Barulhos esquisitos, estética meio brega, vozes distorcidas, pop levado ao extremo e às vezes mesclado com outros gêneros musicais que não fazem um sentido linear. Ou ainda, às vezes nada disso. São características do hyperpop / PC Music, que, no final, nem características lá tão bem definidas tem. Charli XCX é uma de suas principais artistas e responsável, em partes, pela popularização do gênero/movimento.
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Para falar da atuação de Charli no hyperpop, é impossível não falar dos antecedentes, o que mais ou menos define o gênero e a PC Music.
O que é hyperpop ou PC Music?
Apesar da PC Music ser definida como um estilo musical, ela começa como um selo de A.G Cook (guarde esse nome). O selo, lançado em 2013, levava o pop dos anos 90 e 2000 aos extremos ao alterar vozes com autotune; não só vozes eram aceleradas, como também as melodias; para além disso, utilizavam sons como barulhos que lembram coisas industriais. Os artistas da PC Music se apropriavam da estética de publicidade e consumismo com ironia; uma coisa do e-girl e e-boy começa a surgir daí. A seleta de artistas do selo era tão específica que PC Music acabou virando um gênero musical.
Segundo o próprio A.G. em uma entrevista ao Arte Tracks, o estilo é uma “versão mais agressiva do pop e do presente”. O selo nasce do descontentamento do artista com como a música eletrônica era antes representada e separada de certa forma do pop. De modo geral, os artistas conseguem mesclar tudo isso. Por conclusão, é mais um gênero musical da nova geração que nasce da internet e tem quase por completo (pode ser por completo, se assim desejar) uma construção feita a partir do computador e instrumentos/sons virtuais.
Acontece que o movimento foi começando a ficar muito maior. Artistas de fora do selo começam a fazer sonoridades e movimentações com o conceito da PC Music, mas, não estavam dentro dele. Surge aí a nomeação do hyperpop, mais atrelada a estética e a forma mais genérica e mercadológica da PC Music.
Mas onde entra Charli XCX no hyperpop?
Desde os seus primeiros lançamentos, Charli chama atenção por experimentar com o pop de formas não usuais como estamos acostumados no mainstream. Em 2012, ela lançou a mixtape “Super Ultra” em que utiliza muito o afinamento na voz e mescla o trap, rap e o esquisito antes mesmo que isso fosse cool. É um experimento super interessante.
O “Super Ultra” é tão subestimado que não está nem nos catálogos de streaming de Charli. Junto a ela, deve se creditar também Grimes e Sky Ferreira pelo início de algo da PC Music | hyperpop.
Por volta de 2013, com a ascensão do Tumblr e do aesthetics da rede, Charli XCX se torna popular com músicas com Icona Pop e Iggy Azalea e acaba ganhando fãs de trabalhos mais voltados pro synthpop, algo mais retrô e que lembrava os anos 80. Essa sonoridade ainda está muito presente no “True Romance” (2013) e o “SUCKER” (2015). Logo após, Charli colocou no mundo o “Vroom Vroom” (2016), EP de 4 músicas que marca a experimentação da cantora no mundo da PC Music.
A música de Charli após “Vroom Vroom”
O estranhamento é algo inicial por parte do público, uma vez que muitos sons industriais e estéticas futurísticas são adicionadas e Charli se tornou popular por conta da sonoridade mais retro e alternativa do synthpop. Em “Vroom Vroom”, é a primeira vez que a cantora trabalha com A.G Cook e SOPHIE, grandes nomes do gênero musical e que acabam virando grandes amigos e colaboradores para essa nova “fase” da artista.
Ainda em 2016, Charli contrata A.G. Cook como seu diretor criativo e boa parte de suas produções começam a ser em colaboração com o mesmo. No entanto, as músicas ainda não ficam 100% cruas como os artistas da gravadora PC Music. De início, principalmente, há muito um equilíbrio entre o pop e o “novo” estilo musical.
“Number 1 Angel”, álbum de 2017, é um bom exemplo de como ela consegue equilibrar. Por estar dentro de uma grande gravadora e o PC Music ainda não ser tão bem aceita, o álbum mescla muito do pop mainstream e que Charli já costumava fazer com a PC Music. Poucas músicas até então são fortes com o gênero, sendo o pop dançante ainda bastante presente.
A partir da mixtape “Pop 2”, lançada no mesmo ano, dá uma quebrada no equilíbrio que é feito até o último álbum. “Pop 2” é extremamente experimental e quebra ainda mais com a expectativa dos fãs de synth pop da Charli, que, para continuarem acompanhando sua carreira, tiveram que se adaptar à sonoridade. Ao mesmo tempo em que há a quebra de sonoridade, Charli chama grandes nomes para parcerias, o que ainda chama atenção. Nele, estão presentes parcerias com Carly Rae Jepsen, MØ e até mesmo Pabllo Vittar.
Desde então, Charli lançou dois álbuns: o “Charli” (2019) e o “how i’m feeling now” (2020).
É inegável a importância da Charli XCX para o hyperpop | PC Music. Se não fosse por suas experimentações e aproximações, talvez o gênero ainda fosse demorar um bom tempo para aparecer para o público em geral. Charli XCX traz essa aproximação, ainda que por vezes mínimas, com destreza.
Como Charli XCX consegue transitar entre o melhor dos dois mundos?
Na minha opinião, a estratégia de Charli é variar entre o extremo do hyperpop | PC Music e a mescla entre o synthpop, fazendo não ser algo extremamente estranho para os ouvidos e fazendo com que o público também experimente sonoramente. E ela vai fazendo isso pouco a pouco, álbum a álbum, por vezes agradando, por vezes desagradando.
Há a materialização disso nos dois últimos álbuns, uma vez que o “Charli” se aproxima bastante do pop e o “how i’m feeling now” é o mais perto que já esteve da PC Music. Além disso, há sempre colaborações interessantes para que ainda atraem atenção do público: em “Charli”, por exemplo, há colaborações com artistas como Christine and the Queens, Lizzo, HAIM e Kim Petras. Charli consegue transitar muito bem entre o pop e o PC Music, com um público que varia desde sua época mais pop, até os que chegaram com a nova sonoridade. É uma artista eclética que conseguiu dar grande visibilidade ao novo estilo musical – ainda que com muitos preconceitos por parte do público – , e dando holofotes para artistas inovadores da PC Music como A.G. Cook, SOPHIE e 100 gecs.
É uma carreira muito bem pensada, e, que ao mesmo tempo dá a possibilidade da cantora se desenvolver cada vez mais a cada novo projeto que lança.
PC Music para além da música e futuro de Charli XCX
Charli lança amanhã (02/09), o novo single e clipe de “Good Ones”. Pelo que já foi divulgado de trechos, a linha sonora muda um pouco do que é apresentado em “how i’m feeling now”, parecendo soar como uma música eletrônica de uma forma legal dos anos 2000. Se ela for por esse caminho, quer dizer que se afastou do gênero musical?
Na verdade, não. Pra além da sonoridade, há toda uma estética envolvida. A estética normalmente é levar ao extremo o brega, de forma irônica e como se fosse realmente parte da identidade. Tanto que, dentro da categoria PC Music | hyperpop estão artistas como Caroline Polachek, Christine and The Queens e até mesmo Dua Lipa em alguns momentos da era “Future Nostalgia”, mesmo com a sonoridade nada característica do que se espera de um artista do gênero.
De qualquer forma, estamos ansiosos pela nova era de Charli XCX e o futuro do hyperpop, que, com as imagens que temos do seu novo clipe, ainda vai seguir na estética brega proposital – talvez de forma irônica – e fazendo música que nos surpreende.