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Os 20 melhores álbuns internacionais de 2017

Mais uma vez, vivemos um ano extremamente difícil. Entre tantas tensões políticas, crises internacionais e degradações sociais, continuamos em frente com uma incerteza cada vez mais recorrente acerca do mundo em nossa volta e do nosso próprio cotidiano.

Apesar das dificuldades diárias pelas quais somos obrigados a ultrapassar, a música continua sendo uma válvula de escape de todos os problemas — e talvez a mais eficiente. 2017 foi palco para diversos acontecimentos e lançamentos de grande impacto no meio fonográfico, que não apenas refletem sobre essas adversidades de nossa sociedade, como também as transformam em música de extrema qualidade aos nossos ouvidos.

Seja nas obras pessoais de Kendrick Lamar e Jay-Z, nos testamentos contemporâneos de Father John Misty e The National, no engrossamento musical de Paramore e The XX ou no retorno de Kesha e LCD Soundsystem à forma, os últimos doze meses foram alguns dos mais inspiradores e extraordinários para a indústria musical, graças a tantos discos de mesma grandiosidade.

Assim como de praxe, o Tracklist reuniu os 20 melhores álbuns internacionais de 2017 em uma só lista para recordar todos os trabalhos que marcaram o último ano e, em meio a tantos motivos para se abalar, celebrar a ótima fase que a música passa mundo afora.

20. “BIG FISH THEORY”
            VINCE STAPLES

O amadurecimento artístico e pessoal e a metamorfose musical são temas recorrentes nas 12 faixas que compõem a tracklist de “Big Fish Theory”, segundo álbum de estúdio de Vince Staples que, apesar de ter passado em branco no cenário mainstream em um ano tão glorioso para o hip-hop, tem se firmado como um dos debates mais poéticos e sólidos que a indústria fonográfica tanto carecia.

Escorado na teoria de que “um peixe cresce na mesma proporção que o tamanho de seu aquário”, o rapper aproveita da enorme influência eletrônica do trabalho — proveniente da colaboração de produtores renomados como Flume e GTA — para intensificar ainda mais sua performance (como ocorre em canções como “BagBak” e “Big Fish”, com seu refrão entoado por Juicy J) à medida que disserta sobre a necessidade se reinventar em um gênero cada vez mais acessível e multifacetado, a comunidade negra norte-americana, o cenário político atual e uma variedade de temas que fazem do trabalho uma das mais vastas coletâneas líricas de 2017.


19. “HARRY STYLES”
            HARRY STYLES

Os últimos anos provavelmente foram alguns dos mais tristes para os fãs do One Direction com a gradual separação de uma das maiores boybands da década para a projeção das carreiras solos de seus ex-integrantes. Enquanto quatro dos cinco antigos membros do grupo decidiram assumir facetas bem definidas no atual cenário mainstream, partindo desde o R&B alternativo herdado de The Weeknd até o pop sensual de Justin Timberlake, Harry Styles optou por uma direção diferente com o seu homônimo álbum de estreia.

Tido por muitos como um dos grandes destaques do antigo quinteto, o inglês decidiu abandonar as vertentes comerciais para resgatar a essência do rock britânico do século passado, estribado em claras influências à nomes como The Rolling Stones, Queen, Oasis e David Bowie. Apesar dessa base, contudo, Harry transita entre diferentes gêneros e recursos com uma versatilidade majestosa entre as dez faixas que compõem o trabalho para assegurar uma experiência nostálgica, utilizando-se com inteligência de elementos pesados para o estrondo sonoro de “Only Angel” e “Kiwi”, por exemplo, ou da grandiosidade instrumental para criar o clima épico e apocalíptico de “Sign Of The Times”, um dos melhores singles de 2017.

O grande feito de “Harry Styles”, porém, é a facilidade com a qual o cantor se adapta a cada um dos tons propostos, e como estes dialogam entre si ao longo do trabalho. Baladas mais íntimas, como é o caso de “Sweet Creature” e “Ever Since New York”, parecem ter sido arquitetadas sem abrir mão do entusiasmo artístico de uma das grandes pérolas da música britânica nos últimos anos ao mesmo tempo que se conectam com peças mais destoantes, a exemplo das melodias energéticas de “Carolina” ou do folk grudento de “Two Ghosts”. O resultado de tais laços, a julgar entre os títulos já lançados, é o melhor projeto já lançado de um integrante do One Direction.


18. “ANTISOCIALITES”
            ALVVAYS

Três anos após imergir entre as grandes promessas do indie rock com seu autointitulado álbum de estreia, o Alvvays compensou a longa espera por novidades com o lançamento de seu novo trabalho de estúdio, “Antisocialites”, que busca ampliar o horizonte musical do grupo canadense enquanto aperfeiçoa ainda mais os elementos sonoros que o consagraram em um já longínquo 2014.

