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Opinião: De Chorão às Olimpíadas: a popularização do skate no Brasil

Enquanto encantávamos a Tóquio e ao mundo com nossas manobras, o céu certamente sorria na presença de Chorão. O lendário vocalista do Charlie Brown Jr. se tornou símbolo do skate no Brasil por conta da forte relação que desenvolveu com as pistas por meio de suas canções e seu estilo de vida na Baixada Santista, que viria a se tornar uma das bases do novo esporte olímpico no país.

Sim, finalmente esporte olímpico. No último sábado (24), o skate estreou oficialmente nos Jogos Olímpicos e logo se destacou como uma das grandes atrações do fim de semana e uma nova esperança de medalhas para o Brasil. Na categoria street, uma das mais aguardadas competições da edição, o país conquistou duas medalhas de prata com os talentos Rayssa Leal e Kelvin Hoefler.

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A sensação do momento nas Olimpíadas percorreu uma longa trajetória até ser admitida no maior evento esportivo do mundo, que busca reforçar sua popularidade entre o público mais jovem e levar o espírito olímpico às ruas a partir de 2021. À frente do Charlie Brown Jr., Alexandre Magno Abrão já o fazia muito antes, cantando para multidões de fãs sobre o skate e ajudando a desmarginalizar sua imagem.


O skate manobrou por diversas barreiras ao longo de décadas, superando preconceitos para alcançar cada vez mais pessoas. Por aqui, o esporte surgiu nos anos 60 no Rio de Janeiro, como uma herança da cultura urbana estadunidense que não demorou muito a chegar ao Brasil — e logo se tornou uma tendência entre os adolescentes, com direito a destaques em revistas e à criação de campeonatos.

Por anos, o esporte foi associado à marginalização e ao crime em meio à política, sendo inclusive proibido de ser praticado em São Paulo em 1988 pelo então prefeito Jânio Quadros. Organizando-se em protestos contra as novas leis, os skatistas passaram a ser perseguidos pela Polícia Militar até Luiza Erundina revogar as proibições em seu primeiro mês de mandato na cidade, em 1989, como uma das principais promessas de sua candidatura à prefeitura.

A partir dos anos 90, o skate teve a sua maior guinada em território brasileiro com uma visibilidade ainda maior aos torneios locais e internacionais. Grandes lendas do esporte, como Tony Hawk e Tony Alva, vinham competir no país e acompanhados de gigantescas multidões, enquanto grandes nomes o assistiam e se inspiravam em suas manobras sonhando em replicá-las —  como é o caso do carioca Bob Burnquist, maior vencedor da história do X Games e eleito o melhor skatista do ano no mundo em 1997 pela revista Thrasher.


A relação de Chorão com o skate

O espaço que o skate conquistou para si nos grandes centros urbanos permitiu a milhares de jovens pelo país crescerem inseridos como parte de sua cultura — não só aqueles que o praticavam profissionalmente, mas também aqueles que o carregavam consigo por onde quer que fossem. Chorão o levava através da música.

O cantor cresceu nas pistas de Santos, por onde se tornou uma lenda entre aqueles que também as frequentavam com o sucesso do Charlie Brown Jr. no fim dos anos 90. Mesmo com a fama, Chorão não deixou de praticar o skate em meio às primeiras turnês e gravações, tendo jamais abandonado o estilo de vida que o esporte lhe apresentou; ao invés disso, o artista passou a incorporá-lo em sua poesia, transformando-se em um símbolo da contracultura.

A banda enxergava o skate e o rock como dois universos conectados: os integrantes diziam que a energia que sentiam nos palcos e no estúdio era a mesma que sentiam nas pistas, o que os influenciavam diretamente em sua sonoridade. O esporte também é um tema onipresente das composições, fazendo-se presente por meio de referências na grande maioria dos sucessos do grupo.

