Desde a exibição do seu primeiro episódio, “Euphoria” se tornou um verdadeiro fenômeno nas redes sociais. A série da HBO conquistou rapidamente o grande público pela sua maneira única de ser conduzida, desde a forma que foi escrita, gravada e produzida até a exploração de suas narrativas. Em sua segunda temporada, entretanto, algumas de suas principais qualidades não só se perderam, mas também se converteram em suas maiores falhas.
Em seu segundo ano, “Euphoria” se dedica a explorar questões mais delicadas de maneira mais séria, buscando novos caminhos para contar as várias histórias de seu roteiro. Rue, uma jovem estudante com um vício profundo nas drogas, procura a sobriedade em meio a dramas ainda mais intensos, afetando a própria vida e a de todos ao seu redor, ao mesmo tempo que também enfrentam seus próprios traumas pessoais.
A nova temporada da série, porém, não corresponde às expectativas deixadas há dois anos atrás, desperdiçando as várias oportunidades que seu enredo carrega com uma trama inconsistente. Entre momentos de brilhantismo e frustração, “Euphoria” deixou de ser a unanimidade que já foi e tem um futuro de grandes dúvidas pela frente.
ATENÇÃO: O texto a seguir contém spoilers da segunda temporada de “Euphoria”
Um roteiro de acertos e desperdícios
A segunda temporada de “Euphoria” tem início logo após os eventos da primeira, buscando amarrar os nós que faltavam depois da despedida de Jules. Sozinha, Rue recai sobre os seus vícios novamente, criando o drama que protagoniza a maior parte dos episódios e influencia outras trajetórias, como a de sua família, de seu novo amigo Elliot e a de seu relacionamento com Jules.
Os traumas dos personagens também são retratados de forma mais séria e mais transparente nos novos capítulos. A própria abstinência de Rue talvez seja o melhor exemplo, mostrando o impacto que as drogas tiveram sobre sua vida e a das pessoas próximas. E quando a série ousa mergulhar em suas narrativas, Sam Levinson encontra os seus momentos mais brilhantes sob a direção de “Euphoria”.
O quinto episódio, focado exclusivamente no pior momento de Rue com as drogas, não só é o maior destaque da temporada, como também se consagra como o melhor episódio já exibido de “Euphoria” até aqui. Do início ao fim, o diretor acompanha a crise da estudante em um ritmo frenético e dramático, capturando seu estado mais grave diante da família, de suas amigas mais próximas e de Laurie, com quem corria um risco sério de vida — além, claro, de denunciar o caso escondido de Cassie e Nate na frente de Maddy na cena mais emblemática da temporada.
O triângulo “amoroso” foi um dos enredos mais importantes dos últimos episódios, com um enfoque muito mais evidente do que outros arcos. Cassie passa por sua maior transformação em toda a série, que se concentra em torno de sua dependência emocional e sua busca por aprovação, aprofundando-se nas consequências do fim de sua amizade com Maddy e de seu relacionamento com Nate.
O pai de Nate, Cal Jacobs, também é uma das peças centrais do segundo ano. Seu passado ganha uma atenção maior no terceiro episódio, e suas atitudes também refletem e justificam melhor a relação com o seu filho, que desencadeia um dos grandes dramas da reta final. Lexi, tão pouco aproveitada na primeira temporada, também se torna um dos focos do roteiro, com os preparativos para a sua peça de teatro e sua amizade inusitada com Fezco.
Por fim, Fez e Ashtray são duas das melhores notícias da temporada, oferecendo um alívio em meio à carga dramática que acompanha boa parte dos episódios mesmo sem ter o tempo de tela dos demais personagens. Contudo, a dupla recebeu um desfecho pouco convincente e até mesmo desnecessário, como que a morte de Ash acontecesse apenas como uma forma de dar um encerramento dramático à temporada ou à altura das expectativas.
Ao mesmo tempo que novas histórias se abrem, é simplesmente inexplicável que a segunda temporada de “Euphoria” desperdice tantas tramas, sejam as antigas ou as recentes. Há dramas que parecem acontecer em vão, como o aborto de Cassie, a briga entre Fez e Nate e o caso escondido entre Jules e Elliot, que são reduzidos a meros figurantes ao longo dos episódios e completamente escanteados da série.