Novamente, a banda traz à tona sua mescla inteligente de melodias e sintetizadores para girar em torno das desilusões e desejos amorosos expostos pela vocalista Molly Ronkin. O que torna a obra única, todavia, é sua atmosfera nostálgica, herdada diretamente de seu antecessor. A essência dos anos 90 se faz evidente em canções como “In Undertow” e “Plimsoll Punks”, além de vários outros momentos da tracklist nos quais o quinteto revisita algumas das grandes décadas da música, como no punk fluorescente e oitentista de “Your Type” ou no sentimentalismo jovial de “Not My Baby”.

Existe uma clara preocupação na contraposição entre a atual indústria fonográfica e o passado ao longo dos curtos 32 minutos de duração do trabalho. Contudo, o Alvvays sabe como misturar todos os ingredientes sem perder sua singularidade com uma leveza rara no cenário alternativo, fazendo de seu segundo título uma das mais interessantes criações de 2017.


17. “WHO BUILT THE MOON?”
            NOEL GALLAGHER’S HIGH FLYING BIRDS

 

Desde a desfragmentação do Oasis, em 2009, os irmãos Gallagher têm se aventurado em seus trabalhos individuais. Enquanto Liam lançou dois discos ao lado do Beady Eye no início da década e seu aclamado título de estreia solo, “As You Were”, esse ano, Noel assinou dois álbuns junto ao seu projeto solo entre 2011 e 2015. Contudo, ambos falharam em se desprender de sua antiga sonoridade, trazendo meros remanescentes de seu passado.

Mas 2017 foi diferente para o Noel Gallagher’s High Flying Birds, projeto solo do principal motor criativo da banda de Manchester. Com “Who Built The Moon?”, o inglês preparou uma viagem caleidoscópica de 48 minutos de duração com diversas influências psicodélicas (evidente logo nos singles “Fort Knox” e “Holy Mountain”) e inovações em seu repertório, chutando-o de sua zona de conforto e fazendo do trabalho o mais desafiador de sua carreira, ao mesmo tempo que o expondo a diversos riscos no conformismo dos clichês do rock.

Felizmente, tudo funciona muito bem nas 13 canções de sua tracklist. Faixas como “She Taught Me How To Fly” e “Be Careful What You Wish For” reacendem o fervor criativo de 1995 e a genialidade artística de Noel, ao mesmo tempo que “Keep On Reaching” e “The Man Who Built The Moon” são peças inéditas, porém muito bem-vindas ao seu espectro musical. Como um todo, o disco pode até soar muito diferente do que qualquer outro trabalho acompanhado pelo sobrenome Gallagher que tenha emergido na última década, mas é inegável que temos aqui o mais fascinante projeto pós-Oasis.


16. “SEMPER FEMINA”
            LAURA MARLING

 

A leveza vocal e a ambientação intimista do single “Soothing” enganam àqueles que ainda não se aprofundaram em “Semper Femina”. O sexto capítulo da discografia de Laura Marling é uma das obras mais dramáticas já lançadas pela cantora e compositora britânica e dá continuidade ao lirismo angustiante que já é uma marca registrada de sua breve carreira, embora desta vez esteja voltado a um tema ainda mais cotidiano: o que é ser mulher no século XXI.

Ao invés de militâncias descomunais ou críticas enfileiradas, Marling procura retratar em suas composições as dificuldades e os suplícios que a diferença de sexos pode trazer de forma empática e acolhedora, dialogando diretamente com a comunidade feminina enquanto imprime suas próprias experiências quase que inofensivamente. Canções como “Always This Way” e “Next Time” destacam a aura sinuosa presente por todo o projeto, que parece sempre dar maior ênfase aos versos do que sua própria musicalidade.

Analisar a riqueza poética do ode de Laura à figura feminina, por sinal, talvez seja o maior segredo para a compreensão de um dos álbuns melhor polidos e definidos do ano. Cada detalhe de “Semper Femina” encanta por sua intensidade à maneira que se manifestam nas alegrias, medos e decepções reproduzidos pela própria cantora, enquanto suas letras envolventes e complexas ajudam a entender “a inconstância e a imutabilidade da mulher”, tal como os versos do poeta romano Virgílio que inspiraram o título do disco sugerem.


15. “AFTER LAUGHTER”
            PARAMORE

 

“After Laughter” é, acima de qualquer outra coisa, um contraste entre o despretensioso início de carreira do Paramore e o retrato amadurecido que a banda tem pintado pelos últimos 12 anos. Para o seu quinto trabalho de estúdio, a banda decidiu abandonar a sonoridade adolescente dos primeiros títulos de sua discografia para trazer à vida seu trabalho mais adulto até então — e o resultado não poderia ter sido mais certeiro.

