Ao longo dos últimos anos, Liniker se consagrou uma das principais sensações da música brasileira. Ao lado dos Caramelows, a cantora foi indicada ao Grammy Latino e promoveu diversas turnês internacionais, encantando a públicos de todo o mundo ao versar sobre suas experiências mais íntimas de uma maneira sensível, transparente e cativante.
Em seu canto, a artista carrega representatividades que, há muitos anos, não ressoavam com tanta força em uma só voz. Como uma mulher trans, negra e LGBTQIA+, Liniker conquistou um espaço único no cenário nacional, tornando-se uma referência para muitos também se abrirem sobre seu amor — especialmente o próprio. “Falar do amor, hoje, parte de um ponto de vista de também falar do meu amor próprio, falar do amor onde as pessoas tentam tirar minha vivência dentro disso”, afirma. “É falar de um ponto de vista de que a gente tá aprendendo a se amar, e a gente tá tentando se amar”.
Em entrevista ao Tracklist, Liniker conversou sobre a atual fase de sua carreira e as inspirações e mensagens por trás de seu primeiro álbum de estúdio solo, “Índigo Borboleta Anil”. O disco nos introduz a um capítulo inédito em sua jornada, reunindo as principais influências musicais que marcaram sua trajetória em um relato profundamente pessoal e expressivo.
Para dar vida ao trabalho, a cantora procurou descrever o mundo, em suas próprias palavras, “do ponto de vista de seu quintal”, no interior paulista de Araraquara. “Acho que era uma necessidade de fazer um disco preto mesmo, um disco onde eu bebi, de fato, de tudo que eu aprendi em casa, de tudo que eu escutei, e também atrelei com o que eu tô sentindo hoje”, contou sobre o processo criativo da obra.
As novas músicas também apresentam ao lado mais humano de Liniker, distante do sucesso e mais próxima de si mesma. “Eu gostaria que quem escutasse esse disco entendesse que, pra além de uma cantora, pra além de uma pessoa famosa, eu também sou humana e também me humanizo, também preciso entender as coisas que eu sinto. E ao mesmo tempo, que as pessoas sentissem que esse é um presente que eu tô dando pra mim e que tá sendo uma delícia compartilhar de presente também pra quem me escuta”, declarou.
“Índigo Borboleta Anil” foi lançado nessa quinta-feira (9) e já está disponível na íntegra no YouTube e em todas as plataformas de streaming. O álbum foi produzido por Júlio Fejuca e Gustavo Ruiz e tem participações especiais de Milton Nascimento e Tássia Reis, além da colaboração de nomes como DJ Nyack, Tulipa Ruiz, Orquestra Jazz Sinfônica, Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz.
Leia a entrevista com Liniker na íntegra:
TRACKLIST: Boa tarde, Liniker! Tudo bem? É uma honra estar conversando com você, a gente admira demais o seu trabalho! Nós amamos ouvir o seu novo disco e estamos aqui pra falar um pouco mais sobre ele. Como você tá?
LINIKER: Obrigada, Tracklist, pela entrevista! Acho que apresentar esse trabalho pro mundo agora tá me deixando muito feliz, um momento de felicidade diante de tantas coisas tristes que a gente tem passado nesse último ano. Acho que esse disco é uma celebração desse momento e uma celebração do agora, e um disco que eu esperei muito pra fazer e tô muito feliz com o processo dele, sabe?
TRACKLIST: O “Índigo Borboleta Anil” é o seu primeiro álbum oficialmente solo, depois de anos se apresentando ao lado dos Caramelows. Por se tratar de um disco solo, você diria que você sentiu maior liberdade pra compor e pra gravar e falar melhor sobre suas experiências?
