A banda britânica Keane se apresentou no Brasil na última semana em shows esgotados em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. O grupo retornou ao país para a turnê comemorativa do seu álbum de estreia, “Hopes and Fears”, que completa 20 anos em 2024.
O disco foi o impulsionador da carreira do Keane. É um dos álbuns mais vendidos na história das paradas do Reino Unido e teve mais de 10 milhões de cópias comercializadas mundialmente, alavancado pelo sucesso “Somewhere Only We Know” que, na era digital, já recebeu mais de 1 bilhão de streams.
Para comemorar o lançamento, a banda divulgou, em maio, uma edição especial remasterizada do álbum original, remasterizado e gravado por Frank Arkwright no Abbey Road Studios, contendo também B-sides, demos inéditos e raridades. O lançamento foi completado pela turnê comemorativa que tem passado por diversos países.
Tamanho sucesso chegou de repente na vida de Tom Chaplin (vocal), Tim Rice-Oxley (teclado), Richard Hughes (bateria) formação original da banda – o baixista Jesse Quin integrou o Keane em 2011. Segundo Tim, a amizade entre os integrantes, que se conheceram na adolescência, foi essencial para sustentar tantas novidades em suas vidas. “Acho engraçado, porque as pessoas geralmente veem a gente como uma banda bem romântica. Mas eu penso que muitas dessas músicas falam mesmo sobre amizade, especialmente a amizade entre nós três (…) A gente sentia um pouco de medo, como, será que isso vai valer a pena? (…) Então, só tínhamos uns aos outros para nos apoiar e ajudar a continuar acreditando na música”, conta Tim Rice-Oxley, do Keane, em entrevista ao Tracklist.
Além disso, o tecladista do Keane, que também é o principal compositor da banda, falou na entrevista sobre o legado que “Hopes and Fears” deixou para o grupo e aos fãs, relembra histórias que aconteceram nos bastidores e celebra o retorno da banda ao Brasil. Confira!
Entrevista com Tim Rice-Oxley, do Keane
Tracklist: São 20 anos de Hopes and Fears, um álbum muito especial para vocês. Qual é a sua memória favorita dessa época e por quê?
Tim: Minha memória favorita é de um dia em que estávamos caminhando; acho que tínhamos acabado de jantar. Estávamos prestes a fazer um show pequeno em Londres, e acho que era no dia seguinte ao lançamento do álbum, se me lembro bem. Lembro que estávamos com alguém da gravadora, e ele basicamente nos disse que o álbum ia ser número um. E nós simplesmente não podíamos acreditar, porque, primeiro, ainda era segunda-feira, e, naqueles tempos, o álbum saía na segunda e só no fim da semana saberíamos como ele tinha se saído. E ele disse: “já vendeu tantas cópias que é impossível não ser número um”. Nós realmente não fazíamos ideia de que isso ia acontecer. Talvez a gravadora soubesse, mas ninguém tinha nos contado. Então, lembro desse momento com muita clareza. Acho que, de certa forma, minha vida toda mudou naquele instante. Foi um período muito, muito feliz.
Li em uma entrevista recente que você disse que muitas músicas de Hopes and Fears foram compostas na adolescência. Quais situações te motivaram a escrever essas canções? E como foi ver essas músicas se transformarem em sucessos mundiais?
Acho engraçado, porque as pessoas geralmente veem a gente como uma banda bem romântica. Mas eu penso que muitas dessas músicas falam mesmo sobre amizade, especialmente a amizade entre nós três [Tim, Tom e Richard] na banda. Nós crescemos juntos, então compartilhávamos os mesmos amigos além da banda. Tenho pensado bastante sobre isso recentemente, e realmente vejo que muito do álbum fala sobre amizade.