Foto: Twitter/@cbjroficial

Além de apoiar o esporte publicamente, Chorão também investia seu dinheiro para que outros pudessem praticá-lo. Em 2005, o vocalista inaugurou a Chorão Skate Park, pista de skate em Santos que funcionou até setembro de 2013, quando teve que ser fechada devido à falta de verbas após sua morte, mesmo com diversas tentativas de arrecadarem dinheiro para arcarem suas operações. No mesmo ano, a pista do Quebra-Mar, um dos principais pontos de encontro da cidade, recebeu o nome de Chorão em sua homenagem, além de ganhar clínicas de skate e BMX.

O Charlie Brown Jr. foi fundamental para a popularização do skate no Brasil, ajudando a desassociá-lo da figura marginal que o cercou injustamente por tantas décadas e fazendo seus fãs se interessarem a acompanhar o esporte. Por meio de sua música, Chorão transformou a Baixada Santista em uma das capitais do skate no país e o levou para muito além, de Guarujá a Imperatriz — agora, terras de dois medalhistas olímpicos.

O skate nas Olimpíadas

No último fim de semana, Kelvin Hoefler, de 27 anos, e Rayssa Leal, de apenas 13, fizeram história ao se tornarem os dois primeiros brasileiros a subirem ao pódio do skate olímpico. Ambos conquistaram medalhas de prata e comoveram as redes sociais durante suas disputas, com direito a homenagens óbvias a Chorão e ao Charlie Brown Jr. pela internet.

Até ser aceito como parte das Olimpíadas, o skate teve que enfrentar um longo processo de desmarginalização aos olhos das elites. A primeira ideia para integrá-lo à competição surgiu em 1996, quando ocorria uma das primeiras edições do X Games com a participação de Tony Hawk, mas logo foi descartada pelos organizadores, que a desenterrariam duas décadas depois.

A intenção do Comitê Olímpico Internacional (COI) com as modalidades olímpicas que estreiam em Tóquio, como o surfe e o próprio skate, é urbanizar cada vez mais as Olimpíadas e torná-la mais atraente ao público mais jovem, o que também terá um impacto significativo nas próximas edições em duas grandes metrópoles: Paris em 2024 e Los Angeles em 2028. Apesar de muitos skatistas já terem sido contra a ideia no passado por receio de como as provas poderiam ser aplicadas, as últimas disputas comprovaram o espírito coletivo que a categoria carrega, ultrapassando nacionalidades e aproximando diferentes realidades na mesma pista.

Ainda que o esporte enfrente diversos preconceitos até os dias de hoje, a visibilidade conquistada durante os últimos dias entre o público de massa representa um passo enorme para que muitos possam se interessar em praticar o esporte no futuro — especialmente pela figura de Rayssa, a mais jovem atleta a representar a nação na história dos jogos, que encantou o país com sua personalidade, seu talento e uma história que tem inspirado a tantos.


O Brasil pode conquistar ainda mais medalhas no skate nos dias 4 e 5 de agosto, quando serão realizadas as finais da categoria park. Entre nossos representantes, estão Dora Varella, Isadora Pacheco e Yndiara Asp na modalidade feminina, e Luiz Francisco, Pedro Barros e Pedro Quintas na categoria masculina.

O skate atravessou um longo caminho até chegar à maior pista na qual já foi disputado, e a partir das Olimpíadas, deve entrar em uma nova fase no Brasil e no mundo. O esporte se ergueu sob o esforço de tantos que lutaram pelo seu reconhecimento, e hoje se consolida como uma das mais queridas modalidades olímpicas nos comentários de Bob Burnquist e Karen Jonz, dois de seus maiores representantes no país.

Chorão, o símbolo mais popular do skate brasileiro, não esteve presente em pessoa para acompanhar, mas seu legado foi igualmente fundamental para o sucesso de sua maior paixão. De skate veio, de skate se foi — e do skate brasileiro, certamente se orgulha, de onde quer que esteja.

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