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#TBTRACK: “Back To Black”, o retrato atemporal de Amy Winehouse

Back To Black

Em 2006, Amy Winehouse celebrava o auge de sua carreira até então. O mundo começava aos poucos a conhecer uma das personagens mais emblemáticas da música no século: sua inconfundível voz encantava as rádios e ressoava pelos pubs, ao mesmo tempo que a vida pessoal da cantora não só estampava as capas das revistas, mas também embalava suas principais composições.

Na época, a vida de Amy era acompanhada de perto pelas lentes da imprensa, que buscavam se aproveitar do sucesso de sua figura pública. Os tabloides noticiavam seus vícios com álcool e drogas em meio a um conturbado momento de sua vida pessoal, entre as idas e vindas de seu desgastado relacionamento com Blake Fielder-Civil e a morte de sua vó e uma de suas principais apoiadoras, Cynthia Winehouse.

Longe das manchetes sensacionalistas e dos holofotes, a britânica desabafava as dores nas suas mais impactantes músicas dentro do estúdio, onde passou o ano escrevendo e cantando sobre o que vivenciava. Pelos anos seguintes, Amy seguiu um caminho sinuoso cujo fim, hoje todos conhecemos; entretanto, sua habilidade em transformar os dramas em arte eternizou sua voz em uma das mais poderosas e expressivas obras do século.

“Back To Black”, o segundo, último e mais importante trabalho gravado pela cantora, foi lançado no dia 27 de outubro de 2006 e, 25 anos depois, continua marcado como um retrato atemporal de seu talento e de sua jornada, que apesar de curta, ainda inspira a tantos dentro e fora dos palcos.


As histórias por trás de “Back To Black”

Com “Frank”, disco de estreia lançado em 2003, Amy Winehouse surgiu timidamente no Reino Unido como uma das grandes promessas para a música britânica aos 20 anos de idade. Reunindo suas principais influências artísticas, a cantora chamou a atenção de muitos ao incorporar o jazz em sua sonoridade e apresentar ao mundo seu talento vocal, construindo pontes inéditas para a sua carreira.

Para criar seu próximo álbum, a inglesa contou com importantes reforços da gravadora, a Island, para levar ao estúdio. Ao lado de Salaam Remi, Mark Ronson, um dos mais importantes DJs do mundo hoje, assinou a produção de “Back To Black” teve um papel fundamental na reconstrução da identidade artística de Winehouse, acompanhando na música o drama que as letras carregavam.

Inspirada pelos girl groups dos anos 50 e 60, a cantora procurou levar a atmosfera da época para as gravações com Mark, o que levou sua música à uma nova direção a partir do trabalho com o produtor. A química entre ambos dentro do estúdio resultou na criação de vários dos maiores clássicos da artista, como “Rehab”, “You Know I’m No Good” e “Back To Black”, que ganharam vida ao longo de diferentes sessões, conforme instrumentos eram adicionados e ideias eram alimentadas pela dupla nos cinco meses de desenvolvimento do álbum.


Até retornar aos palcos com o novo repertório, porém, a vida de Amy mudou drasticamente. Desde o lançamento de “Frank”, a cantora namorava Blake Fielder-Civil, assistente nos sets de alguns de seus videoclipes que passou a ter um importante papel em sua vida, recém-transformada pela fama. Depois de três anos juntos, o casal se separou quando Blake decidiu tentar reatar com sua ex-namorada.

O ponto definitivo que marcou a trajetória da artista, entretanto, foi o falecimento de sua avó, em maio de 2006. Cynthia Winehouse, que também era uma cantora de jazz, era uma das principais apoiadoras e influências da neta e sua morte é considerada pela família até hoje como o maior impulso rumo aos vícios que destruíram a imagem de Amy em pouquíssimo tempo. Eram frequentes os episódios públicos pelos quais a artista passava por conta das drogas, apresentando-se alterada ou até mesmo cancelando shows, o que atraiu os tabloides em torno de sua vida pessoal por anos.

O talento único de Amy

Desde o início do disco, Amy se abre sobre os conflitos que a cercavam na época. Em “Rehab”, uma de suas faixas mais famosas e responsável por abrir o trabalho, a cantora se opõe à pressão em torno de si para frequentar a reabilitação, em meio às diversas notícias que surgiam sobre seus vícios, adotando um tom irônico e otimista para o sucesso que impulsionou sua carreira internacional. 


