Se escrever um musical já parece algo difícil, quem dirá escrever um musical sobre o processo criativo e tudo que ocorre em torno da sua vida enquanto isso. Foi o que Jonathan Larson fez ao escrever a peça “Tick, Tick… BOOM!”, história agora contada em formato de filme e dirigida por outra grande figura do mundo dos musicais – Lin-Manuel Miranda.
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Jonathan Larson foi, ninguém mais, ninguém menos, o escritor da renomada peça “Rent”, e, que, talvez para nós mais jovens, nunca teve de fato sua história nos holofotes. O longa, estreado na última semana na Netflix, traz Andrew Garfield interpretando o compositor. Se pensado em trabalhos do mainstream, é uma surpresa ver o ator cantando em um musical – ele foi treinado e é de fato sua voz que aparece em todas as cenas cantadas pelo seu personagem. Andrew coloca tamanha emoção que faz parecer que são questões verdadeiramente suas, entrando por completo no personagem.
A pressa da juventude em “Tick, Tick… BOOM!”
Pode-se perceber isso principalmente na primeira música apresentada, “30/90”, que fala sobre a angústia do tempo estar passando, o não querer envelhecer e as mudanças que vem chegando com a aproximação dos 30 anos.
“Tick, Tick… BOOM!” fala muito sobre essa questão da pressa e ansiedade. Afinal de contas, o filme mostra a jornada de Jonathan ao escrever o seu primeiro musical “Superbia”, que teve sua primeira apresentação dias antes de completar os 30.
O contexto já é dado quase por completo antes dos primeiros 15 minutos do filme: Jon se apresenta, dizendo que recentemente tem escutado “tick, tick” em sua cabeça a todo momento. Como se o seu tempo tivesse se esgotando e não tivesse feito nada de relevante, e, a bomba estivesse prestes a explodir – chegar a tão temida idade.
Enquanto seus companheiros de apartamento se mudam, seus amigos conseguem novas conquistas, Jon está há anos tentando desenvolver o musical que parece nunca acontecer. Muito esforço é colocado, mas nenhuma garantia é tida. O musical, aliás, até então é um projeto paralelo enquanto trabalha 30 horas semanais em uma cafeteria que mal dá para pagar suas contas. Ainda assim, tenta aproveitar ao máximo a vida boêmia ao lado de amigos com o pouco – ou nada – que possui.
Conciliar um trabalho maçante que o paga mal, o projeto dos sonhos, uma vida na cara Nova York e relacionamentos acaba sendo na maior parte do tempo uma angústia para Jon. Seu papel mostra claramente um jovem com muita sede de viver, que acaba encontrando a ansiedade nesse meio e o paralisando por diversos momentos.
Relação entre amigos e o desenvolvimento da história
É na angústia e conflitos que são, na maior parte das vezes, apresentados os outros personagens que fazem parte da vida do protagonista de “Tick, Tick… BOOM!”. Carolyn (MJ Rodriguez) e Freddy (Ben Levi) são seus colegas de trabalho na cafeteria, e, suas personalidades aparecem através de canções em que fala sobre trabalhar ali. Freddy também é lembrado durante um ponto de abordagem interessante do filme: a AIDs. Durante os anos de juventude de Jon, ali pelos anos 90, a doença está se espalhando por Nova York e muitos de seus amigos acabam acometidos ou até mesmo morrendo. Isso acaba sendo também uma de suas grandes preocupações: estar presente para eles, já que não se sabe o futuro dos amigos.
Michael (Robin de Jesús) é outro deles. Ele é seu melhor amigo e se conhecem desde criança, sendo também ator de peças antes de se mudarem para Nova York. Ao contrário de Jonathan, Michael acaba desistindo de tanto tentar por um papel na grande metrópole e nunca conseguindo, indo então trabalhar com publicidade.
Na área, consegue um bom trabalho que lhe dá uma ótima condição financeira, que por vezes Jon começa a repensar. Será que todo o esforço que teve por anos valeriam a pena trocar pela estabilidade e boa vida que a área lhe daria?
Relacionamento amoroso e conflitos profissionais
O compositor namora a bailarina Susan (Alexandra Shipp), que, em meio à um dos maiores conflitos na construção do musical, recebe uma proposta de trabalho que de certa forma depende da opinião de Jon, o que acaba criando atrito no relacionamento amoroso. A falta de comunicação, desespero e pensamento focado em sua carreira nos fazem perceber um momento de extrema tensão e dificuldade, como se, realmente, a bomba estivesse prestes a explodir a qualquer momento.
Mas é, inclusive nesse momento, que Jon consegue resolver um dos gaps. É como se sempre os momentos quase que extremos servissem como fonte da produtividade e criatividade do artista.
A cena em que tal questão é resolvida, é, inclusive, esteticamente muito bonita de se ver. Jon está nadando, quando tem um momento de criatividade, e, toda a piscina se torna uma lauda e uma partitura de música começa a aparecer.
“Tick, Tick… BOOM!” e seu lado emocional
Ao mesmo tempo em que se encontra em um momento crítico em sua vida com todas as incertezas e as pessoas em sua volta achando seus lugares no mundo, o personagem principal parece apaixonado por tudo aquilo que o cerca. A vida boêmia, o poder criar músicas a todo momento e desenvolver algo artístico, por mais estressante que seja, o deixam movendo e criando ainda mais.
O final do filme (e também da história real) nos deixa completamente indignados e a refletir sobre nossas jornadas. Pensamos tanto no que será quando chegarmos em nosso objetivo que acabamos esquecendo de aproveitar o durante. E, ainda assim, há a impressão que Jonathan conseguiu fazer os dois – mesmo que passando por vários e vários maus bocados.
Há gigante sensibilidade e talvez até mesmo grande alinhamento com a versão original da peça, feita pelo próprio Jonathan Larson, nessa versão musical dirigida por Lin-Manuel e estrelada por Andrew Garfield. Suponho que por duas razões: Lin é também diretor da Broadway; “Hamilton” foi seu maior feitio nos palcos e teve imenso reconhecimento. Assim como Jon, certamente passou por inúmeros obstáculos até chegar em lugar de destaque. E, claro, com a história do criador de “Rent”, é impossível não se ter empatia.
Por parte de Andrew, existe tanto o respeito pela história do compositor quanto um também processo doloroso ao atuar no filme. Andrew perdeu sua mãe enquanto filmava o longa, e, em recente entrevista, falou o quanto a arte o ajudou nesse processo à expressar seus sentimentos.
O longa, sem dúvidas, me pegou do início ao fim, e me deixou pensando muito sobre como temos pressa para alcançar nossas metas, mas, tudo pode acabar tão brevemente. É um dos melhores filmes que já vi em um bom tempo: te faz sentir inúmeras coisas, ao mesmo tempo que te contagia com as músicas.
Nota: 9.5/10