Com a conturbada saída do baixista Jeremy Davis e o retorno de Zac Farro às baquetas, o trio ganhou ainda mais força criativa em direção ao seu novo título. E novidades não são o que faltam: as linhas dançantes de “Hard Times” e “Rose-Colored Boy”, por exemplo, aproximam o grupo ao new wave pela primeira vez, enquanto momentos mais intimistas, como “26” e “Idle Worship”, revelam algumas das composições mais inspiradas de Hayley Williams em sua carreira.

Porém, a essência do Paramore que nos acostumamos a ouvir continua viva. Apesar da estranheza que os fãs mais árduos devam ter com o disco em uma primeira audição, temos aqui uma banda que aprendeu a acompanhar o tempo e traz à vida não apenas seu trabalho mais honesto e maduro, mas também um dos projetos mais surpreendentes de 2017.


14. “VILLAINS”
            QUEENS OF THE STONE AGE

 

Em um gênero cada vez mais desgastado pela ausência de novidades e a reciclagem de suas mesmas referências ano após ano, o Queens Of The Stone Age sutilmente se firmou como um dos nomes mais consistentes do rock com a maneira única que se apropria de influências diversas para a elaboração de sua própria marca. Com uma gama de técnicas incorporadas em suas quase duas décadas de carreira, o grupo chega em 2017 com seu sétimo álbum de estúdio, “Villains”, que não apenas aponta novos direcionamentos para a banda como também aperfeiçoa as harmonias dançantes que têm registrado seu estilo.

Produzido sob os cuidados de Mark Ronson, consagrado entre os grandes nomes do pop por ter colaborado com artistas como Amy Winehouse, Bruno Mars, Adele e Lady Gaga, as nove canções inéditas dos californianos mesclam o frescor de décadas passadas, extraindo toda a essência do Led Zeppelin e de David Bowie com a autenticidade de seu próprio som, resultando em uma coleção de hinos poderosos e variados entre o minimalismo energético de “The Way You Used To Do” e o rockabilly contemporâneo de “Head Like A Haunted House”.

Josh Homme e companhia nunca estiveram tão refinados e determinados quanto nos 48 minutos de “Villains”. Apesar de não ser a inventividade monstruosa que boa parte dos fãs esperam após clássicos como “Rated R” e “Songs Of The Deaf”, a banda soma novas experimentações possibilitadas pela bagagem de Ronson, responsável por tornar o trabalho ainda mais acessível e pop, com um aprimoramento maior de sua própria sonoridade, mostrando que o rock está muito bem… Obrigado.


13. “FLOWER BOY”
            TYLER, THE CREATOR

 

A figura viral e cômica de Tyler, The Creator nunca foi levada muito a sério até o lançamento de seu quarto e mais especial trabalho de estúdio, “Flower Boy”. Junto à um time de colaboradores formado por nomes como Pharrell Williams, Lil Wayne, A$AP Rocky, ScHoolboy Q, Jaden Smith e Frank Ocean — cujo último disco, “Blonde”, é uma das mais perceptíveis influências da obra — , o rapper deixa para trás seu passado polêmico e misógino para dar vida a um dos trabalhos mais acessíveis e atraentes do ano.

Em contraste com o estilo fechado de seus primeiros trabalhos, Tyler busca enriquecer sua sonoridade com uma produção requintada, combinando elementos do jazz, do R&B e do soul com arranjos orquestrais que conferem ainda mais intensidade às suas rimas, vide canções como a autocontemplativa “Where This Flower Blooms” e a apaixonada “See You Again”. O intimismo lírico se conserva até “Garden Shed”, onde o californiano enxerga-se na necessidade de assumir sua própria sexualidade (momento este que se repete na explosiva e excelente “I Ain’t Got Time!”) após tantas passagens homofóbicas extraídas de seus materiais antecessores.

“Flower Boy” carrega de forma compacta todas as fragilidades cotidianas do fundador do Odd Future em seu melhor e mais completo projeto até então ao mesmo tempo que sabe resguardar o carisma e o perfeccionismo que lhe tornaram uma das mais emblemáticas personalidades do hip-hop. Para quem se acostumou com suas linhas agressivas e por vezes hostis, mergulhar em um trabalho de tamanha honestidade e ambiciosidade pode ser assustador, mas indubitavelmente valerá a pena.


12. “RAINBOW”
            KESHA

 

Os últimos cinco anos foram os mais difíceis e batalhadores da vida de Kesha. Com o status de um dos nomes mais promissores do pop, a cantora iniciou um longo processo judicial contra Dr. Luke, acusado de abuso sexual e psicológico, e prendeu-se ao seu contrato com a gravadora do produtor, a Kemosabe Records, além de ter sido encaminhada à reabilitação. Contudo, tal período também marcou o auge artístico da americana, que após tantas batalhas e traumas, retorna ao pop com o seu mais inspirado álbum de estúdio, “Rainbow”.