LINIKER: Eu acho que no processo do disco, no contexto em que ele acontece, foi muito importante pra mim tudo que eu vivi na minha trajetória com o Liniker e os Caramelows e essa experiência com certeza fez com que eu chegasse no lugar que eu tô hoje. Mas, ao mesmo tempo, eu acho que o espaço de viver uma outra possibilidade de trabalho e viver um outro processo de produção me fez acessar diferente esse disco, porque… Acho que o fato, também, de produzir esse disco junta do [Júlio] Fejuca e do Gustavo Ruiz me trouxe pra um lugar diferente do meu trabalho, sabe? Acho que é um lugar diferente de responsabilidade de produção, acho que esse disco parte de um ponto de vista geral — claro, com uma banda e com uma produção também que produziu comigo, mas ele parte por um desejo do que é meu, por um desejo do que eu tô sentindo nesse momento artisticamente. Então, acho que foi mais nesse sentido mesmo, de um outro momento de processo criativo mesmo.
TRACKLIST: O disco explora muitas sonoridades ao mesmo tempo, não só estilos que você já tem experimentado ao longo de sua carreira, mas também várias coisas novas em sua música. Quais foram as principais influências pessoais que você trouxe pro álbum e como elas refletiram no resultado final?
LINIKER: Nesse álbum, eu falo do ponto de vista do meu quintal. Das coisas que eu vi na minha família, das coisas que minha família me apresentou enquanto referência. E acho que era uma necessidade de fazer um disco preto mesmo, um disco onde eu bebi, de fato, de tudo que eu aprendi em casa, de tudo que eu escutei, e também atrelei com o que eu tô sentindo hoje. Poder produzir esse disco me deixa muito feliz nesse sentido de falar das minhas referências e viver minhas referências no trabalho, sabe?
TRACKLIST: O disco aborda muitos temas, e entre eles, o amor, que é um tema recorrente em seu trabalho e se faz presente em faixas como “Baby 95” e “Mel”, por exemplo. Pra você, qual a importância de falar sobre o amor nos tempos que a gente vive hoje no Brasil?
LINIKER: Falar do amor, hoje, parte de um ponto de vista de também falar do meu amor próprio, falar do amor onde as pessoas tentam tirar minha vivência dentro disso — e não só minha vivência, mas também quando eu faço um recorte pra corpos LGBTQIA+, principalmente corpos transvertigêneres e corpos pretos. É falar de um ponto de vista de que a gente tá aprendendo a se amar, e a gente tá tentando se amar. Meu disco, ele não é pro outro, mas ele é pra mim, sabe? No sentido da composição, ele é um disco que me traz pro presente e me chama a atenção de qual é o meu objetivo, sabe?
TRACKLIST: Além do afeto, sua música também fala muito sobre a proximidade e a intimidade. Quanto que mudou pra você escrever sobre esses temas em um momento de distanciamento e de isolamento sociais, em que esse contato íntimo se tornou muito menos frequente?
LINIKER: Eu sinto que esse disco, pela falta desse contato todo, ele me trouxe pra um lugar onde as memórias, de lembrar de como é que tá junta, as memórias de lembrar como é que é um abraço, me fez escrever sobre isso de um ponto de vista da saudade mesmo, sabe? E principalmente musicalmente, acho que os arranjos todos levam pra um lugar da nostalgia, e aí esse lugar da nostalgia me dá uma sensação de poder preservar isso quando a gente voltar a ter, sabe?
TRACKLIST: Realmente, ele é um disco muito nostálgico não apenas nas letras, mas também no som, né?
LINIKER: No som, total! A sensação que eu tenho é que ele é um disco que já existe, sabe? Mas acho que ele já existe pela quantidade de verdade que eu botei dentro disso. Ele já existia dentro de mim, eu só documentei esse disco.
TRACKLIST: E há quanto tempo você tem pensado nas músicas desse disco? Há quanto tempo elas estão aí dentro?
LINIKER: O processo do disco começou em agosto de 2019, mas no estúdio mesmo, a gente só foi entrar em julho de 2020. São quase dois anos aí de processo, de encontros com o Fejuca e o Gustavo Ruiz, e entendendo também pra onde eu ia musicalmente.
TRACKLIST: 2021 tem sido um ano muito movimentado na sua carreira. Você estrelou a nova série do Amazon Prime Video, “Manhãs de Setembro”, e agora se prepara pro lançamento de seu primeiro disco solo. Quanto que a pandemia te afetou criativamente em relação a esses projetos?