Era um período muito intenso, pois estávamos tentando fazer a banda dar certo. E, durante todos os anos em que você está tentando isso, você está, sei lá, trabalhando em um emprego qualquer durante o dia e depois vai ensaiar à noite ou tenta compor músicas. Isso foi nos nossos 20 e poucos anos, enquanto todos os nossos amigos estavam conseguindo empregos de verdade, encontrando segurança, seguindo aquele caminho que se espera para virar adulto. A gente sentia um pouco de medo, como, será que isso vai valer a pena? Estamos só desperdiçando nosso tempo? O que vai ser das nossas vidas? Então, só tínhamos uns aos outros para nos apoiar e ajudar a continuar acreditando na música. Para mim, muito do álbum é sobre isso. Claro, também tem aquelas inevitáveis músicas de término. Nunca fui muito bom em lidar com términos, então, sim, tem bastante coração partido ali também. Mas acho que esses dois temas realmente dão força ao álbum.
Como o relacionamento do Keane com as músicas de “Hopes and Fears” mudou ao longo dos anos? Elas parecem diferentes de tocar agora do que em 2004?
Sim, porque acho que agora olhamos para essas músicas de uma perspectiva diferente. Acho que, como todos na vida, passamos por uma jornada. Escrevemos essas músicas quando estávamos no início de algo, pensando no que iria acontecer no futuro, em como fazer a banda dar certo, para onde nossas vidas estavam indo, esperando que a vida começasse de verdade. Esse conceito aparece bastante no álbum. E então, a vida realmente aconteceu, e, no nosso caso, tivemos todas essas aventuras com a banda. Você quase para de pensar nessas músicas e naquela visão da vida, porque está vivendo, está fazendo coisas, passando por altos e baixos, momentos bons e ruins. Mas agora, acho que este ano foi uma ótima oportunidade para olhar para trás e lembrar por que escrevemos essas músicas e como foi difícil manter a crença em nós mesmos.
É bem emocionante perceber que as amizades sobre as quais cantávamos ainda são fortes, provavelmente mais fortes do que nunca, e o quanto precisamos um do outro e dependemos uns dos outros até hoje. Estamos aqui, e tudo o que sonhávamos aconteceu de certa forma, mas também a vida aconteceu, e todos nós temos nossos desafios. Acho que percebemos o quanto precisamos um do outro, na vida e na música. Então, sim, vejo as músicas de maneira diferente, mas, de certa forma, elas são ainda mais poderosas para nós agora.
Vocês relançaram o álbum recentemente com novas demos e B-sides. Há alguma história curiosa sobre as gravações originais?
Acho que o que mais me chamou atenção enquanto trabalhava nisso foi ter que acessar aqueles computadores antigos e abrir arquivos que são muito difíceis de acessar hoje em dia, coisas que não víamos há 20 anos ou mais. Isso realmente me fez lembrar o quanto de trabalho foi investido nessas músicas. Algumas delas já existiam uns quatro anos antes do álbum sair, como “She Has No Time”, “Bedshaped” e “This Is the Last Time”. Elas passaram por tantas mudanças e têm tantas versões diferentes. E agora, quando penso nisso, lembro dos meses e anos que passamos ajustando, tentando fazer essas músicas funcionarem, para que as pessoas gostassem delas ao vivo ou quando as tocávamos para nossos familiares ou amigos. Foi divertido, mas deu muito trabalho.
Algo que achei muito legal ao revisar essas gravações antigas é que você consegue ouvir, como eu estava ali no computador, apertando o botão de gravar enquanto o Tom fazia o vocal, em qualquer lugar que estivéssemos, apenas aprendendo as músicas, testando coisas novas. Basicamente éramos nós fazendo piadas bobas, o Tom dando risada ou arrotando, então, nesse sentido, nada mudou. Éramos basicamente crianças se divertindo. Eu realmente gostei de relembrar isso. Cada música tem suas particularidades de como surgiu, mas, na maior parte do tempo, éramos apenas nós três tocando várias vezes e nos divertindo, experimentando novas ideias. Isso me deixa muito feliz ao lembrar.
