Após decidir se expor de uma forma tão intensa para um imenso público do Brasil, entrando no Big Brother Brasil 20, Manu Gavassi certamente passou por muitas reflexões e mudanças de perspectivas após o reality. E mesmo depois de conquistar tanto publico após o programa, e ainda assim colher os frutos com a sua carreira, Manu optou por tirar dar uma pausa em tudo e tirar o seu próprio tempo. Esse momento fez com que a artista ficasse quase um ano fora das redes sociais, sem dar pistas do que estava fazendo, até à chegada do seu quarto álbum de estúdio, “GRACINHA”.
Seu último disco de estúdio, “Manu”, foi lançado em 2017. Cá entre nós, há muitas mudanças dentro de quatro anos: amadurecemos, temos novas perspectivas, ambições e muita experiência. Ainda mais se nesse intervalo você participou de um “retiro espiritual”, em meio a uma pandemia, sendo assistida por milhões de pessoas no país inteiro, 24 horas por dia durante 3 meses, com foi o caso de Manu Gavassi.
Acompanhada de Lucas Silveira (Fresno) na direção e produção musical do projeto, o álbum tem nove faixas. A parte visual do álbum está com o lançamento previsto para o dia 26 de novembro, na Disney+.
O preparativos para a nova fase da carreira
Mesmo com uma longa carreira na música já estabelecida, a entrada de Manu Gavassi no BBB 20, acompanhado de momentos marcantes no programa e a jogada de marketing em suas redes sociais aqui fora, fez o seu nome ser apresentado a um imenso público que ainda não a conhecia. Porém, a mudança na direção artística e musical de Manu não começou apenas desse momento.
Desde que lançou o álbum “Manu”, em 2017, já era perceptível as novas direções de sua música. Um roupagem muito mais inspirada em divas pop, com produções pop radiofônicas, show com bailarinos… enfim, o pacote completo. Mas mesmo após essa era, Manu já ansiava por mais mudanças. A impressão que dava era de que ela ainda não tinha conseguido se encontrar musicalmente, parecia que algo ainda estava faltando. Então em 2018 o seu lado mais indie e pop alternativo, que já orbitava em seu gosto pessoal e em alguns repertórios, começou a florescer com a chegada do EP “CUTE BUT PHYSCO”.
Mas foi no encontro de Manu com Lucas Silveira, em 2019, que finalmente aconteceu aquele “click”. A cantora começou a se arriscar mais apostando em um som alternativo, sem deixar o pop para trás. E foi nesse meio termo, junto a Lucas, que o introspectivo EP “CUTE BUT (still) PHYSCO” nasceu.
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O magnífico mundo de “GRACINHA”
Chegando então ao lançamento, “GRACINHA” é um álbum que vai contra todas as exceptivas que poderiam ter criado sobre Manu. Mesmo com a popularidade de seu nome pós-programa, Manu poderia ter corrido pra lançar um álbum ou uma série de singles que tivessem na tendência da época. Mas na realidade ela fez o exato oposto.
Por grande parte de 2021, Manu ficou afastada das redes sociais. Mas o que não sabíamos é o que estava por vim, a chegada de um álbum visual. Segundo o seu Instagram, foi um momento de imersão e que foi produzido inteiramente com Lucas Silveira em uma casa alugada isolada de todos, focando assim apenas em fazer música.
“GRACINHA”, que é uma experiência não só sonora como estética e audiovisual, parece apresentar muito bem esse momento da vida que Manu está. E como na própria música de abertura e em um trecho de “Bossa Nossa”, o disco parece refletir uma Manu que de fato finalmente se reencontrou, pessoalmente e artisticamente. Se antes havia alguma “vergonha” ou “insegurança” da sua habilidade na música, o sentimento ouvindo esse álbum é de que Manu encontrou a paz e abraçou o seu passado, sem precisar se levar tão a sério ou com muita pressão.
“Quando eu morrer quem sabe eu viro genial
Trecho da música “Bossa Nossa”.
Eu não me levo a sério, não mais
Você se leva a sério de mais”
E toda essa liberdade se propaga em vários aspectos do álbum, desde escolhas de palavras como também a experimentação musical. O conjunto de músicas ao mesmo tempo que é expansivo e chique, também mostra um lado mais torto, com influências de lo-fi. Sem contar as composições que agregaram leveza, sarcasmo e melancolia, até com escolhas de palavras pouco óbvias, mas que também fazem sentido e não fica algo fora de contexto, entende? Daquele jeitinho bem Manu Gavassi que conhecemos.
Sem contar com a sonoridade, que sim, é pop. Mas não um pop óbvio, afinal quem toma conta da produção é Lucas Silveira. Mas é pegar o pop mais elegante e arriscar em um lado mais experimental, fora da curva, e sem deixar de ser atrativo ao grande público. É aquilo tipo de produção volumosa, para ouvir de fone de ouvido e se deixar levar pela riqueza que cada elemento dos instrumentos acrescentam na experiência sensorial final.
