Quando surgiu na cena musical em um já distante 2011 com seu tímido sotaque britânico e seus emblemáticos cabelos ruivos, poucos imaginavam que Ed Sheeran se firmaria como uma das figuras mais icônicas e influentes da indústria fonográfica. Após percorrer um longo caminho, o cantor se via, cerca de seis anos depois, na posição mais confortável de sua carreira. Mas, de alguma forma, ainda havia algo a provar.
Está certo que Ed acumula hits e números comerciais invejáveis para a sua idade. Contudo, o cantor ainda não havia sido colocado à prova sob a enormidade que seu status alcançou ao longo da década. Enquanto “+” se focava em marcar sua estreia e “X” em solidificar a sua imagem, ninguém sabia ao certo do que se trataria a próxima (e mais importante) operação matemática.
Três anos depois, está claro que era a hora de dividir a pressão imposta pela crescente de sucesso e a unicidade musical do britânico e tentar encontrar um meio-termo aplicável à fórmula que conferiram aos seus dois primeiros discos destaque instantâneo. Entre tantas somas e multiplicações que apenas serviram ao cantor para expandir seus números, no final das contas não havia realmente um título melhor que “÷”.
Já era possível prever a gravidade que o novo disco tomaria com a chegada de seus dois primeiros singles, “Shape Of You” e “Castle On The Hill”, em janeiro. Ambas as canções quebraram o recorde de execuções do Spotify em 24 horas no seu primeiro dia disponível para audição na plataforma e ainda detêm dois dos maiores percentuais de streams do serviço: dois perfeitos exemplos do quão importante Ed se tornou para a indústria fora dos pubs ingleses.
Entretanto, nem sempre essa pressão exercida pela indústria é um ponto positivo — assim como o cantor bem relata nas rimas da primeira faixa do título, “Eraser” —, e esse é um dos alicerces no qual o disco se constrói. Além das composições românticas e das letras tocantes de praxe, a atenção de Sheeran também está voltada para o seu crescimento e enriquecimento artístico em um meio dominado por padrões e quase que isento de novas experimentações.
A partir deste ponto que se molda a variedade musical de “÷”. Aqui, o cantor evidencia muito mais o seu talento e a sua facilidade em alternar entre diferentes estilos do que em seus outros trabalhos, como comprova nas fortes inspirações irlandesas de “Galway Girl” e “Nancy Mulligan” ou nos toques africanos de “Bibia Be Ye Ye” (onde até mesmo arrisca alguns versos na língua axante).
Apesar de abandonar sua zona de conforto a fim de ampliar seus horizontes musicais, a fórmula de sucesso de Ed ainda está visivelmente presente em seu terceiro disco. “÷” traz uma coleção de faixas bem definidas dentro de tal plano, como é o caso de “Perfect” e “Dive”, que resgatam a relação emocional-comercial que consagrou hits como “Thinking Out Loud” e “The A Team”; e até mesmo “What Do I Know?”, criada a partir do mesmo padrão minimalista de “Love Yourself”, de Justin Bieber.
Ao contrário de persistir em tal paradigma, todavia, o britânico procura ir além. Muitos dos fatores negativos que marcaram “X” e “+” parecem ter sido aperfeiçoados aqui, inclusive as vezes onde o clichê lírico de suas composições passa a soar ultrapassado. É perceptível o esforço de Sheeran em sempre encontrar as melhores palavras para expressar seus momentos musicais, seja nas mais lentas “Happier” e “Hearts Don’t Break Around Here” ou na descontraída “New Man”. Ocasionalmente a repetitividade criativa das letras acaba gerando certo cansaço, mas estas são compensadas pelo seu revezamento instrumental (talvez o maior êxito de Ed em todo o trabalho).
Todos esses fatores nos quais o seu público já está familiarizado a abraçar devem contribuir para tornar o álbum um dos — senão o — mais vendidos do ano, vide o histórico comercial do cantor de aproximadamente 5 milhões de discos e 19,5 milhões de singles vendidos pelo mundo. Se o título almejava uma divisão do sucesso do inglês, acabou tornando-se uma potenciação ainda mais forte do mesmo.
