Quando Martin Scorsese conta uma história, a indústria cinematográfica se vira para contemplar. Aos 81 anos, o cineasta – indiscutivelmente um dos maiores nomes da história do cinema – continua trazendo referências e novidades para a indústria, e “Assassinos da Lua das Flores” não é exceção.
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O filme chegou aos cinemas em outubro de 2023, mas já começou a chamar a atenção desde sua estreia no 76º Festival de Cannes, que ocorreu no mês de maio. A recepção da crítica é excelente: no agregador Rotten Tomatoes, o longa conta com uma aprovação de 93%, baseada em 459 resenhas.
A aclamação também refletiu na campanha para o Oscar 2024, e o filme conquistou 10 indicações, incluindo as categorias de Melhor Filme e Melhor Direção. O elenco também se destacou, com nomes presentes nas divisões de Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante.
A produção tem como base a obra literária de não-ficção “Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI”, de David Grann. Assim como o livro, o filme conta a história dos misteriosos assassinatos que assolaram a tribo indígena Osage na década de 1920, após a descoberta de petróleo em suas terras.
Posteriormente, as mortes deram início a primeira grande investigação de homicídios feita pela Federal Bureau of Investigation (a FBI), em um caso liderado pelo jovem diretor J. Edgar Hoover.
Trama
O gênero de faroeste (ou western, como é chamado originalmente) é um clássico do cinema norte-americano. Aqui, no entanto, o público não encontra uma perspectiva de ação, e sim uma narrativa dramática e de investigação criminal.
A história é aclimatada nos anos 1920, no Condado de Osage, situado no Oklahoma, EUA. A terra habitada por nativo-americanos se transforma em uma rica região após a descoberta de petróleo na região – cena que é marcada pela animação dos membros da tribo, reforçada pela presença da trilha sonora e do efeito de slow motion.
Com o passar do tempo, os Osage se tornam o povo per capita mais rico do mundo. E é claro que, com a prosperidade da região, a população precisa aprender a lidar com a ganância dos imigrantes. O local passa a ser visado por homens brancos, que não medem esforços para colocar as mãos no ouro negro.
Inicialmente, eles se portam como amistosos; e, assim, se estabelecem no local, começam a formar negócios e casam-se com as mulheres nativas. Mas, apesar dessa atmosfera afetuosa, a ambição rapidamente os leva para uma aura sombria.
Por que “Assassinos da Lua das Flores” pode ser um dos destaques do Oscar 2024?
Toda a ambientação do filme é um esforço conjunto. No figurino, por exemplo, o trabalho de Jacqueline West mistura vestimentas históricas e alguns elementos modernos. Já a fotografia e edição criam a pegada documental que o drama necessita. Com isso, não é surpresa que o longa tenha recebido nomeações nestas categorias.
E outro destaque vai para a trilha sonora: contida, ela é usada de forma pontual, mas dá pulsão às cenas sempre que está presente. A prova disso é que “Wahzhazhe (A Song for My People)”, uma composição de Scott George, foi indicada à categoria de Melhor Canção Original.
E, para unir todos esses elementos, a equipe de montagem e design de produção agem de forma primorosa – o que também garantiu a honraria da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Os personagens sob a perspectiva do elenco
O enredo é exposto a partir de dois núcleos: o dos homens brancos, aqui representado por Ernest Burkhart (vivido por Leonardo DiCaprio) e seu tio, o impiedoso William “Bill” Hale (interpretado por Robert De Niro); e os Osage, realçados principalmente na figura de Mollie (Lily Gladstone).
O protagonismo aqui é de DiCaprio. Com Ernest, o ator traça um personagem que é vilão, mas que também tem algumas características de vítima. Buscando um cotidiano mais tranquilo, o veterano de guerra se muda para a casa do tio, onde começa a trabalhar como motorista. Assim, ele conhece e se apaixona por Mollie, com quem se casa e tem três filhos.
Apesar do amor à sua família, os interesses de seu tio e sua avareza – “Adoro dinheiro”, ele repete em algumas cenas – sempre vêm em primeiro lugar. Tanto que, apesar de afetar diretamente a família de sua esposa, ele sequer demonstra remorso.
