. Como misturar aqueles elementos? A prova disso é que o número de produtores internacionais que conseguem produzir um funk com maestria é mínima. Mesma coisa com o minimalismo de Lorde, que obviamente, foi reproduzido muito após o sucesso do primeiro disco, todos sem a maestria da neozelandesa.
A produção é toda de Joel Little, no que ele chamou, em uma entrevista ao The Guardian em 2013, de uma parceria completa. Ella não tinha experiência em escrever músicas, mas tinha, segundo ele, ‘palavras bonitas’. Então o principal desafio foi transformar essas histórias em músicas. As três primeiras produções da dupla foram ‘Royals’, ‘Bravado’ e ‘Biting Down’. As duas últimas que entraram na versão estendida do disco.
Para Joel, após o sucesso do Pure Heroine, e as portas que o disco abriu para ele como produtor, é um prazer trabalhar com qualquer artista, de qualquer calibre. Ele têm apenas uma condição: há de ser uma parceria, ambos estão prestes a contar uma história.
O que diz muito sobre a produção do disco, as batidas marcantes são a marca registrada do “Pure Heroine”. Elementos que parecem ter sido gravados ao bater um item que temos em nossa casa, uma panela, um prato, duas canetas. Tudo isso foi pensado com a intenção de dar destaque a voz e as letras do disco.
Um elemento a parte, as letras são coesas, inocentes, questionadoras, importantes. Lorde conta sobre sua adolescência, questiona se a fama já influencia quem ela é, ou se em algum momento irá influenciar como em ‘Still Sane’. Fala sobre o alívio de um mundo cheio de problemas em ‘Buzzcut Season’. Em ‘Team’, Ella questiona a vida real, comparada ao que se vê no mundo, como o amor era retratado antigamente e como lidar com a realidade.
Toda a estrutura do disco é embasada nas histórias que Ella tem pra contar, com início, meio e fim. Estes, extremamente bem demarcados, como quando Lorde abre o disco questionando: “Você não acha chato como as pessoas falam?” e finaliza em sua última frase do disco com uma resposta: “Deixe que eles falem”. Comprovando sua genialidade do início ao fim, como uma obra pensada como um todo, e não apenas um apanhado de produções aleatórias. Bravo.
O impacto na indústria
Quando Lorde tornou-se o centro dos holofotes em 2013, o “Pure Heroine” foi um contraponto a tudo que acontecia no pop mainstream da época. O sucesso de uma garota de 16 anos, totalmente desconhecida, e da Nova Zelândia, causou uma mudança na indústria da música. Ao viralizar, a internet comprovou mais uma vez que não se tem fórmula para se tornar um hit. Ter uma artista estreante quebrando o record da pessoa mais jovem com o número #1 na Billboard Hot 100, trouxe algo novo e necessário para a música pop.
Em termos de sonoridade, o pop indie e experimental do “Pure Heroine” tem outras influências diretas, como o trip-hop e r&b. As estruturas das canções são simples, composições que retratam com precisão as angústias, amadurecimento, reflexões e ambições de um jovem adolescente. Talvez essa captação tão verídica, seja um dos principais atrativos que causou a conexão imediata com o seu público. Já em termos de produção, elas são experimentais, eletrônicas e minimalistas, quase como se fosse feita em casa. Algo bem distante do pop radiofônico que estava no topo das paradas musicais da época, como Iggy Azalea, Katy Perry, Taylor Swift e Ariana Grande.
Naquela época, não só a sonoridade de “Pure Heroine”, mas a sua personalidade rebelde e sincera (o que na época causavam polêmicas), fez com que Lorde impactasse ainda mais a indústria fonográfica. Com seu repertório, o mundo conheceu um cenário amplo e preste a ebolir: o pop indie. Lana Del Rey já havia trilhado os caminhos dessa vertente musical, com o seu álbum ‘Born To Die’, em 2012. Porém, o reconhecimento imediato pelo público e crítica, algo que veio a ser consolidado por Lana posteriormente nos últimos anos, fez o sucesso do álbum de estreia de Lorde tornar-se um marco na indústria.
O frisson que Lorde causou e o contraponto dentro da música pop, era algo em falta na indústria. Ganhadora de dois Grammys, reconhecida por gigantes da música, como David Bowie, Lorde se consagrou e abriu a porta para diversos artistas do segmento do pop indie. Artistas que tinham tanto talento como Lorde, e que agora o público ficava de olho, ansiando para que uma nova estrela “indie” surgisse. Possivelmente, sem todo o sucesso comercial em 2013 e 2014, artistas que haviam lançado álbuns na mesma época, como MØ:, Tove Lo, Troye Sivan, entre outros, não teriam feito tanto sucesso como fizeram. Ou até artistas de hoje, como Billie Eilish, não teria a mesma oportunidade e atenção do público e mídia, se a porta que Lorde abriu em 2013, mantivesse fechada.
A conexão com o Melodrama
Enquanto o “Pure Heroine”, primeiro álbum de Lorde, é mais fechado e monocromático (tanto nas cores quanto na produção), seu sucessor “Melodrama” é quase que seu oposto. Por mais diferentes que sejam um do outro, ainda existem várias conexões e semelhanças entre os dois.
Dentre as mais fortes, estão as músicas “Hard Feelings/Loveless”, “Sober II” e “Supercut”. Já diremos com quais músicas do “Pure Heroine” elas se conectam.
Em “400 Lux” e outras faixas do “Pure Heroine”, Ella normalmente fala sobre o conforto de estar dentro do carro dando voltas por aí com seu ex-namorado. Com o término, ela ressignifica tudo isso. Logo em “Hard Feelings/Loveless”, no pré refrão, ela diz que “agora estamos em seu carro e nosso amor é um fantasma, acho que deveria ir” (now we sit in you car and our love is a ghost, well I think I should go).
Em “Supercut”, Lorde ainda fala mais sobre as memória leves e boa relacionadas à carro se tornarem pesadas e caóticas. “Em seu carro, com o som alto, tentamos falar sobre nós” (in your car the radio up, we keep trying to talk about us). É como se o som estivesse tão barulhento que isso impedisse que a relação fosse discutida.
Acho que “Sober II” é de fato a conexão que mais gosto. “A noite passa rápido limpando as taças de champagne” (oh how fast the evening passes cleaning up the champagne glasses). Enquanto em “Glory and Gore” Lorde fala sobre “deixar os copos caírem só para escutar eles quebrando” de forma imatura, é como se em “Sober II” a maturidade tivesse chegado e agora ela tivesse que dar conta de “recolher” e “cuidar” do que tivesse acontecido. Lidar com as consequências. Afinal, a maior conexão entre o “Pure Heroine” e o “Melodrama” é isso: perceber a maturação e a saída da adolescência na vida adulta. Possivelmente nenhum outro artista fez isso tão bem em trabalhos musicais como Lorde.