A indústria pop caminha diferente das outras. Ela é cheia de altos e baixos, que não necessariamente representam instabilidades, mas, sim, as diversas transformações que os artistas vivenciam. Se em um momento o seu artista favorito bombou com uma sequência de hits, em algum momento de sua carreira, existe ou existirá uma fase mais calma. É a famosa “era clean”, que, ao contrário de uma abordagem agressiva (em que claramente o objetivo é o topo dos charts), as composições são mais melódicas e contam mais histórias, muito mais pessoais.
Exemplos de artistas que mergulharam na “era clean”
Quem recentemente embarcou numa jornada mais leve foi Lorde. Após quatro anos do lançamento de “Melodrama”, incrivelmente dançante (um enorme contraste com “Pure Heroine”), a cantora neozelandesa anunciou o lançamento de “Solar Power”, cujo single é homônimo ao álbum. Diferente das batidas marcantes que marcam sua discografia, Lorde ressurge como um verdadeiro nascer do sol – leve, acalentado e suave.
Em uma entrevista ao site australiano ABC, Lorde explicou que esse é o seu “trabalho mais complexo”, mas que ama o quão “leve, brincalhão e divertido” ele é. Previsto para agosto deste ano, o novo trabalho coincidirá com meados do verão no hemisfério norte, o que ajuda ainda mais a criar um clima de brisa na praia, calmo e alegre, tão necessário em tempos tão turbulentos quanto os últimos anos.
Essa tendência foi seguida por Taylor Swift, que em meados de 2020, surgiu de surpresa com “Folklore”. Diferente de tudo que tinha feito até então, Swift já estava longe dos holofotes (o que, para os fãs, seria um indicativo de que algo estava sendo preparado em estúdio), criando uma camada muito mais misteriosa e intensa em sua obra. A cantora lançou um álbum totalmente despretensioso, seis anos após seu festivo “1989“, com parcerias de artistas fora do meio pop, e decolou rapidamente como o álbum mais vendido do ano passado, justamente por ser uma atitude absolutamente inesperada.
A questão é que tanto para Lorde, quanto para Taylor Swift, a quarentena e reclusão atribuída pela pandemia foi a faísca para novas ideias e criar uma demanda no mercado. E, evidentemente, não fazia muito sentido entregar músicas novas cuja imersão nelas seria muito melhor numa festa, por exemplo. Foi necessário colocar os pés no chão e se reinventar – sem fórmulas prontas e sem se manter preso às expectativas do público.
A “era clean” pode ser imposta, como foi durante esse meio tempo, ou pode ser uma forma de branding, para se reposicionar artisticamente. Essa foi a proposta de Demi Lovato com “Dancing With The Devil… The Art of Starting Over”, após uma overdose que quase lhe deixou longe dos palcos definitivamente. O mesmo se seguiu com Miley Cyrus com “Younger Now”, que oficialmente a afastou da turbulência pós-Disney, conquistando a autossuficiência que desejava.
A fase também pode vir para fechar uma história, como “Joanne”, de Lady Gaga, e “Louder”, de Rihanna. Para ambas as cantoras, foi fundamental dar uma pausa para respirar, mas também curar suas próprias dores. Todas essas obras, que muitas vezes não caem no agrado do público ou dos principais críticos, são necessárias para frear as mentes que trabalham sem parar. São a chance de pedir desculpas, de se redescobrir, ou de simplesmente fazer o que bem entender (finalmente com o aval da gravadora) e se der certo, ótimo. Senão, ótimo também.
São trabalhos como esses, oriundos da “era clean”, que dão ao artista a chance de testar e conquistar novos públicos. Além disso, costumam anteceder grandes revoluções na discografia, vide “Anti” (de Rihanna), “Plastic Hearts” (de Miley), e “Fearless (Taylor’s Version)” (de Swift).
Como fãs, constantemente projetamos nossas expectativas nesses artistas, que renderam tantos momentos bons com suas músicas. Mas também corremos o risco de uma decepção tremenda, justamente por ser algo somente da nossa cabeça, porque queremos uma “salvação” para esse momento difícil, ou o que julgamos ser “o melhor”.
A indústria certamente trabalha para seu público, mas, vez ou outra, faz bem lembrar que o artista, acima de tudo, é humano como nós. E essa conexão tão profunda só vem nesses momentos, que são de imenso crescimento tanto pessoal, quanto profissional. É o que precisamos para “renovar os votos” com esses artistas e embarcar em novas jornadas, finalmente mais maduros e transformados.