Do outro lado, vemos a Mollie de Lily Gladstone. A mulher vê seus familiares morrendo de um a um e, no meio de toda a tragédia, ela precisa lidar com a própria saúde debilitada pela diabetes. Em uma brilhante interpretação, a atriz consegue passar toda a força, dor, fragilidade e complexidade de sua personagem.
E o elenco conta, ainda, com Robert De Niro, que vive Bill Hale (ou o “Rei das Colinas Osage”, como é chamado). O pecuarista torna-se um homem de negócios e atinge um grande status na região. Bem relacionado, ele afirma ter “muitos amigos” e, de fato, conquista a confiança dos membros da tribo Osage.
Mas sob a carcaça de homem gentil e benevolente, Bill planeja uma série de assassinatos aos nativo-americanos do condado, sempre buscando a soberania e fortuna. Em sua longa carreira, De Niro faz, aqui, um de seus trabalhos-destaque. Ele imprime na tela toda a maldade casual de deu personagem, que não hesita em trair os supostos amigos; e articula situações absurdas com despreocupação.
É uma pena que Leonardo DiCaprio não tenha conquistado a indicação à categoria de Melhor Ator, já que ele também faz um trabalho brilhante. Em contrapartida, as indicações de Lily Gladstone à Melhor Atriz e de Robert De Niro à categoria de Melhor Ator Coadjuvante são devidamente merecidas.
A maestria de Scorsese
“Assassinos da Lua das Flores” possui uma trama brutal e difícil de digerir. Para desenrolar essa história, o longa apresenta cerca de 3h30 de duração. O desafio de manter a atenção o espectador esbarra, também, em uma questão ética: como trazer uma narrativa cinematográfica interessante sem espetacularizar o sofrimento de um povo?
E é aqui que a direção singular de Martin Scorsese resplandece. Ao longo da extensa duração do filme, o cineasta consegue amarrar todos os elementos da trama de forma que a produção se torna um relato histórico – mas sem perder as características de drama.
No entanto, o próprio diretor reconhece esse dilema; e é assim que nasce a cena final do longa. Depois da prisão dos envolvidos nos bárbaros crimes, o filme corta para uma encenação dos acontecimentos no formato de peça radiofônica. Em uma mudança de tom – que vai do bom humor para a sobriedade –, Scorsese entra em cena como parte da encenação. Ele explica que, após se divorciar de Ernest, ela morre em decorrência da diabetes alguns anos depois. Seu obituário não faz menção dos assassinatos.
Em entrevista ao veículo Entertainment Weekly, ele explicou o final do longa: “Uma das coisas que estávamos discutindo era o fato de que, por Deus, depois de tudo isso, tudo vira entretenimento”, comentou. “E, bem, você pode dizer que esse filme também se torna entretenimento. E, neste caso, temos que assumir a responsabilidade. Esperamos que seja um entretenimento com alguma profundidade e enriquecimento que talvez possa se aproximar de algum tipo de verdade”, finalizou.
“Assassinos da Lua das Flores” na premiação
Com 10 indicações, “Assassinos da Lua das Flores” é, definitivamente, uma das grandes apostas para o Oscar 2024 – incluindo a categoria de Melhor Filme, a principal da noite. No entanto, é possível que o filme perca força frente a outros concorrentes, como “Oppenheimer” e “Anatomia de uma Queda”.
O mesmo pode ocorrer na categoria de Melhor Direção, onde Scorsese compete diretamente com nomes como Cristopher Nolan (“Oppenheimer“) e Yorgos Lanthimos (“Pobres Criaturas“). Em compensação, a produção deve conquistar algumas estatuetas nas divisões técnicas.
Mas as melhores chances do filme estão no elenco. Lily Gladstone é a favorita para receber o prêmio de Melhor Atriz, enquanto Robert De Niro tem chances de levar a categoria de Melhor Ator Coadjuvante.
Independentemente da quantidade de prêmios, porém, “Assassinos da Lua das Flores” já se estabelece como um dos melhores e mais relevantes obras cinematográficas da temporada, e cimenta o lugar de Martin Scorsese como um dos melhores cineastas de todos os tempos.