A canção é um dos vários exemplos de como Winehouse traduzia suas experiências em composições — rendendo-a até mesmo três prêmios pelo single no Grammy de 2008, incluindo os de “Gravação do Ano” e “Música do Ano”. Não se trata, porém, da única faixa em que Amy retrata sua própria vida; a relação com Fielder-Civil também contorna vários momentos do álbum, versando sobre as frustrações e as desavenças entre ambos.

A faixa-título do disco, o maior hit já lançado pela cantora, é uma carta aberta sobre as marcas deixadas pelo fim de seu relacionamento e um dos pontos centrais da obra, destacando a transparência e a facilidade com a qual Winehouse narrava suas histórias. Outras músicas como “Love Is A Losing Game” e “Tears Dry On Their Own” também reforçam a aflição entre o casal, delineando os altos e baixos do término.

Em uma indústria de modelos prontos de como se fazer sucesso, especialmente para as mulheres, Amy não tinha medo de expor ao público suas vulnerabilidades, por mais dolorosas que pudessem ser. A sinceridade e a espontaneidade com a qual a cantora lidava consigo mesma no estúdio sempre foi um de seus traços mais encorajadores, e também uma das razões pelas quais suas músicas eram tão poderosas.

“Back To Black” é o reflexo da realidade que Amy vivia, vista pelos seus próprios olhos e interpretada pela sua própria voz. A artista canta sobre suas maiores influências, do R&B ao jazz, enquanto constrói o cenário solitário e cruel que marcou os últimos anos de sua vida, e também a sua ascensão como uma estrela internacional.


Um retrato atemporal

Em 2008, o The Sunday Times, o jornal mais vendido no Reino Unido, questionou publicamente “se Amy poderia ser salva de si mesma”. Um ano antes, a cantora havia se casado com Blake, com quem reatou o relacionamento apesar da pressão que a mídia impunha sobre o casal, e desde então desfrutava dos números que “Back To Black” conquistou.

O disco se tornou um sucesso mundial em questão de meses, firmando-se por consecutivas semanas nas paradas e conquistando um certificado duplo de platina nos Estados Unidos em 2008, além de milhões de cópias vendidas pelo globo. Amy se tornou uma febre que transcendia as próprias obras, transformando-se em uma personagem com talento e personalidade únicos na indústria e uma influência para tantas outras artistas britânicas de soul, como Adele, Duffy e Estelle.

Contudo, era inevitável questionar o estado de saúde de Winehouse fora dos palcos. Entre várias tentativas de ir à reabilitação, a cantora foi diagnosticada com enfisema pulmonar no mesmo ano, o que se tornou uma preocupação ainda maior para as pessoas próximas enquanto seus hábitos não só persistiam, mas se agravavam.


Apesar do sucesso estrondoso, “Back To Black” foi lançado no momento mais inoportuno da vida de Amy. O maior disco da carreira da cantora protagonizou os seus momentos de maior dor em meio aos tantos conflitos que enfrentava simultaneamente; as reabilitações foram substituídas pelas turnês, e as drogas se tornaram a sua principal motivação. Em meio à promoção de sua mais importante obra, Amy jamais teve o tempo que precisava para cuidar de si mesma, tampouco o apoio para motivá-la.

O disco, porém, não existiria se não fossem os mesmos episódios que levaram a artista ao seu declínio. Ao mesmo tempo que “Back To Black” foi o principal impulso para o seu sucesso, o disco também foi em um empurro em direção ao abismo — como também acredita seu empresário, Nick Shymansky. Segundo ele, a cantora poderia estar viva caso dedicasse os esforços para gravar o álbum em se manter sóbria.

Amy, entretanto, sempre foi fiel à arte, e assim gravou o trabalho que a tornou um dos ícones mais simbólicos da história da cultura pop. Até hoje, “Back To Black” é reverenciado como uma das grandes obras-primas do século XXI, carregando consigo os dramas de um dos maiores talentos que a música já produziu. Contudo, a história, por mais trágica que seja, nunca será suficiente para ofuscar uma das mais belas e inspiradoras vozes que o mundo já ouviu.

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