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Review: Tyler, The Creator consagra seu auge artístico com “Call Me If You Get Lost”

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Foto: Divulgação

Em meio a conflitos internos e externos, Tyler, The Creator se tornou um dos artistas mais intrigantes da indústria nos últimos anos. A cada lançamento, como é o caso de “Call Me If You Get Lost“, o rapper veste diferentes roupagens a fim de explorar novas possibilidades em suas obras, o que o permitiu amadurecer musical e pessoalmente como poucos desde os tempos de Odd Future.

Com suas produções mais recentes, o cantor tem se escancarado ao mundo ao apresentar seu lado mais criativo e sentimental, versando sobre suas vulnerabilidades pessoais e transformando-as em algumas de suas melhores músicas em “Flower Boy” (2017) e “Igor” (2019) — dois discos que ultrapassam as fronteiras do hip-hop e misturam elementos do R&B e do soul.

Em “Call Me If You Get Lost”, seu sexto álbum de estúdio, Tyler incorpora mais um de seus personagens, de sobrenome Baudelaire, para nos apresentar a sua versão mais confiante e segura de si. O disco não apenas o reaproxima da sonoridade de seus primeiros trabalhos, mas também os adapta à nova perspectiva que o rapper tem adotado ao longo de sua trajetória, alternando entre diversos ritmos e personalidades para dar ainda mais vida às composições.

O disco consagra a melhor fase da carreira de Tyler, The Creator, que se consolidou em uma indústria em que pouquíssimos acreditavam que fosse possível evoluir. “Call Me If You Get Lost” revela ao público um artista no ápice de seu próprio talento, versando livremente sobre as controvérsias e as experiências que o transformaram em um dos mais criativos e brilhantes nomes de sua geração.


O universo musical de Tyler, The Creator

Em seus primeiros projetos solo, Tyler se tornou popular na mídia pelas polêmicas que acompanhavam boa parte de suas obras, nas quais abusava de suas rimas mais agressivas para descontar suas frustrações na música. Apesar do cantor sempre ter sido reconhecido pelo seu talento, as controvérsias em que se envolviam não permitiam ao público acreditar que algum dia atingiria o potencial que todos conheciam.

Desde 2017, com o lançamento de “Flower Boy”, o rapper adotou um novo tom para a sua carreira, aproveitando o espaço de suas canções para confessar suas imperfeições ao invés de somente apontar os dedos. Por meio de seus discos mais recentes, Tyler pôde se abrir publicamente sobre sua sexualidade e expressar suas fragilidades mais íntimas, o que fincou um marco no hip-hop contemporâneo ao assumir a responsabilidade que sua voz carrega — e até mesmo o rendeu um Grammy de “Melhor Álbum de Rap” em 2020 por “Igor”.

Aos poucos, Tyler construiu um universo musical próprio a partir de diferentes identidades para refletir suas experiências e ideias, ao mesmo tempo que renovava seu trabalho com novos estilos e aperfeiçoava suas produções. Todos os caminhos que o cantor percorreu resultam em “Call Me If You Get Lost”, que reúne as influências e conflitos por trás de cada um de seus álbuns.


“Eu nem gosto de usar a palavra ‘vadia’, só soa legal”, desabafa Tyler ao fim de “Corso”, o que destaca sua transformação pessoal. Ao fundo, ressoam as mesmas batidas pesadas de seus primeiros trabalhos, mas agora lideradas por um artista consciente de seu próprio alcance e seguro de seus próprios versos; o clima se repete em outros momentos do disco, como em “Lemonhead”, “Juggernaut” e o single “Lumberjack”.

Há faixas que também remetem aos últimos projetos do cantor, com melodias mais suaves e apaixonadas. Nos fantásticos dez minutos de “Sweet / I Thought You Wanted To Dance”, por exemplo, Tyler conduz uma longa balada amorosa dividida em duas partes entre coros, flautas e teclados que protagonizam várias outras músicas, como “Wusyaname” e “Hot Wind Blows”.

“Call Me If You Get Lost”: um disco freneticamente versátil

Em “Call Me If You Get Lost”, o rapper equilibra as músicas entre sequências mais agitadas e outras mais contidas, mas sem desviar o foco do disco. As transições entre as faixas marcam alguns dos momentos de maior destaque do álbum, mantendo-o sempre na mesma intensidade e concentrando as canções e narrativas sob um mesmo fundo.


Com exceção de “Sweet / I Thought You Wanted To Dance” e “Wilshire”, todas as músicas do trabalho são curtas, mas funcionam extremamente bem no conjunto da obra ao complementarem umas às outras, como é o caso da dobradinha entre “Corso” e “Lemonhead”, ou entre “Hot Wind Blows” e “Massa”. Em questão de poucos minutos, Tyler acelera e freia o ritmo da tracklist quando é necessário, adequando-se ao clima que cada momento pede.

Em momentos mais pessoais, como em “Manifesto”, Tyler rima sobre uma batida menos enérgica para refletir sobre sua antiga reputação, comentando sobre o quadro atual das redes sociais e as responsabilidades que acompanham sua visibilidade, com direito até a um pedido de desculpas a Selena Gomez. Já em faixas mais passionais, como “Wusyaname” e “Sweet / I Thought You Wanted To Dance”, os instrumentos orgânicos conduzem os versos para criar um ambiente fantasioso em que se passa o romance impossível do cantor.

As várias participações especiais do disco, incluindo nomes como Pharrell Williams, Lil Wayne, Lil Uzi Vert, Ty Dolla $ign e tantos outros, também são igualmente balanceadas, acrescentando ainda mais personalidade às músicas sem roubar a cena. Cada elemento da obra parece ter sido pensado cuidadosamente sob o olhar perfeccionista de Tyler, de forma a enriquecer o álbum em seus mínimos detalhes.


Assim como em seus outros projetos, Tyler não se preocupa somente em entregar um álbum, mas sim uma experiência, planejada desde o seu conceito até sua sonoridade. O cantor é um dos pouquíssimos nomes que trabalham com tamanha versatilidade tão facilmente, com obras sempre à frente do que as pessoas esperam que ajudam a reinventar os moldes da indústria.

“Call Me If You Get Lost” é o retrato de um verdadeiro artista em seu auge criativo, que retraça as possibilidades dentro de sua própria música a cada lançamento sem perder a qualidade, mas sim a melhorando. Mais uma vez, Tyler desafia as expectativas e as supera com um dos discos mais completos de sua carreira, renovando sua arte e a levando para direções inéditas.

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Foto: Divulgação

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