A esse ponto, qualquer lançamento de Kesha já seria recebido com fervor, mas o impacto de seu trabalho de retorno foi ainda maior do que o público esperava. Considerado seu recente passado, “Rainbow” funciona quase como uma terapia musical, recheado de proclamações feministas e superações pessoais arquitetadas sob diversas influências do rock, country e pop (variedade esta que também é perceptível na lista de colaboradores do disco, que conta com Eagles Of Death Metal, Dolly Parton e The Dap-Kings Horns), como no frenesi da descompromissada “Let ’Em Talk”, na energia da empoderadora “Woman”, na autoaceitação de “Hymn” e na monumental “Praying” — claramente o grande destaque de toda a tracklist.

Ao contrário do que muitos imaginavam, o trabalho está longe de ser um registro doloroso ou melancólico dos últimos anos de Kesha. Aqui, a cantora faz de seus confrontos pessoais uma experiência cativante, harmoniosa e emocional na mesma proporção enquanto não hesita em reinventar a sonoridade formulaica da hitmaker de cinco anos atrás. “Rainbow” é, acima de tudo, a glorificação de uma artista nova em folha.


11. “MASSEDUCTION”
            ST. VINCENT

 

Annie Clark, a mente criativa por trás do pseudônimo de St. Vincent, carrega um repertório invejável em seu curto tempo de carreira. Com apenas 14 anos ativa, a cantora, compositora e multi-instrumentalista já se arriscou nas influências do indie rock, da música eletrônica e em vários outros gêneros em uma das discografias mais diversificadas da atualidade. “MASSEDUCTION”, seu aguardado sexto álbum de estúdio, não apenas dá continuidade à onda de experimentações como também se consagra como o projeto mais corajoso já lançado pela americana até então.

Abrangendo os diferentes tipos de sedução (de acordo com a própria Clark, as “seduções sexuais, políticas, mentais e ilegais”, envolvendo assim temas como o amor, o uso excessivo de drogas e a depressão) ao longo de suas composições, o trabalho novamente flerta com diferentes estilos, ainda que se configure de longe como o título mais pop da cantora. Elementos extraídos do glam rock setentista e do new wave se fazem presentes em faixas como “Pills” e “Los Ageless”, enquanto o fundo sonoro formado por guitarras elétricas, saxofones e sintetizadores servem como peças fundamentais para o enriquecimento da obra.

Produzido por Jack Antonoff, um dos nomes mais bem-sucedidos da indústria fonográfica em 2017, “MASSEDUCTION” é mais um fruto do talento de St. Vincent em se adaptar a diversos estilos e ainda assim criar um material autêntico. O disco explora bem de sua própria vastidão de sons para se apossar de uma atmosfera vibrante e única na discografia da americana e fortalecer ainda mais sua grandiosidade lírica. A amplitude de tais composições e a diversidade musical que o título excede são meras singularidades de uma das mais versáteis artistas da atualidade.


10. “NO SHAPE”
            PERFUME GENIUS

 

Em menos de uma década, Perfume Genius, nome artístico do cantor e compositor Mike Hadreas, já explorou diferentes territórios em sua carreira. Após se apossar de elementos do folk e do soul em seus projetos antecessores, todavia, o americano apresentou uma proposta diferente para o seu quarto trabalho de estúdio, “No Shape”, encarregado de manifestar musicalmente as angústias de seu passado e sua redenção.

Entre confissões românticas e dores irreparáveis, como seus antigos problemas com drogas e seus primeiros contatos com a homofobia, Mike expressa sua fragilidade e sufoco por meio da mistura de suas composições extremamente sinceras e penetrantes e as orquestrações grandiosas, estas que se destacam como a peça central de toda a obra. Os arranjos instrumentais não apenas servem para enriquecer o álbum em termos de produção, como também são fundamentais para sua compreensão: a solidão meditativa de “Otherside” e a leveza poética de “Die 4 You”, por exemplo, dialogam incrivelmente bem com “Alan”, faixa final que determina o encontro com Alan Wyffels, seu marido há oito anos.

“No Shape” é o título mais épico e tentador da discografia de Perfume Genius. Depois de transitar entre tantas influências e técnicas de gravação, Hadreas se aproveita da magnificência sonora de grandes orquestras e do uso inteligente de sintetizadores e elementos eletrônicos para conferir uma atmosfera prazerosa e envolvente ao seu mais importante trabalho e manipular sua própria trajetória entre a carreira e a vida pessoal em uma verdadeira obra de arte, marcada como uma das experiências mais ricas que a música viveu em 2017.


