Nos últimos dias, uma mudança técnica nas estruturas do Grammy Latino movimentou as redes sociais no Brasil: a Academia Latina de Artes e Gravação reconheceu, finalmente, o funk brasileiro como gênero musical oficial. Assim, o movimento brasileiro passa a ser incluído na categoria “Música Urbana”, que também conta com gêneros como rap, reggaeton e trap. A decisão passa a valer a partir da 22ª edição do Grammy Latino, marcada para acontecer em novembro deste ano.
A mudança, como não poderia ser diferente, foi bastante comemorada entre os brasileiros amantes do gênero e artistas que trabalham diariamente para fazer o funk acontecer. Nas redes sociais, Ludmilla, que coleciona mais de 6 milhões de ouvintes mensais no Spotify, se pronunciou e disse que o reconhecimento do Grammy Latino é resultado do trabalho duro de muita gente que luta para quebrar barreiras. “Nós estamos vencendo”, disse.
Lexa também aproveitou o momento e comemorou o reconhecimento. A artista não poupou palavras para demonstrar a felicidade que sentiu com a novidade. “Que orgulho de todos os artistas que fizeram isso acontecer… Eu faço parte disso”, escreveu.
Lia Clark, a drag queen do funk, também falou sobre a conquista do gênero. Ao Tracklist, a artista disse que ganhar um troféu no Grammy Latino ainda não é sua prioridade, mas que saber que existe a possibilidade de artistas brasileiros serem reconhecidos pela premiação é muito positivo. “Dá um quentinho no coração, sabe?”, disse. A cantora ainda contou que sua conexão com o gênero existe desde quando era uma criança em Santos (São Paulo). “Quando eu decidi me montar, eu sempre soube que eu seria uma drag queen inspirada em mulheres funkeiras”, disse.
Nossa poliglota favorita também não ficou de fora. Desde o começo da carreira, Anitta diz que trabalha para ver o funk brasileiro sendo respeitado mundo afora. E o público reconheceu a importância da cantora para a decisão: logo depois do anúncio do Grammy Latino, os fãs da cantora comentaram bastante e colocaram a tag “Você Venceu, Anitta” entre os assuntos mais comentados do Twitter. Em resposta, a dona de “Girl From Rio” foi direta e compartilhou a palavra “gratidão” em suas redes sociais.
Ao mesmo tempo, uma publicação da cantora voltou do passado e rendeu muitos comentários e compartilhamentos. No post, escrito em novembro de 2011, Anitta disse que ainda iria conseguir fazer do funk basileiro um gênero respeitado e revelou que era “questão de honra”.
E Anitta realmente venceu quando se trata de sua contribuição para a popularização do funk brasileiro. A cantora, que conta com mais de 5 bilhões de visualizações em seu canal no YouTube, tem viajado o mundo promovendo a música brasileira e já dividiu trabalhos com nomes mundialmente aclamados, como Madonna e Cardi B.
Funk brasileiro: do pancadão para a Times Square
Apesar do reconhecimento recente no Grammy Latino, a história do funk brasileiro não é feita apenas de conquistas e coisas positivas. O gênero nasceu nas favelas do país – principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo – e conquistou espaço em nichos de consumo bem específicos: o funk era, inicialmente, produzido na periferia para a periferia.
Para a nossa sorte, o funk (e toda a cultura que vem com ele) ficou pequeno para se limitar apenas a comunidades e pequenos grupos e ganhou o mundo. Um dos episódios mais recentes e que mostra, em partes, onde o funk brasileiro chegou, é uma conquista de MC Dricka, conhecida como a “Rainha dos Fluxos”. O rosto da artista ocupou um dos telões da Time Square, um dos lugares mais famosos de Nova York, em um anúncio do Spotify pensado para promover o trabalho feminino na música.
Sobre isso, a artista comemorou e disse que enxergou o reconhecimento como mais um passo em sua jornada pelo reconhecimento das mulheres e do funk. “Fico extremamente feliz em representar o funk e levar esse movimento para além da bolha periférica do nosso país”, disse.