Nas últimas semanas, várias controvérsias do elenco com Sam Levinson ganharam espaço na mídia, principalmente o caso de Barbie Ferreira, a intérprete de Kat. A personagem foi quase que completamente apagada na segunda temporada, aparecendo em pouquíssimas cenas e protagonizando momentos vergonhosos, como o fim de sua relação com Ethan. McKay, outra das peças centrais da primeira temporada, também foi esquecido em sua sequência, limitando sua participação à uma breve interação com Nate no primeiro episódio.
Com tantas narrativas apresentadas ao mesmo tempo, os novos episódios de “Euphoria” se perdem na maneira de contá-las, o que era uma das principais qualidades da primeira temporada. Não apenas havia tempo de tela, mas também espaço no roteiro suficientes para dar a atenção que tantos personagens mereciam ao invés de concentrá-la em somente alguns, e também ideias melhores para fortalecer o desenvolvimento deles em vez de desperdiçá-los.
Atuação e produção nos mais altos níveis
Em termos técnicos, “Euphoria” continua sendo uma das melhores produções de sua geração. A série, inteiramente gravada em filmes de 35mm em sua segunda temporada, é um verdadeiro espetáculo visual com cinematografia, trilha sonora e edição impecáveis, transformando-a em uma experiência única de se assistir e que intensifica muito as sensações que Sam Levinson busca provocar na audiência.
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Entretanto, são várias as vezes que a série se perde em passagens excessivamente longas, custando o tempo de tela que poderia resolver os buracos do roteiro, por exemplo. Apesar de muitas cenas partirem de ideias excelentes, muitas delas se prolongam muito mais do que o necessário, como é o caso de trechos como a abertura do quarto episódio, com a recriação de vários romances na arte, e o sétimo episódio, totalmente focado na peça de Lexi.
A atuação também facilita muito o trabalho, e o elenco segue como o ponto mais forte de “Euphoria” em seu segundo ano. Os traumas de Rue não seriam tão claros na atuação de qualquer outra atriz senão Zendaya. Sua entrega à personagem é ainda mais nítida na segunda temporada, escancarando todos os sentimentos que o roteiro procura transmitir: a raiva pelas suas decisões, a tristeza de acompanhar suas piores crises e, sobretudo, a alegria de vê-la sóbria nos últimos episódios. Trata-se de uma performance digna de mais um Emmy de “Melhor Atriz”, feito que já havia conquistado em 2020 e pode repetir em 2022.
Outra atriz que merece ser lembrada nas premiações é Sydney Sweeney, um dos maiores destaques do elenco na segunda temporada. Apresentando-nos uma das melhores atuações de sua carreira, a intérprete de Cassie dá vida aos maiores dramas e surtos da personagem à flor da pele, bem como o desespero dentro de suas relações com Nate, com Maddy e com a própria família, especialmente a irmã, Lexi. Muito provavelmente, uma forte concorrente na disputa pelo Emmy de “Melhor Atriz Coadjuvante”.
Além das duas, o restante do elenco também fortalece o carisma e o drama dos personagens, dando uma identidade única a cada um deles. Jacob Elordi entrega novamente o papel antipático como Nate, enquanto Alexa Demie se destaca ao vivenciar a nova fase de Maddy na série. Hunter Schafer, Dominic Fike e Angus Cloud também cumprem bem os seus papéis, embora tenham recebido pouquíssima atenção.
A segunda temporada de “Euphoria” oscila entre momentos geniais, que justificam o fenômeno que a série se tornou, e profundas decepções, rompendo com algumas de suas principais virtudes. Sob a direção inconsistente de Sam Levinson, a produção abandona as narrativas do primeiro ano para dar destaque a um roteiro de várias pontas soltas e buracos abertos, que não oferece consequências aos personagens e desperdiça as histórias que poderiam ser aproveitadas.
O capítulo final deixa várias questões em aberto para serem resolvidas na próxima temporada: a dívida de Rue com Laurie, as prisões de Fez e Cal e o futuro da relação entre Cassie e Maddy, entre tantas outras narrativas. Mais do que isso, porém, é essencial que Sam Levinson recupere as principais qualidades da série para o seu terceiro ano, que se aproxima com muito mais dúvidas do que certezas.
7 / 10
A segunda temporada de “Euphoria” oscila entre momentos geniais, que justificam o fenômeno que a série se tornou, e profundas decepções, rompendo com algumas de suas principais virtudes.