9. “CTRL”
        SZA

 

De certa forma, SZA sempre esteve presente na indústria fonográfica como coadjuvante. Após tantas colaborações com artistas da elite, como Rihanna, Kendrick Lamar, Maroon 5, Chance The Rapper, Lorde e ScHoolboy Q, entretanto, a cantora emergiu no cenário mainstream em 2017 com o aguardado lançamento de seu disco de estreia, “Ctrl”.

Em meio à mescla musical que propõe ao longo dos 49 minutos de duração do trabalho, passeando pelo R&B alternativo, hip-hop e soul de diferentes décadas, a americana mergulha dentro dos relacionamentos contemporâneos enquanto se volta aos seus próprios amores, alternando entre a pessoalidade de faixas como “Supermodel” e “Drew Barrymore” até a cômica “Doves In The Wind”. Tudo é orquestrado com criatividade, inteligência e dinamicidade que se encontram em falta no pop atual.

Com um álbum que poderia ter passado batido entre tantos títulos apelativos e comerciais, SZA se prova como uma das gratas surpresas do ano e, depois de diversos EPs e mixtapes sem o seu merecido reconhecimento, finalmente se firma como um nome a ser respeitado — e suas cinco indicações ao Grammy não deixam dúvidas: temos aqui a artista que o pop precisava e não sabia.


8. “I SEE YOU”
        THE XX

 

Quando surgiu na cena musical britânica, em 2009, com o minimalismo hipnotizante de seu projeto de estreia, poucos imaginavam que aquele tímido The xx viria a se tornar um dos maiores representantes da música alternativa mundo afora. Aos poucos, o trio conquistou um apaixonado cenário indie com sucessos como “Angels”, “Crystalised” e “Islands” e se solidificou como um de seus nomes mais especiais, até o início de um hiato que perduraria até janeiro desse ano.

O intervalo entre 2013 e 2017, entretanto, não poderia ter sido mais enriquecedor para a sonoridade do grupo londrino. Enquanto Romy Madley Croft e Oliver Sim continuaram a aprimorar suas habilidades musicais, Jamie xx inaugurou sua carreira solo com a magnificência instrumental de “In Colour”, projeto lançado em 2015 sob a influência dos mais variados gêneros. A combinação de todos esses fatores, somados às alegrias e crises vivenciadas pelos três integrantes nos últimos quatro anos, levaram a banda ao caminho até seu terceiro álbum de estúdio, “I See You”.

Os estridentes trompetes de “Dangerous” já indicam uma mudança de direções musicais logo nos segundos iniciais do trabalho, antecedendo faixas mais comerciais como “Lips” e “On Hold”, duas das mais pegajosas canções já gravadas pelo trio; e invenções mais arriscadas, como é o caso de “Say Something Loving” e “Test Me”. Aqui, a banda expande seu leque de ideias com a implementação de novas técnicas de gravação, ao mesmo tempo que segue polindo a melancolia lírica de seus primeiros trabalhos, claro na metafórica “Performance”, na qual Romy incorpora uma das mais impactantes interpretações de sua carreira.

Se um redirecionamento completo pudesse parecer arriscado, em contrapartida tudo é articulado com maestria e sem abandonar a originalidade que popularizou o grupo: entre um sample e outro, está mais do que comprovada a competência artística de três ingleses que continuam redefinindo o sentimentalismo musical dos anos 2010.


7. “4:44”
        JAY-Z

 

Com 12 trabalhos de estúdio nas costas e um status de um dos mais importantes rappers da história, Jay-Z decidiu deixar as excentricidades de um dos maiores impérios financeiros da indústria musical de lado para o desenvolvimento de seu disco mais humano e transparente, “4:44”, liberado com exclusividade no TIDAL, seu próprio serviço de streaming. O peso emocional trazido pelo disco, porém, não era previsto por nenhum dos mais entusiastas fãs do nova-iorquino — e certamente surpreenderam a todos que o viram indicado a oito categorias do Grammy Awards.

Ao longo das dez músicas que compõem o trabalho, o americano despe sua personalidade egocêntrica e ostensiva e se volta aos seus problemas pessoais como nunca antes testemunhado em sua carreira. Assim como já havia sido denunciado por Beyoncé em “Lemonade”, o rapper retoma os arrependimentos da traição conjugal que quase desmoronou a família Carter em momentos como na faixa-título e em “Family Feud”, parceria com a própria esposa, além de refletir sobre a questão racial na América em canções como as emblemáticas “The Story Of O.J.” e “Moonlight” e revisitar episódios do passado, como em “Kill Jay Z”.