Contudo, a grandiosidade de “÷” não está concentrada apenas em seus futuros números. Temos aqui não só o maior, melhor polido e mais sólido capítulo da discografia de Ed Sheeran até então, mas também um enorme passo rumo à consagração de um dos mais talentosos nomes da atual indústria fonográfica.
O cantor busca e consegue encontrar o perfeito equilíbrio entre as normas comerciais que hoje a indústria impõe e suas ambições artísticas, fazendo do projeto que poderia ter sido um tiro pela culatra o mais importante título mainstream de 2017 até então.
Confira a nossa crítica de “÷” faixa por faixa:
“Eraser”: A primeira diferença de “÷” em relação a seus predecessores está justamente em sua abertura, notavelmente mais extrovertida do que “The A Team” e “One” e com um dos refrões mais potentes de sua carreira. Ed dá o tom do trabalho com mais uma de suas composições “faladas”, onde julga a sua posição na indústria e se vê em meio aos dilemas impostos pela fama.
“Castle On The Hill”: Um grande ode à Suffolk, Inglaterra. Aqui, o cantor procura trabalhar as memórias nostálgicas de sua cidade-natal ao mesmo tempo que conduz a parte instrumental aos moldes da sonoridade eufórica do U2. A explosividade de “Eraser” é conservada e aliada à uma abordagem mais pessoal, fazendo das recordações de sua juventude combustível para a elaboração de um dos melhores conjuntos de versos de todo o álbum.
“Dive”: Pela primeira vez, Ed utiliza da guitarra elétrica (chegando até mesmo a lembrar algumas das façanhas de John Mayer em “Continuum”, de 2006) para conduzir uma de suas obras amorosas de costume e deixa de lado o seu tradicional violão. Com seu ritmo mais lento e seu passo menos apertado, “Dive” é uma das gratas surpresas de “÷”, trazendo à tona uma das mais inspiradas performances vocais do trabalho e revelando-se como um de seus prováveis hits caso escolhida como single.
“Shape Of You”: Sem resquícios de dúvida a canção mais radiofônica do disco. Assim como vem provando desde o seu lançamento, “Shape Of You” carrega todos os ingredientes da receita de sucesso de Sheeran e, mesmo que não tenha exatamente uma das percussões eletrônicas mais originais do atual pop (que é muito próxima as de “Cheap Thrills” e “The Greatest”, de Sia), ainda se estabelece como uma das mais pegajosas criações da carreira do britânico.
“Perfect”: Ed é uma da grandes referências do mundo musical quanto à composições românticas, e prova isso novamente aqui. Aproveitando-se da ausência instrumental da faixa, o cantor cria um clima mais intimista e crescente na tentativa, assim como já declarou em entrevistas passadas, de entregar uma obra ao estilo de “Thinking Out Loud”, porém superior a tal. Talvez sem sucesso, mas pode-se dizer que valeu o risco.
“Galway Girl”: A primeira das duas canções de “÷” baseadas na música irlandesa também é uma das mais brilhantes do disco. Combinando o estilo originário de Galway com o ritmo acelerado das rimas de Ed, “Galway Girl” mantém-se como uma das mais divertidas e animadas criações da carreira do ruivo.
“Happier”: Não se engane pelo título: “Happier” é mais uma das composições tristes e bem acertadas de Sheeran, sendo também a primeira vez em que o britânico mostra seu coração partido no disco. Acompanhado de um instrumental mais lento, o cantor evidencia o lado melancólico do término de um relacionamento falho, enquanto vê sua antiga companheira mais feliz nos braços de um novo homem.