Se você pudesse escolher só uma música de “Hopes and Fears” para traduzir o Keane, qual seria e por quê?
Bem, eu provavelmente escolheria “Bend and Break”. Percebi recentemente que essa é uma música muito importante no álbum, pois fala muito sobre nossa amizade e sobre tentar se manter firme. É algo meio literal, sabe, quando você vê por esse ângulo. A letra diz algo como “me encontre de manhã quando você acordar” – e era exatamente isso que fazíamos todos os dias. Era tipo: “te vejo de manhã”, e íamos tentar mais uma vez aquela música, fazer outra demo, tentar encontrar algo para fazer. Em parte, era só uma maneira de tentar nos manter ocupados e continuar sentindo que o que fazíamos tinha um propósito. Para mim, essa mensagem de, tipo, desesperadamente tentar manter o ânimo, fica muito forte nessa música. Então, sim, não sei se ela representa a banda, mas com certeza representa aquela época e aquele álbum.
Depois de 20 anos, qual é o legado de “Hopes and Fears” para o Keane e para os fãs?
Bem, isso mudou nossas vidas completamente. Quero dizer, é o que me faz estar aqui, sentado em um hotel no Rio, perto da praia de Copacabana. É surreal. Facilmente, eu poderia estar de volta, fazendo cópias no escritório de uma editora em Covent Garden, onde eu trabalhava, ou sei lá onde estaríamos agora. Então, é algo enorme, que realmente definiu nossas vidas, pois chamou a atenção das pessoas – e muitas delas seguiram conosco nessa jornada musical, aproveitando enquanto explorávamos estilos diferentes, acompanhando nossa trajetória como banda e como pessoas. Fomos muito, muito sortudos.
Acho que a autenticidade daquele primeiro álbum nos ajudou muito, pois fez as pessoas acreditarem na gente e na nossa música. Então, sim, isso moldou tudo em nós. E, na verdade, outra coisa que amo sobre o álbum é que, quando ele saiu, especialmente no Reino Unido, ele não era considerado muito “cool”. Muitos diziam: “sim, eles estão vendendo muitos discos, mas são uma banda meio fora de moda”. E, na verdade, isso nos ajudou ao longo desses 20 anos, porque as modas passam, e sempre estivemos fora de qualquer cena… Apenas fazemos o que fazemos.
E, como eu disse, somos autênticos com nós mesmos. Isso significa que ainda temos um lugar no coração das pessoas. Continuamos mudando, e eles também, mas mantemos algo que é verdadeiro para nós. Não é sobre moda ou ser “cool”; é algo autêntico. Então, sim, foi enorme para nós e acho que, para outras pessoas, claro, é diferente para cada um, mas definitivamente é um álbum que teve um grande impacto na vida de algumas pessoas. Tenho pensado muito nisso nos últimos anos e concluí que, para mim, o verdadeiro significado de sucesso é quando você conversa com alguém – muitas vezes pessoas que ficam esperando do lado de fora do hotel onde estamos hospedados – e ouve as histórias delas sobre o que nossa música significa para elas. Às vezes, é realmente muito emocionante. A música pode salvar vidas e mudar vidas, e para algumas pessoas, “Hopes and Fears” fez isso. E isso é muito importante para nós. Ter um lugar no mundo onde podemos contribuir de maneira significativa na vida das pessoas é incrível, e faz a gente sentir que temos um propósito. Então, se deixamos algum tipo de legado assim, de forma positiva, na vida de alguns fãs, isso é maravilhoso.
Esta é a sexta passagem do Keane no Brasil, um país que ama vocês. Você gostaria de mandar uma mensagem aos seus fãs brasileiros?
Vocês são incríveis. Muito obrigado por todo o carinho ao longo dos anos. É realmente um milagre para nós podermos vir para este país lindo, tão longe de casa, e ainda ter vocês aqui conosco depois de 20 anos. Isso significa muito para nós, e somos profundamente gratos. Então, muito obrigado.