Os melhores momentos de “GRACINHA”
Em poucos mais de 27 minutos de duração, “GRACINHA” cumpre o papel de passar por diferentes influências musicais, como a MPB, lo-fi, r&b e jazz. Mas que no final todas orbitam em uma mesma atmosfera pop. Então, vamos conferir os destaques?
“GRACINHA” com Tim Bernardes e Amaro Freitas
O intenso piano comandado pelo nordestino Amaro Freitas com as camadas de voz de Manu abrem o disco da forma mais teatral e bela possível. A delicadeza da produção cria a sensação de estar no início de um conto de fadas. Porém, a medida que Manu começa a cantar, a narrativa reflete a sua frieza introspectiva e como às vezes o seu humor e a forma de olhar pra trás estão mascarando o quão na verdade ela está quebrada por dentro. É uma letra sensível sobre não conseguir mais se entregar, quando você não está bem. Uma mistura interessante desse clima fantasioso com melancolia.
A pontual e brilhante participação de Tim Bernardes adicionou ainda mais desse “finesse” e melancolia à canção. É aquele tipo de música que facilmente você pode se perder dentro dela, pela riqueza de detalhes na produção que cresce aos poucos. Realmente um ótimo começo e mal posso esperar para ver isso ao vivo.
Ah, não sei o que vocês acham, mas algo na melodia melancólica ou nas notas do piano teatrais me fizeram lembra rapidamente Elis Regina cantando “Fascinação”, do clássico disco “Falso Brilhante”. O que vocês acham? Será que teve alguma inspiração?
“Bossa Nossa”
Essa é uma das músicas mais curiosas do projeto, e como falei anteriormente, é uma das que mais representa o propósito do álbum como um todo e a nova fase da carreira. É sobre como as vezes tentar se levar a sério demais pode acabar nos tornando pretenciosos e pressionados a alcançar alguma expectativa criada. E que no final as melhores coisas podem nascer dessa espontaneidade, da nossa essência.
Musicalmente também é muito interessante, com essa clara referência de bossa só que com uma produção bem 2021, torta e pop. E também muito inteligente, de usar como referência um dos gêneros musicais mais tradicionais do país, e que muitas vezes é interpretado como o tipo de música “culta” ou como os mais conservadores chamam de “música de verdade”. No fim é uma grande piscada de olho sarcástica para os ouvintes, sobre se levar a sério demais!
“Reggaeton triste” com Vic Mirallas
Esse é um perfeito exemplo do que o disco faz: usar roupagens de gêneros populares e “descontruir” eles em algo único que só Manu poderia cantar, sabe? Uma espécie de “reggaeton alternativo”, mas que ainda dá pra rebolar! E ainda aproveita da sensualidade clássica desse tipo de música, e mistura com alguns toques de piano, loops vocais e uma batida menos cheia e mais etérea. Uma das minhas produções favoritas do álbum inteiro!
“Eu nunca fui tão sozinha assim” com Voyou
Durante o disco inteiro é perceptível uma presença imponente de instrumentos orgânicos, e essa música deixa ainda mais evidente. O teclado que inicia a música já deixa aquele ar mais r&b e até lo-fi na faixa, que depois acompanha as baterias e o saxofone, já acrescentam um ar mais jazzístico. Ainda que seja uma música solar no refrão, o elemento melancólico perdura no sentimento da música. Afinal, a letra contextualiza esse sentimento de solidão, ainda mais no período de isolamento e máscara que vivemos nesses últimos anos.
Considerações finais
O quarto álbum da carreira de Manu Gavassi se mostra um divisor de águas. Soa como o início de uma nova fase, em um momento de extrema liberdade e maturidade, sem se limitar a qualquer expectativas ou fórmulas. O álbum não só destaca a qualidade narrativa de Gavassi, como também a perfeita sintonia com Lucas Silveira, se estabelecendo cada vez mais como um dos grandes nomes da produção brasileira atual.
No fim, o disco encapsula a melancolia pop de uma forma descolada e fresh, provando o valoroso ofício de Manu Gavassi e o caminho que a fez chegar até aqui. Sendo assim um dos trabalhos mais bem polidos até agora, mostrando o seu momento mais confortável na música. Sem soar prepotente ou tentando agradar alguém, “GRACINHA” é uma grande catarse desses últimos anos que Manu tem vivido, convidando todos nós a seguir com ela nessa nova fase, mas ainda olhando para o passado com respeito e carinho. Esse ponto me deixa ainda mais empolgado para o desenrolar dessa era e os próximos passos que vai seguir.
Nota: 9
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