“New Man”: Após extrair toda a tristeza provocada pelo fim de um relacionamento, Ed se firma para seguir em frente, como o ritmo animado de “New Man” aponta. Enquanto em “Happier” o músico se via aborrecido com o novo homem de sua ex-namorada, aqui a situação parece se inverter, conforme as letras da canção seguem uma direção mais descritiva do tal sujeito. Apesar de bem executada, a faixa é uma das criações menos originais do trabalho, uma vez que seu estilo já foi aproveitado antes (e melhor) em “Don’t”.
“Hearts Don’t Break Around Here”: Carregada por simples acordes de violão, pode ser tida como a declaração oficial do cantor para Cherry Seaborn, com a qual namora há mais de um ano. A faixa deve ser uma das preferidas por parte dos fãs mais antigos de Ed, aproximando-se da sonoridade acústica de algumas de suas obras anteriores, como “Tenerife Sea” e “This”.
“What Do I Know?”: O clima simples e minimalista se estende até “What Do I Know?”, construída aos mesmos moldes de “Love Yourself”, a qual Ed compôs para Justin Bieber. Com sua leveza grudante e suas letras — quem sabe as melhores de todo o álbum — bem construídas, deve ser escolhida futuramente como um dos próximos singles de “÷”, tendo grande potencial para tornar-se o próximo sucesso do cantor.
“How Would You Feel (Paean)”: Se por um lado o cantor não conseguiu fazer de “Perfect” a sua próxima “Thinking Out Loud” em termos de qualidade, em contrapartida temos aqui uma forte candidata ao posto de próximo hino romântico de Sheeran. “How Would You Feel (Paean)” é uma das composições mais belas e tocantes do trabalho e é reforçada pela sua rica parte instrumental, sendo orientada por violões, pianos e guitarras ao fundo, fazendo dela uma das melhores faixas da tracklist.
“Supermarket Flowers”: Ed encerra a versão standard de “÷” com um tributo à sua avó, que veio a falecer durante o processo de produção do disco. Originalmente, a canção não estaria presente no corte final do trabalho, mas o britânico foi motivado a mantê-la pelo seu avô — felizmente, já que temos aqui uma das obras mais comoventes e reflexivas de sua carreira e que torna-se ainda mais especial quando observada a partir de sua perspectiva angelical.
“Barcelona” (presente na edição deluxe): Àqueles que decidiram se aventurar pela edição deluxe de “÷”, a melancolia é totalmente quebrada pelo estridente violão de Sheeran logo ao início de “Barcelona”, conduzindo sua homenagem à cidade catalã sobre uma melodia simples, porém envolvente, somada à um dos mais potentes vocais do cantor no trabalho. A música, apesar de não possuir o mesmo apelo do que o de outras faixas do disco, merece ser notada.
“Bibia Be Ye Ye” (presente na edição deluxe): O grande passo de Ed para fora de sua zona de conforto. O britânico carrega uma das mais felizes faixas do álbum através de fortes influências da música africana — herança de sua viagem ao continente no ano passado — e nos traz uma de suas criações mais diferenciadas e magnificentes, mostrando que está disposto a expandir seus horizontes em busca de novas referências.
“Nancy Mulligan” (presente na edição deluxe): Aqui, o cantor conta a história de amor de seus avós, Nancy e William Sheeran, enquanto ilustra os conflitos religiosos entre católicos e protestantes ao longo da década passada na Irlanda. Para aprofundar-se no tema, o músico abusa da sonoridade da região com diversos violinos e transforma “Nancy Mulligan” na faixa mais empolgante de seu novo trabalho, embora ainda deva causar certa estranheza.
“Save Myself” (presente na edição deluxe): O que não falta em “÷” são histórias pessoais de Sheeran. Entretanto, o inglês parece se superar e ultrapassar seus limites líricos com “Save Myself”, onde, com uma letra tão aberta à variadas interpretações quanto bem formulada, parece reunir todas as suas memórias a fim de encerrar os 59 minutos que se passaram desde “Eraser” com uma única lição: se escolher antes de poder ajudar ao próximo. Apesar de não ser algo muito explorado ou visível no restante do trabalho, ainda assim deve ser refletido com cautela.