“It’s gonna get heavy“. Essa foi a frase que Matt Bellamy, frontman do trio britânico Muse, usou para reacender o entusiasmo dos fãs por músicas novas. A banda, que desde o lançamento de “Simulation Theory” (2018) e sua última passagem pelo Brasil (Rock in Rio 2019) não tinha planejado nenhum próximo passo, lançou nesta sexta-feira (26) o álbum “Will of The People”, com alta expectativa para uma fase mais “barulhenta”, como nos velhos tempos.
É inegável que, desta vez, houve uma preocupação um pouco maior em se afastar dos sintetizadores e beats eletrônicos que marcam especialmente o disco antecessor. Antes deste, “Drones” (2015) também tinha como característica um som mais agressivo, com riffs de guitarra e baixo que são como marcas registradas da discografia da banda. Isso, é claro, vindo depois de um álbum mais voltado para o pop, “The 2nd Law” (2012). O disco novo pretende se afastar um pouco dessas fases da discografia e ser algo único, mas reunindo tudo como peças de quebra-cabeça.
“Will of The People”: conceito e expectativas
O novo álbum da banda caminha em uma linha narrativa bastante semelhante com os últimos dois álbuns. Há críticas explícitas ao sistema socioeconômico em que vivemos, ao mesmo tempo que flerta com teorias conspiratórias no estilo “Big Brother” – alguém está te observando o tempo todo para saber como te controlar.
“Controle”, na verdade, foi uma palavra-chave importante para “Simulation Theory” e “Drones”, onde era possível fazer analogias com a nossa aproximação com a tecnologia nos dias atuais, dos quais estamos reféns de algoritmos que definem o tipo de informação que consumimos – inofensivos ou não. Para quem acompanha a banda há mais tempo, pode se lembrar que “The Resistance” (2009) já clamava por um “levante social” contra esse sistema. Em “Will of The People”, isso está mais forte do que nunca.
Com isso, o novo projeto da banda conta com 10 faixas inéditas, com composição e produção dos próprios integrantes. É, provavelmente, o trabalho mais sucinto e objetivo da discografia, com pouco espaço para “firula”, que vai direto ao ponto. Segundo o próprio vocalista, em entrevista para a NME, “‘Will of The People’ é um compilado de greatest hits em um álbum de músicas novas”. E, provavelmente por isso, há tanta familiaridade com o que já existe.
Destaques
“Will of The People” tem o que Muse faz de melhor: o uso de música clássica para criar o ambiente de imersão total. Em “Liberation”, qualquer fã terá a sensação de já ter escutado algo parecido, como a trilogia de “Exogenesis”. Pode parecer um começo morno, mas é importante para fazer um contraponto com faixas como o lead single, “Won’t Stand Down”.
“Ghosts (How Can I Move On)” é uma das mais emocionantes. É uma das poucas faixas que há um pouco de intimidade, sensibilidade, na linha oposta do restante das faixas “pesadas”. A voz de Bellamy está mais limpa, descansada, potente.
A mesma emoção é transpassada para a faixa “Verona”, mais a frente, uma das mais bonitas do disco, sem dúvidas. No entanto, essa parece ter saído diretamente da trilha sonora de “Stranger Things” – novamente, a influência oitentista ainda está forte desde o álbum anterior.
Mas, é claro, Muse adora quebrar qualquer expectativa. “You Make Me Feel Like It’s Halloween” e “Euphoria” são faixas que também remontam o cenário do disco passado; exceto por ser mais dançante, e com um refrão propositalmente grudento. São faixas que você lembra que esse não é um álbum para se levar (tanto) a sério, mas para se divertir um pouco também.
Para além de “Compliance”, a verdadeira novidade está em três faixas: a própria faixa-título, “We Are Fucking Fucked” e “Kill or Be Killed”. Essa última, principalmente, é a mais carregada de influências do heavy metal, da qual os próprios integrantes sempre gostaram mais de fazer. Um som mais agressivo, com o ar progressivo que a banda tanto aspira desde o primeiro álbum da discografia.
Conclusão
A primeira impressão que fica é que, realmente, trata-se de um álbum de greatest hits – aqueles singles tão amados, como “Knights of Cydonia”, “New Born”, “Showbiz” e tantos outros definitivamente estão incorporados em “Will of The People” de alguma forma.
A proposta é essa: uma dose de cada era da discografia, como um conta-gotas que resulta em dez faixas. É um trabalho que não falta qualidade e certa empolgação. Em poucas faixas, “Will of The People” tem muitas influências de peso, como o Rage Against The Machine, além do glam rock de David Bowie e o punk rock do Sex Pistols. No entanto, esse grande compilado pode trazer a sensação de que está perdido nas próprias referências, sem consonância, pouca coerência para um trabalho novo (e para uma banda que investe tão fortemente no storytelling).
Talvez teria sido mais eficaz esperar mais para lançar um álbum mais robusto, com mais camadas (que a banda já mostrou ser competente para fazer), do que pincelar superficialmente em apenas 10 faixas inéditas – e, então, lançar um greatest hits de verdade, ao invés de reciclar a própria discografia. Mas a boa notícia que esse não é um álbum que te enrola para entregar o que quer.
A ideia é justamente essa: matar um pouco a saudade e mostrar que Muse ainda é capaz de ser uma banda de rock nesta década, que gosta de inovar a cada novo projeto – mesmo que “inovar”, neste caso, seja dar dois passos para trás e aproveitar mais um pouco, sem tom de despedida de uma fase. Como é dito na faixa título, “The chances are turning, the future is ours” (“A sorte está mudando, o futuro é nosso”). Ainda há expectativa para algo melhor à frente.
Nota: 7,5/10