LINIKER: Acho que a cabeça de ninguém tá boa nesse sentido, sabe? Acho que todo mundo tá passando por isso como pode e entendendo isso no corpo também. Foi muito difícil pra mim, está sendo muito difícil pra mim a falta de ver pessoas, a falta do meu trabalho ser um trabalho em que eu tô no palco sempre, e acho que esse tempo todo onde a gente tem pensado sobre o que tá faltando, eu precisava encontrar uma parte dentro de mim que eu entendesse o que tá sobrando, o que tá saindo. Então, o disco, nesse sentido, nasceu por conta desse tempo de poder mergulhar e entender onde é que eu tava e onde é que eu tô.
TRACKLIST: Ao longo da sua trajetória, você tem conquistado espaços que, considerando a realidade do nosso país, são muitas vezes restritos pra pessoas negras, trans e LGBTQIA+. Quanto que significa pra você trazer todas essas representatividades consigo em seu trabalho, pra palcos internacionais e indicações ao Grammy Latino, e levá-las pra lugares cada vez maiores através da sua arte?
LINIKER: Eu sinto que tudo isso que tem acontecido no meu trabalho é muito importante, e eu recebo isso por entender que é uma construção do trabalho até aqui, mas ao mesmo tempo, eu sinto que eu não tô fazendo só pra mim, sabe? Eu fico muito feliz quando eu vejo outros artistas LGBTQIA+ e pretes fazendo o seu som, e não só o som delas, mas também um som de soma. Acho que essa coisa de somar, do meu trabalho ter me trazido pra tantos lugares, me deixa muito feliz, me deixa muito esperançosa sobre o meu trabalho e muito feliz por estar presente, vivendo cada processo disso.
TRACKLIST: Como tem sido pra você apresentar e levar sua música pra tantos lugares ao redor do mundo, pra tantas pessoas de vários outros países?
LINIKER: Eu fico muito feliz de poder me conectar em outras línguas, de poder cantar em português e cantar com toda a história do meu corpo pra outras pessoas e com outras pessoas. Acho que essas experiências internacionais trouxeram pro meu trabalho uma expansão de ritmo, de cor, de imagem muito linda, que eu agradeço muito por ter tido esse espaço. Eu não vejo a hora de voltar pra estrada de novo, poder fazer principalmente esse disco ao vivo e poder apresentar um pouco de quem é a Liniker pro mundo.
TRACKLIST: Essas experiências refletem também no seu trabalho, certo? Principalmente em músicas com trechos em inglês, como “Lili” ou “Baby 95”, por exemplo, né?
LINIKER: Acho que é uma conexão de estar ativa, não só no que esperam de mim, mas poder também acessar outros lugares, sabe? Acho que essas músicas nascem assim.
TRACKLIST: Entre tantas as experiências que você cita ao longo do disco, que mensagem você gostaria de deixar ao ouvinte com o “Índigo Borboleta Anil”?
LINIKER: Eu gostaria que quem escutasse esse disco entendesse que, pra além de uma cantora, pra além de uma pessoa famosa, eu também sou humana e também me humanizo, também preciso entender as coisas que eu sinto. E ao mesmo tempo, que as pessoas sentissem que esse é um presente que eu tô dando pra mim e que tá sendo uma delícia compartilhar de presente também pra quem me escuta, porque acho que esse disco só acontece pela maturidade das coisas que eu passei ao longo desses anos desde o meu começo, sabe? E o meu público e minha rede de fãs são pessoas que tão comigo desde então, acho que é esse presente pra gente.
TRACKLIST: Achei muito interessante como as novas músicas também refletem sobre o seu amadurecimento e crescimento pessoais. Pra finalizar, gostaria de perguntar o que você diria hoje, depois de trilhar todo o seu caminho e conquistar tudo o que você conquistou, pra Liniker de muitos anos atrás que começava a se encontrar dentro da música e dentro de si mesma?
LINIKER: Eu diria que a coragem vai ser sempre uma palavra dentro dela, pra ela não esquecer de quem ela é, pra ela não se culpar pelas coisas que ela conquista, e que ela vai se conectar ainda com muita coisa que ela vai amar, e pra ela saber aproveitar isso.