Murais coloridos, traços inconfundíveis e mensagens de paz e esperança. Pela primeira vez, o artista plástico Eduardo Kobra levou no último dia 6 de abril ao Brazil Conference, em Harvard & MIT, nos Estados Unidos, uma bagagem repleta de conhecimento sobre o movimento Street Art. Com 37 anos de carreira e murais em mais de 40 países, em cinco continentes, Kobra falou, em entrevista ao Tracklist, sobre sua participação na conferência, a importância de levar o Street Art do Brasil para o mundo, seu novo painel na Colômbia que foi inaugurado recentemente e mais.
Entrevista: Eduardo Kobra
Tracklist: Pode nos contar um pouco de como foi sua participação no Brazil Conference em Harvard & MIT?
Kobra: Harvard formou oito presidentes norte-americanos e mais de 160 ganhadores do Prêmio Nobel. É uma universidade muito conceituada e número um do mundo por vários anos consecutivos. Eu fui muito bem recepcionado, com a sala lotada, e pude falar sobre a importância da arte pública nas cidades. É uma experiência única na minha vida e vou guardar para sempre. Jamais imaginei que pudesse alcançar. Mesmo porque sendo autodidata, não imaginei que pudesse quebrar não só as fronteiras entre os países, as barreiras emocionais, psicológicas e todas as dificuldades. É uma batalha na mente que tem que ser vencida. Hoje, pude alcançar e palestrar em universidades no Brasil, inclusive, universidades de arte, nos Estados Unidos e até mesmo na Europa.
Na sua visão, qual é a importância de levar o tema Street Art do Brasil para o mundo?
O Brasil é um país jovem no sentido da arte. A Capela Sistina, por exemplo, foi pintada há 500 anos. Então, você faz uma comparação com a idade do Brasil nesse sentido. Existe uma diferença, um caminho longo a percorrer e tem muitos brasileiros talentosíssimos. Observo artistas natos vindo da periferia e de outros lugares que não tiveram a oportunidade de cursar universidades, mas tem a arte no sangue, no coração e na alma.
Realmente, vemos que, em relação a Street Art, não existe essa defasagem de tempo. O Brasil está na vanguarda desse movimento. Surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos, pelo menos no segmento em que sou adepto, nos grafites do Bronxs, do Brooklin, do hip hop, de quando comecei em 1987. O Brasil começou logo na sequência e hoje tem os melhores artistas do mundo na vanguarda desse movimento. É um privilégio para os artistas e para o Brasil ter esses verdadeiros fenômenos, pintando as ruas, muitas vezes, de forma voluntária, vindo de comunidades. Hoje, sendo celebrados e convidados para pintar nos melhores museus e galerias do mundo.
De que forma essa questão é retratada nas suas obras, principalmente voltada para o tratamento social e político?
Nesse conceito, não há diferença da arte que está em museus, galerias ou na rua. É uma questão pessoal. Cada artista pinta o que pinta por um motivo específico. Alguns só pela técnica, outros por estética ou por cor. Há vários tipos de intervenções, mas, no meu caso, tenho como DNA no meu trabalho e acredito que a mensagem e o significado são mais importantes do que a pintura. Nesse sentido, venho utilizando o meu trabalho para falar de assuntos que me identifico, que quero falar positivamente ou que me causam revolta e quero mudar.
Eu só não gosto de pegar carona em temas midiáticos dos quais não tenho relação. Hoje, as principais mensagens que tenho tratado são temas relacionados ao racismo, violência e guerras, trazendo mensagens de paz, de solidariedade e de fraternidade. Também venho falando dos povos indígenas, das questões de história, memória, coexistência e tolerância. O meu trabalho tem transitado por esses universos. Mas, acima de tudo, a mensagem principal é a paz e a tolerância.
Como é a inspiração e o preparo antes de compor uma nova obra?
Costumo brincar que pintar é a parte fácil. Difícil é chegar no muro para pintar, porque a parte burocrática, como organização, logística, contratos, licenças, equipamentos e segurança do trabalho são complexos. O restante para mim é só alegria e prazer. Criar é algo que faço de livre espontânea vontade. Quando eu sou convidado, chego a apresentar até 30 propostas, porque tenho muita alegria em poder criar. Cada desenho é uma imersão na pesquisa, então posso aprender muito com o meu próprio trabalho, com as portas e as possibilidades que ele me traz. A arte tem aberto portas no mundo todo, algo que também não imaginava. Isso tudo me traz uma grande responsabilidade e um grande desafio.
Algum outro tipo de arte, como música ou teatro, te inspira no dia a dia?
Eu não creio em uma arte isolada. Para mim, tudo está conectado. Eu gosto de conhecer, principalmente, os povos, as culturas e as tradições. Isso tudo me inspira demais. Eu não faço acepção, posso estar em países riquíssimos ou muito pobres, que me sinto sempre alegre e inspirado em poder criar. Na história da arte, temos artistas mais clássicos, de vários movimentos, de Gustav Klimt a Banksy. Tenho uma passagem sempre buscando conhecer, entender e aprender por que cada lugar é como é. Respeitando também. Essa minha passagem por 38 países acrescentou demais, principalmente, como ser humano e me fez entender o mundo na prática.
E do que se trata o seu novo mural na Colômbia? Por que a escolha desse país para receber sua arte, sendo o primeiro da América do Sul fora do Brasil?
Esse é o meu primeiro mural na Colômbia e na América do Sul fora do Brasil. É um momento muito interessante e inusitado. Pintei o mural em uma cidade muito bacana chamada Monteria e me interessei pelo convite por se tratar de uma universidade. Essa relação de, hoje, ter a possibilidade de levar o meu trabalho para faculdades consagradas como Harvard, outras no Brasil e em outros lugares, e escolas, tem sido um aprendizado e um grande desafio. Eu sou autodidata e esses convites me instigam, porque sou muito movido pelos desafios. Passei a minha vida sempre pesquisando e buscando informação, para aprimorar o meu trabalho e evoluir como ser humano.
Sempre digo para a molecada que estudar é o único caminho que nos leva a alcançar outros degraus. Então, o que me interessou em vir para a Colômbia, principalmente, é o fato de ser uma universidade respeitada no estado de Córdoba e também pela história que pude trazer para esse mural. Eu tenho o privilégio de, depois de 37 anos de carreira, poder perceber quais convites que fazem realmente sentido para mim e os locais que fazem sentido estar. Afinal de contas, viajar não é só glamour, é também perrengue e todo tipo de dificuldade, porque estar longe de casa, longe do filho e da família e dormir em hoteis diferentes, comidas diferentes, é muito complexo. Mas trabalhos como esse aqui fazem tudo isso valer a pena.