Até pouco tempo atrás, as únicas referências que eu tinha de Belle & Sebastian eram uma citação de letra em um filme bom e um trecho de música em um filme ruim. Ah, claro, e um pouquinho de hype no final do anos 2000 com o surgimento da onda indie. Um amigo explicando daqui, uma notícia na internet comentando dali, algumas comunidades no eterno Orkut, mas nada muito firme. Quando olhei a lista de novos lançamentos do mês de Janeiro e encontrei Girls in Peacetime Want to Dance, o nono álbum de estúdio do (agora) sexteto escocês e primeiro após uma pausa de cinco anos, meu “sexto sentido” me disse pra arriscar. Uma banda consagrada, de um estilo que não me é familiar, com um título de álbum curioso… o que poderia dar errado?
Minha visão pré-concebida e, novamente, sem base alguma do grupo era a de alguns bem-vestidos britânicos cantando canções folk lentas sobre relacionamentos, problemas dos vinte e poucos anos, e reflexões sobre a vida pela perspectiva de quem toma uma xícara de chá em uma gélida praça dos subúrbios de Glasgow no frio do outono. “Nobody’s Empire”, primeiro ato do disco, é tudo aquilo que achei que fosse e, ao mesmo tempo, nada. As guitarras de Stevie Jackson e Stuart Murdoch alternam um dedilhado calmo com riffs leves, enquanto a percussão contida de Richard Colburn restringe o uso da caixa aos crescendos; Os instrumentos dão o tom enquanto Murdoch, também o principal vocalista e compositor, reflete sobre a vida, a infância, um relacionamento… até aqui, minha visão até que estava certa. “Allie” é a responsável por distorcer um pouco minha opinião: é uma faixa mais curta, mais rápida e mais acessível a novos ouvintes – não por isso é minha favorita. Flautas, violões e guitarras muito mais ressonantes que na música anterior tornam “Allie” impossível de se evitar; Se quer uma introdução ao álbum, comece com ela.
Girls in Peacetime tem quatro canções supostamente muito distintas do som tradicional de Belle & Sebastian. A primeira delas é “The Party Line”: com uma levada meio funk, o “party” no título faz menos apologia à festa e mais à política (a palavra também é a tradução de “partido”). Com o recente referendo escocês pela independência, a inclusão desse tema era inevitável, mas Murdoch o relaciona com situações cotidianas e faz ótimo trabalho em evitar o ‘peso’ do assunto. “The Power of Three”, mais uma faixa dançante, é a primeira a apresentar a tecladista Sarah Martin nos vocais principais – a alternância de vozes entre ela e os integrantes masculinos é um ponto alto do álbum.
Apesar de “Allie” ser minha preferida em Girls in Peacetime, o título de ‘faixa essencial’ fica, sem dúvidas, com “Enter Sylvia Plath”, um épico de mais de seis minutos: a batida imperial e o pomposo sintetizador criam uma canção cinemática de europop, um testamento à competência do sexteto em fugir de sua zona de conforto. Mais uma vez, Martin e Murdoch alternam vocais e conferem versatilidade a, talvez, a mais inusitada canção da história do grupo. “The Everlasting Muse” surpreende com um refrão polka, e “Perfect Couples” utiliza instrumentos tipicamente africanos para se diferenciar de todas as outras músicas de indie rock – cumprindo sua missão no processo. Já “Ever Had a Little Faith?” é trilha de dias chuvosos relembrando a infância; O conceito é batido e refrescante ao mesmo tempo.
Elogios e mais elogios depois, é hora de parar e pensar nos problemas: Primeiramente, o álbum é muito extenso. “Play For Today”, um híbrido entre folk e synthpop (“synthfolk”?), é longa demais pro seu próprio bem. Música leve com mais de sete minutos? Pelo menos eles arriscaram! Infelizmente, como resultado o resto do álbum acaba se arrastando e é facil perder o interesse a partir daí. Vinte ‘ouvidas’ depois, mal consigo me lembrar de metade de “Play For Today” e das duas músicas que encerram a obra. Detalhes: o disco no geral é divertidíssimo e muito mais interessante do que suas últimas faixas podem sugerir.
A recente invasão britânica trouxe verdadeiras joias a uma indústria anteriormente entupida de Nickelbacks e música country formulaica, e percebe-se que Belle & Sebastian são protagonistas na cena. Eles usaram seu crédito e fizeram um álbum hiperbólico em suas carreiras, quando poderiam se restringir ao mesmo som que os consagrou e manter seu público fiel. Dane-se a decisão de ser a favor ou contra a emancipação da Escócia: sou fã mesmo é da independência artística, e Girls in Peacetime Want to Dance funcionaria muito bem como meu brado de guerra.
Nota: 8/10