Entre tantas personas artificiais assumidas em sua carreira, “4:44” é o autorretrato mais vulnerável de Jay-Z. Aos 47 anos de idade, o americano remexe algumas de suas feridas mais profundas e redesenha seus próprios traços enquanto expõe o lado mais frágil de Shawn Carter, reinventando a precisão que serviu de alicerce para uma das mais importantes histórias do mundo fonográfico.


6. “SLEEP WELL BEAST”
        THE NATIONAL

 

Há anos atuando como um dos grandes protagonistas do indie rock, o The National chegou em 2017 ao seu sétimo álbum de estúdio sem demonstrar quaisquer sinais de cansaço — muito pelo contrário. Afinal, “Sleep Well Beast” se consagra como um dos projetos mais vivazes e excêntricos do grupo de Ohio, ainda que pareça disfarçado pelo seu clima mórbido e introspectivo.

Inteiramente composto pelo vocalista Matt Berninger ao lado de sua esposa, Carin Besser, as 12 músicas que formam o trabalho discorrem sobre o desenrolar dos casamentos e os desafios e aflições que surgem à meia-idade, carregando consigo as angústias de um casal que ultrapassa dificuldades diárias como qualquer outro. É muito fácil se conectar com a atmosfera claustrofóbica que a banda constrói com seus truques eletrônicos e arranjos orquestrais, desde a timidez de “Guilty Party” até as mais explosivas “Day I Die” e “Turtleneck”, enquanto procura um novo olhar acerca dos amores falhos e seus desfechos.

Ao mesmo tempo que se fecha em determinados momentos, o disco também reserva um caráter contemplativo quando decide se voltar à sociedade moderna. As metáforas de “Nobody Else Will Be There” e “The System Only Dreams In Total Darkness” e a hiperbolização de ocasiões simples, como “Carin At The Liquor Store” e “Dark Side Of The Gym”, por exemplo, revelam o poder meditativo de uma das obras mais urgentes da atualidade — e como o The National, após quase duas décadas, mantém-se como um dos nomes mais relevantes da cena alternativa.


5. “AMERICAN DREAM”
        LCD SOUNDSYSTEM

 

O LCD Soundsystem precisou de menos de cinco anos para se consolidar como uma das joias raras da indústria fonográfica e conquistar a música com a unicidade de seu dance alternativo — e necessitou do mesmo tempo para se reestruturar após um hiato iniciado em 2011, com um grandioso espetáculo para o público lotado do Madison Square Garden, uma das mais tradicionais arenas de Nova Iorque. Apesar da inviabilidade de James Murphy em conciliar a produção de música com sua divulgação em longas turnês terem levado o projeto ao rompimento na época, a vontade e a determinação de um dos maiores ícones do cenário alternativo levaram à gravação de um novo álbum de estúdio, o primoroso “American Dream”.

As dez músicas que formam a obra apenas mostram que o tempo não foi suficiente para levar embora a relevância do LCD Soundsystem. Em seu quarto título, Murphy transforma as infelicidades da vida adulta em melodias dançantes e engenhosas com o excesso de sintetizadores e distorções que percorrem por todos os 68 minutos de duração do trabalho, ao mesmo tempo que as canções se envolvem num derradeiro plano de fundo apocalíptico que as mantêm conectadas entre si — vide a autodepreciação de “Change Yr Mind” ou o cataclismo lírico de “Tonite”.

Pouco mais de uma década depois de surgir entre os destaques da cena musical como um dos representantes trintões da juventude falida dos anos 2000, James Murphy agora se vê afogado pelas crises de meia-idade e por perdas. Em sua mais notável homenagem à David Bowie, “Black Screen”, o nova-iorquino agradece ao encorajamento e apoio recebidos pelo Camaleão do Rock para a produção de “American Dream”. Afinal, tudo indica que o LCD Soundsystem voltou para ficar — e, entre as crises e tensões que afligem o mundo em pleno 2017, quando a música mais precisava.


4. “PROCESS”
        SAMPHA

 

O nome de Sampha já circunda a indústria fonográfica há tempos. O emblemático cantor e compositor londrino deixou sua marca registrada em diversos EPs, materiais avulsos, múltiplas parcerias com Drake, Kanye West, Solange, Frank Ocean e SBTRKT, despertando a curiosidade de ouvidos mais atentos ao seus próprios trabalhos. Contudo, foram necessários quase dez anos para que seu álbum de estreia chegasse ao mundo, mas a espera por “Process”, que abocanhou o conceituado Mercury Prize desse ano em uma disputa com nomes como The xx, Ed Sheeran, Alt-J e Stormzy, definitivamente valeu a pena.