O que MC Dricka pode ainda não saber é que seu trabalho estar na esquina mais famosa de Nova York não é apenas importante para ela e sua carreira. Ver a artista, funkeira da periferia, na Times Square, também é um sinal de esperança para novos artistas do gênero e que ainda têm uma jornada pela frente, como o Riik.
O artista, que é do Rio de Janeiro, falou à coluna sobre o sentimento de ver o rosto de Dricka nos anúncios e contou que se sente representado pela conquista da artista. “É mais um de nós chegando lá, ganhado espaço e abrindo portas para os demais, que ainda estão trilhando esse caminho”, disse. E completou: “É muito importante que todos reconheçam esse feito”.
Recentemente, Riik divulgou o videoclipe de “Tiro Certo”, parceria com Mari e o tradicional Furacão 2000. Segundo o artista, o funk se mostrou uma porta para expressar sua arte e unir o poder da dança com a música. “Eu já escrevo a música pensando em como as pessoas vão dançar e sentir o que eu quero passar e o funk me permite isso”, contou.
Preconceito ainda é um problema
Por ser um movimento que nasceu “do povo” e ganhou espaço com letras controversas e batidas diferentes de tudo o que estávamos acostumados, o funk brasileiro tem altos e baixos em sua história. Como nem tudo são flores, os artistas do gênero precisam enfrentar um preconceito que insiste em aparecer para estragar a festa, especialmente dos artistas que ainda trabalham para conquistar o primeiro grande hit.
Massaru, artista do funk de São Paulo, falou ao Tracklist sobre essa dificuldade dos artistas do gênero e destacou que ainda existem pessoas que não aceitam o que vem da periferia por puro preconceito. “A origem do funk é essa, da comunidade, da periferia, das pessoas que estão na rua e passam dificuldades… É mais difícil as pessoas de ‘classe alta’ aceitar porque não é vivência deles, né? [Eles] Não conseguem entender o que a gente passa no dia a dia”, disse.
Apesar de tudo, o artista destaca as conquistas do gênero e demonstra positividade em relação ao futuro da música. “O funk brasileiro vai alcançar maiores níveis, mais lugares”, disse, mas lembrou que é preciso manter a origem do gênero para não perder a essência que tornou o funk brasileiro tão popular. “Tem sempre que lembrado que o funk vem de origem humilde, da quebrada. Se depender de mim, isso não vai acabar tão cedo”, completou.
O funk é conhecido como um dos gêneros mais inclusivos da música brasileira e o fato de termos tantos artistas diferentes dividindo os holofotes da música é um bom indicador disso e, claro, sem excluir o movimento drag que é tão presente no funk brasileiro. Apesar da arte, o preconceito com os artistas do funk pode ser ainda mais forte com as minorias. Lia Clark, que tem hits como “Terremoto” e “Chifrudo”, contou que vive um “duplo preconceito” na sociedade por ser funkeira e drag queen.
“Hoje em dia, eu vejo ainda mais claro a minha dupla barreira, né? Não só por ser uma drag queen, mas todos os artistas LGBTQIA+ têm uma barreira muito grande perante o sucesso”, contou. “Todo nosso crescimento e toda a nossa ocupação de espaço acaba sendo mais difícil, sabe?”, completou.
A artista ainda confessou que a forte onda de preconceito e as barreiras que encontra colaboraram para que ela desse um ‘freio’ nos objetivos e, segundo ela, passou a ser mais madura em relação ao futuro. “O tanto de portas que eu já vi sendo fechadas para mim, o tanto de dificuldade que eu encontro no meu trabalho acabam diminuindo meus sonhos, sabe? Hoje em dia eu sou muito mais madura, então eu sonho as coisas que são possíveis porque, realmente, é muito difícil”, falou.
Apesar disso, Lia tem conquistado seu espaço no funk com muito trabalho e faixas que agitam qualquer evento. Em seu canal, a drag queen acumula mais de 60 milhões de visualizações e conta com parcerias com nomes como Pabllo Vittar, Wanessa e Pocah.
A conclusão que podemos tirar, levando em consideração as últimas conquistas do gênero, vemos que o funk brasileiro está – FINALMENTE – ocupando seu lugar de direito. Quer mergulhar ainda mais? Uma das principais playlists do Spotify, a “Funk Hits” reúne as principais faixas do momento. Ouça!