Pouco mais de dois anos após o lançamento de seu aclamado disco de estreia, Billie Eilish reafirma sua grandiosidade e genialidade com seu novo álbum, “Happier Than Ever”. Lançado nesta sexta-feira (30), o aguardado disco passeia pelos acontecimentos da vida de Billie e promove diversas reflexões.
Um bom disco, majoritariamente, é composto por uma estrutura muito básica e linear: começo, meio e fim. Em diversas obras, é possível observar como se é construída uma narrativa coesa e bem definida para apresentar a ordem dos fatos. Diversos artistas fizeram isso com maestria, como Lorde, Beyoncé, entre outros.
Em “Happier Than Ever”, Billie deixa claro que essa sequência merece ser respeitada. Em sua versão otimizada para o Spotify, ela fala sobre como é importante ouvir o disco em sua ordem, como foi pensado e idealizado. E isso faz toda a diferença aqui. A ordem das informações e a sonoridade criada faz o disco fluir de maneira especial, principalmente se comparado ao seu disco de estreia.
Madura, inteligente e sagaz, Billie mostra faces diferentes das que já estávamos acostumados a acompanhar em sua carreira. “Happier Than Ever” melhora o que funcionou em seu primeiro álbum e se arrisca de maneira esperta e funcional.
“Happier Than Ever”: o ínicio
“Getting Older” é a abertura ideal para o disco. Além de ser uma produção extremamente pessoal, faz o papel de introdução ao álbum. Assim como Lorde fez em sua estreia referenciando a primeira frase do “Pure Heroine” com a última, Billie abre os trabalhos com uma revelação pessoal e deixa o recado: “Was too afraid to tell ya, but now, I think it’s time / Estava com muito medo de te contar, mas agora, acho que é a hora”
O disco aborda de maneira sutil e, em alguns momentos, fantasiosa o crescimento de Billie, principalmente após o sucesso estrondoso de seu primeiro disco. Ainda em “Getting Older”, a cantora fala que não tem problema em entender um acontecimento e falar sobre ele após um certo tempo.
Dividindo o disco em três partes, o início conta com as 6 primeiras músicas, com destaques para “Billie’s Bossa Nova”, “Oxytocin” e a incrível “GOLDWING”. Se na primeira canção do disco Billie externalizou traumas passados, em “I Didn’t Change My Number” ela canta sobre mudar a percepção sobre as pessoas e como se afastar, em algumas vezes, faz bem.
“Billie’s Bossa Nova” provavelmente é a canção mais fantasiosa do disco. FINNEAS contou, em uma entrevista à revista Rolling Stone, que essa música era uma metáfora em relação a conseguir passar despercebida durante as turnês. “Quando estamos em turnê enfrentamos algumas coisas estranhas, como entrar em elevadores dos fundos para não sermos vistos, coisas do gênero. Essa música brinca com a fantasia de ter um affair durante esses momentos, como se Billie estivesse com alguém durante esses momentos de ‘fuga’”, contou o irmão de Billie.
“Oxytocin” foi a última música a ser produzida para o disco e foi pensada para a próxima turnê da cantora. É impressionante como Billie consegue ser sutil ao brincar com a fé das pessoas sem soar ofensiva. A dobradinha de “Oxytocin” e “GOLDWING” é um dos momentos que mais impactam no disco. Na primeira, ela brinca com o fato de um possível Deus não aprovar seus atos momentâneos.
“Se você só reza aos domingos, poderia vir até mim na Segunda? Pois eu gosto de fazer coisas que Deus não aprovaria se nos visse.”
“If you only pray on Sunday, could you come my way on Monday? ‘Cause I like to do things God doesn’t approve of if She saw us”
E logo em sequência, “GOLDWING” inicia com vocais que remetem a corais de igreja. Na canção, Billie fala sobre uma mulher pura, não de corpo, mas de alma. Quase como um ser divino e sagrado. A produção é uma das melhores do disco, após o coral a canção tem um grande destaque em seu refrão. Quase como uma “bad guy” melhorada.
Brincar com a questão religiosa é uma marca registrada de Billie, desde o primeiro disco. Porém, sua forma de abordar os temas em “Happier Than Ever” mostram como ela amadureceu e otimizou sua forma de flertar com o tema.
A maturidade de Billie em foco
Composto por “Lost Cause”, “Halley’s Comet”, “Not My Responsibility”, “OverHeated” e “Everybody Dies”, a parte central do disco é mais acometida em suas melodias, mas acerta em cheio em suas letras.
“Lost Cause”, já conhecida do público, apresenta Billie em sua forma mais leve, expressando seu descontento em diversas situações, não apenas em relação a uma pessoa em específico, como era teorizado pelos fãs. Já em “Halley’s Comet”, um dos grandes destaques do disco, fala sobre o amor, em como o amor é um sentimento que te deixa flutuando, leve, carinhoso.
“Not My Responsibility” foi apresentada como um interlude de sua última turnê, onde Billie aparecia no telão à vontade, como uma resposta a todas as críticas às suas roupas, a esconder seu corpo, algo que sempre foi um estereótipo machista no meio da música pop feminina. A música é complementada por “OverHeated” que basicamente segue a mesma abordagem sobre a mídia e a internet.
“Everybody Dies” é, provavelmente, a produção lírica mais interessante de se pensar a respeito. Grande parte dos seres humanos temem a morte – é algo natural. Ao nascer, a única certeza que temos é a da morte, e ainda assim é algo que assusta a muitos. Morrer pode ser comparado com o fim, e tudo na vida chega ao fim, sejam as coisas boas ou as coisas ruins.
“Happier Than Ever”: conclusão da jornada
Se a primeira parte do disco era o impacto melódico e a segunda o lírico, a conclusão é a junção desses dois elementos. A grandiosidade das cinco últimas músicas do disco, em todos os aspectos, é o que mostram o crescimento de Billie Eilish como artista e pessoa. Não utilizar dos mesmos elementos que funcionaram antes, e sim otimizá-los, é um dos grandes feitos de seu segundo disco.
“Your Power” é uma das músicas mais pessoais de Billie, mas ela revelou que não queria que se transformasse em algo pessoal dela, pois muitas pessoas passam por isso diariamente. Sua intenção é que as pessoas possam se sentir inspiradas a mudar a situação.
“NDA” e “Therefore I Am” se complementam de forma magistral, não só pela transição fluida, mas ambas funcionam muito bem em várias frentes. A primeira, fala sobre lidar com as situações de forma proativa, saindo da posição de quem apenas é a culpada, para quem coloca ordem. Já a segunda é o reconhecimento de sua posição. Muitos podem citar “Therefore I Am” como uma canção para amaciar o ego, mas quem de nós não gosta de se sentir bem consigo mesmo?
A conclusão do disco vem com chave de ouro com “Happier Than Ever” e “Male Fantasy”. Ambas falam sobre o fim de um relacionamento que não era bom, e o principal, a diferença entre um amor real e um falso. Billie abre o coração e fala sobre como se sente melhor sozinha e de como, em alguns momentos, um relacionamento não passa de uma fantasia.
Billie Eilish entrega em “Happier Than Ever” sua melhor versão, lírica e sonoramente falando. Agora, basta esperarmos para ver como tudo isso se encaixa em uma futura turnê. Sua grandiosidade e genialidade são expostas de maneira coesa e contundente em seu melhor trabalho até o momento.
Nota: 9