Abusando da bagagem e do apreço recolhidos ao longo dos últimos anos, Sampha parece liderar uma verdadeira revolução no R&B britânico com suas dez canções inéditas, que fascinam tanto pela sua diversidade sonora quanto pelo poder minucioso de suas composições. Pianos densos, harpas deslumbrantes, corais esplêndidos e obscuridades eletrônicas rodeiam cada um dos 40 minutos do disco, preenchido pelo clima melancólico no qual o inglês lamenta seus fracassos amorosos, como nos versos inteligentes de “Reverse Faults” e “Incomplete Kisses”, e expõe algumas de suas dores familiares, como em duas das melhores baladas de 2017, “(No One Knows Me) Like The Piano” e “What Shouldn’t I Be?”.

Desde a maneira com que projeta os desprazeres do cantor até como se volta ao público sem abrir mão de seu individualismo, o épico intimista de “Process” é a confirmação definitiva de Sampha como um dos artistas mais completos da atual indústria fonográfica e uma das mais relevantes exportações musicais britânicas nos últimos tempos. Mesmo tratando-se de uma obra pessoal, o disco traz uma das experiências mais acessíveis e envolventes desse ano, e seu conjunto de dores, lamúrias, dramas e pesares ainda devem ser lembrados como uma das mais grandiosas experiências que o Reino Unido proporcionou para a música moderna por muito tempo.


3. “PURE COMEDY”
        FATHER JOHN MISTY

 

A figura inventiva de Josh Tillman já não é nenhuma novidade entre os campos mais alternativos do mundo da música. Desde o início dos anos 2000, o americano já incorporou diferentes personalidades em sua carreira e transborda experiência no meio fonográfico, seja na bateria de grupos como Fleet Foxes e Saxon Shore, contribuindo para ícones como Beyoncé, Lady Gaga e Lana Del Rey ou com seus trabalhos individuais. Suas mais recentes empreitadas sob o pseudônimo de Father John Misty, entretanto, são frutos de seu apogeu criativo e têm se consolidado como algumas das mais relevantes obras da atualidade, embasando-se no folk psicodélico de “Fear Fun” ou o romantismo pitoresco de “I Love You, Honeybear”, lançados em 2012 e 2015, respectivamente.

Em seu terceiro passo com o projeto mais bem-sucedido de sua trajetória, o americano recicla seu estilo divertido e irônico de analisar os temas mais pertinentes da sociedade contemporânea para a narrativa de “Pure Comedy”, embora agora ele protagonize discussões muito mais amplas e significativas. Em seus versos, Tillman se vê perturbado com o futuro da humanidade e suas futilidades, apontando filosoficamente questões como a fama, a difusão da tecnologia e das redes sociais e a idolatria obcecada à celebridades e religiões para justificar seu pessimismo e o humor das desesperanças cotidianas.

Entre toda a sua discografia, pode-se dizer que o disco é o seu título melhor produzido e finalizado. A complexidade sonora de cada uma de suas faixas é impressionante, conforme os metais de “Total Entertainment Forever” ou os coros angelicais de “Ballad Of The Dying Man” conferem ainda mais intensidade às extensas composições que ultrapassam os nove minutos em certas ocasiões, como “So I’m Growing Old On Magic Mountain” e a extremamente crítica “Leaving LA”; e sentido à análise social depreciativa de Father John Misty.

Por trás dos sarcasmos e do caos musical que Tillman promove em seu melhor trabalho de estúdio até então, existem julgamentos sólidos e olhares estranhamente compreensíveis e insanos (na mesma proporção) acerca do futuro nada promissor de uma sociedade cada vez mais decadente e presa a seus próprios ciclos viciosos. Em um ano tão conturbado quanto 2017, talvez a mais efetiva válvula de escape seja a realidade tragicômica de uma das mentes mais transtornadas e geniais da música.


2. “MELODRAMA”
        LORDE

 

Com apenas 20 anos de idade, não existem resquícios de dúvida de que Lorde é um dos nomes mais importantes do pop na atualidade. A cantora explodiu no cenário mainstream há quatro anos atrás com seu aclamado título de estreia, “Pure Heroine”, e desde então tem acumulado as expectativas para o seu segundo álbum de estúdio. O intervalo de tempo entre ambos os lançamentos foi torturante, mas recompensadora: “Melodrama” não só catapulta a curta carreira da neozelandesa a níveis estelares, como também se consolida como uma das obras-primas da música em 2017.

Instrumentalmente, o disco é uma clara evolução em comparação ao seu antecessor. Arranjos eletrônicos, efeitos sintéticos e vocais flexíveis, intensificados pelos cuidados de Jack Antonoff — cuja casa serviu de estúdio durante os mais de dois anos de gravação — conferem ao trabalho uma imersão ainda maior nos “diferentes tipos de solidão” nas quais a cantora percorre ao longo da tracklist: o tédio sonoro agradável de “The Louvre” e a insânia de “Homemade Dynamite”, por exemplo, aprofundam-se com maestria em algumas de suas noites de amores, apertos e melancolias.

