Expoente da música popular brasileira e com quase 60 anos de carreira, Gal Costa morreu na tarde desta quarta-feira, 09/11, em sua casa, aos 77 anos. Conhecida por sua voz cristalina e um poder de performance indiscutível, as três letras do seu nome artístico são inversamente proporcionais à soberania nos palcos e no timbre: “Meu nome é Gal”, ela dizia — e cantava, e bravejava, e duelava com guitarras em agudos sobre-humanos.
Relembre a trajetória de Gal Costa
Com 12 álbuns de estúdio, quase 60 anos de carreira e uma repertório de respeito compartilhado com outros grandes nomes da música nacional, Gal Costa começou em uma época pulsante na cultura popular de contestação política e social. Nascida em Salvador, na Bahia, Gal e sua carreira são síntese do que há de mais bonito no “ser-brasileiro”: uma grande mistura que do experimento vira acerto, para então ser referência. Do samba ao rock, Gal Costa teve início na carreira ainda sob o nome de batismo, Maria da Graça, e assim como muitos de sua geração, se tornou conhecida através dos festivais de música nacionais no início de 1964.
Seu primeiro disco, “Domingo“, foi lançado com Caetano Veloso em 1968 e, no mesmo ano, Gal dá o primeiro salto na carreira com a faixa “Baby“, canção quase obrigatória nas suas turnês até o fim. O primeiro disco solo, de título homônimo, foi lançado no ano seguinte, que trouxe “Baby”, “Divino Maravilhoso” e “Que Pena (Ele Já Não Gosta Mais de Mim)“, faixa composta por Jorge Ben Jor. Daí por diante, Gal toma o que já era seu quase que por direito — ninguém nasce com uma voz dessa e um poder de performance tão grande se não tivesse a obrigação moral de ocupar os palcos, e assim o fez por 57 anos.
Vencedora do Prêmio Grammy Latino à Excelência Musical em 2011, uma categoria honorária concedida a artistas que fizeram contribuições de significado artístico excepcional para a música latina, lançou quase 40 álbuns, entre discos de estúdio e ao vivo. Neles, ela sempre destacou a brasilidade, a paixão, e claro, o flerte, apesar de toda a discrição que escolheu manter sobre suas relações e sexualidade até o fim da sua vida.
Nos destaques, “Fa-Tal – Gal a Todo Vapor” (1971), “Índia” (1973) e “Doces Bárbaros” (1976), trabalho em conjunto com a trinca Caetano-Gil-Bethânia que rodou o Brasil durante a ditadura militar brasileira. No mesmo momento, Gal também foi trilha de outra referência da cultura nacional: a teledramaturgia. Em 1975, ela fez imenso sucesso ao gravar a abertura para a novela da Rede Globo “Gabriela“, com a canção “Modinha para Gabriela“, de Dorival Caymmi, e em 1978 participou da novela “Dancing Days” ao lado de Sonia Braga.
Entre erros e acertos, Gal teve uma carreira de camaleoa com diversas experimentações no visual e sonoridade. Ainda assim, ninguém fez como ela simplesmente porque Gal Costa fez de tudo e fez de tudo reverenciando grandes cantores e compositores de diversas gerações. Gal era o suingue do samba, a potência do rock e o encanto da bossa nova.
Muito além de um sex symbol para a época com seus cabelos cheios, o batom vermelho e o flerte praticamente anunciado em sua atmosfera, ninguém nunca vai fazer o que Gal fez mesmo, e nem devia tentar. Como Bethânia, Gil, Caetano, Elza, Elis, Tom, Cássia, Cazuza, e muitos outros, Gal Costa é expoente singular enquanto uma artista contestadora do status quo, e morreu para ser eternizada através de um trabalho soberano. Para todos os efeitos, nesta quarta-feira Gal Costa conseguiu uma façanha que a ditadura brasileira tentou e não obteve sucesso: embargar a voz de Bethânia, Gil e Caetano. Os doces bárbaros choram sua primeira perda, e o Brasil se despede com o orgulho de sempre poder chamá-la de nossa.