Juntas, todas as 11 faixas do álbum parecem compor a temática de uma grande festa na qual Lorde é tanto uma mera observadora de seus eventos quanto parte deles. Em um momento, a cantora narra suas desventuras amorosas no dançante single “Green Light”, enquanto no seguinte lamenta o fim de seu próprio relacionamento na faixa dupla “Hard Feelings/Loveless” e posteriormente, passando pelo emocionalismo de baladas como “Liability” e “Writer In The Dark”, liricamente opostas entre si.

Atualmente, o pop encontra-se estacionado como um dos gêneros mais saturados da indústria fonográfica. Entretanto, uma mente criativa como a de Lorde é um frescor incomum entre tantos nomes artificiais, e “Melodrama” é o maior exemplo de sua genialidade artística e a passagem da figura novata e inexperiente de 2013 para a potência imaginativa de 2017. Além da honestidade dolorida impressa em todas as composições, há uma certa especialidade na maneira em que todos os elementos do disco se compreendem e se agregam, fazendo do trabalho uma verdadeira preciosidade entre tantos hits e trabalhos formulaicos e um clássico contemporâneo que ainda deve ser lembrado por muitos anos.


1. “DAMN.”
        KENDRICK LAMAR

 

Kendrick Lamar possui apenas meia-década de carreira profissional sob o selo de uma grande gravadora, mas já pode ser considerado um dos — senão o — grandes rappers do século. Conduzido por sua visão artística única e seu talento ímpar em alinhar rimas conscientes e efetivamente carregadas de críticas em um gênero tão dominado pela ostentação e luxúria, o californiano tem construído uma discografia sólida como nenhuma outra até seus 30 anos de idade, com obras-primas como o narrativo “good kid, m.A.A.d. city” ou o ambicioso “To Pimp A Butterfly” (eleito por aqui como o melhor disco internacional de 2015).

Entretanto, enquanto todos os seus trabalhos até então se preocupavam com a degradação social e ao seu crescimento artístico entre as gangues de Compton e os limites impostos à comunidade negra na América, o rapper decidiu se voltar aos seus próprios atritos e conflitos pessoais em seu quarto álbum de estúdio, mantendo a coesão conceitual de sempre. Se as discussões mais abertas de Kendrick já eram cativantes o suficiente para reacenderem a urgência dos debates conscientes entre o hip-hop, “DAMN.” se prova como uma exposição de ideias ainda mais visceral.

Alternando entre tópicos como religião, política, amores e medos para expor suas perversões e fraquezas, as 14 canções do projeto retratam diferentes reflexões e concepções próprias e isoladas entre si, destoando-se do curso fundamentalmente narrativo de seus antecessores. Apesar de não se tratar de um trabalho tão conexo entre suas próprias faixas, “DAMN.” não é menos eficaz em suas propostas: Kung Fu Kenny (como Lamar é referenciado em muitos momentos do disco) acerta em todas vezes que procura se aprofundar nas consequências de seu sucesso estrondoso, como em “ELEMENT.” e “LUST.”, ou exprimir as angústias e inseguranças acumuladas ao longo de sua vida, como em “FEEL.” , na qual questiona ao ouvinte sobre “quem estará rezando para ele enquanto ele estiver rezando pelo mundo”; ou “FEAR.”, música de sete minutos separada em três blocos líricos para as ânsias da infância, adolescência e vida adulta do americano.

O título também é de longe o mais minimalista e comercial já lançado por K. Dot. Aqui, o rapper substitui a mistura rica de jazz, funk e soul de “To Pimp A Butterfly” por uma sonoridade mais direta, reunindo um time de produtores formado por nomes como Mike WiLL Made-It, Greg Kurstin, James Blake, Sounwave, 9th Wonder e BADBADNOTGOOD para criar uma abordagem mais acessível, ocasionando em composições inteligentemente divididas, como é o caso de “XXX.” e “DUCKWORTH.”, e faixas poderosas como “DNA.” e “HUMBLE.”, dois dos maiores hinos do rap em 2017.

Gravado em um intervalo de poucos meses, “DAMN.” é mais um passo esplêndido na carreira do californiano. Já consolidado como o grande nome de seu gênero na atualidade, o rapper continua a envolver a indústria fonográfica com seus versos intensos e debates profundos, desde as ruas de Compton até suas próprias implosões em mais um clássico instantâneo do rap. Não restam mais dúvidas de que estamos não apenas diante de mais um marco de Kendrick Lamar, mas também de uma criatividade artística única na história da indústria fonográfica.

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